4.1.10

A Família existe

Des-instituído o casamento, por força do meu post anterior – nem menos! – ficou a Humanidade suspensa da minha decisão sobre o destino a dar à família. É a isso que venho desta vez. Não o fiz ontem por ser o Dia do Senhor (Dominus dei) .

Pormenor da pintura de El Greco - "A Sagrada Família"
Ao contrário do casamento, a família não depende de qualquer convenção pessoal, cultural ou jurídica. Existe como a Humanidade; é uma realidade objectiva e natural. É um elemento estrutural – materialmente estrutural – da Humanidade como a água é estruturante do vinho (mais do que alguns desejariam) e o açúcar é estruturante da maçã (principalmente da maçã assada!).

Enquanto um casamento se faz e se desfaz – legal ou factualmente – já a família, uma vez criada, persistirá até à morte dos seus membros. No casamento está-se (está-se casado); na família, é-se (é-se familiar). O casamento junta; a família nasce. Nasce com uma criança.

Pais e filhos são uma realidade e uma relacionalidade objectiva e material independentemente das circunstâncias e dos vínculos afectivos e jurídicos existentes entre os membros.

Talvez não seja alheio a esta noção que o cristianismo se desinteresse tanto pelo casamento de José e Maria ao mesmo tempo que sacraliza a Sagrada Família. Diga-se de passagem que a falta de coito entre os pais de Jesus deve ser levada à conta de metáfora bíblica, como tudo o resto segundo explicações recentes das autoridades eclesiásticas a propósito do livro Caim!

É sobre esta realidade natural – tão natural como o mel das abelhas e o veneno das serpentes – que a organização política tem que assentar ao parir as suas leis. Diferentemente do que parecem pensar alguns políticos e economistas, não é a família que deve obediência à organização política e económica, é o contrário. E qualquer tentativa de inverter este sentido estará condenada ao desastre. É a vida.

Sobre esta problemática muita tinta correu entre os pensadores antes de mim – embora sem a minha qualidade, claro!... Há até quem fale numa “Ciência da família” – no mesmo sentido em que se fala da História como ciência. Ali está o casamento como aspecto central, do monogâmico, do poligâmico, do poliândrico... Mas é nítido que em todas as formas, o que é determinante é a procriação e não o facto de duas ou mais pessoas viverem mais ou menos juntas e partilharem mais ou menos bens. Sobretudo quando se trata dos ancestrais acasalamentos entre familiares directos.

Engels* procura, com base nos estudos de Morgan sobre os iroqueses** (...) caracterizar os sistemas de parentesco e formas de matrimónio que levaram à formação da família, descrevendo as suas fases, bem como os modelos criados ao longo do processo de desenvolvimento humano. A invenção do incesto é o passo decisivo na organização da família propriamente dita, mas como, neste estágio primitivo, as relações carnais eram reguladas por uma promiscuidade tolerante ao comércio sexual entre pais e filhos e entre pessoas de diferentes gerações, não havendo ainda as interdições e barreiras impostas pela cultura, nem relações de matrimónio ou descendência organizadas de acordo com sistemas de parentesco culturalmente definidos, não é possível falar em família nesse período.
(Recortado de Luciana Marcassa, doutoranda em Educação pela UNICAMP)

“Não é possível falar...” quer dizer, para mim, que não se inscreve no nosso conceito cultural, não quer dizer que não estabeleçam de facto entidades familiares.

Um casal homossexual – já que vinhamos falando do assunto - não acrescenta nem diminui nem verte nem subverte nada do que venho dizendo. Se um elemento de tal casal é pai, a sua família é constituída por si com o filho e a mãe, independentemente de alguma vez terem vivido juntos e partilhado alguma coisa mais que o sangue. O companheiro ou companheira que vive com a pessoa homossexual não constitui família com ela.



A família inscreve-se na árvore genealógica; a partilha de vida (incluindo a vida sexual) inscreve-se na rêde social.


Num sentido extenso e deturpado diz-se que Paulo Portas pertence à mesma família de Ribeiro e Castro ou Telmo Correia – a “família política”. Mas no sentido rigoroso ele pertence à família de Miguel Portas, isso sim. E a prova de que este conceito de família é usado sem propriedade, é o facto de Zita Seabra ter deixado de pertencer à “família” de Jerónimo de Sousa – o que não pode acontecer numa família real. Eu disse família real ?!

*“A Família”, capítulo II do livro “Estágios Pré-Históricos de Cultura";
** Morgan desenvolveu estudos sobre os laços de parentesco entre as tribos indígenas localizadas no Estado de Nova York na pré-história.

1 comentário:

jrd disse...

Da família e das famílias. Há povos que as pensam e vivem de formas diferentes.