7.1.10

"Reversão de expectativa"

Uma das técnicas que se usam na estrutura de guiões dramáticos, consiste em confrontar o espectador com um acontecimento inesperado, surpreendente por contradizer a lógica aparente da narrativa anterior. É aquilo a que os autores brasileiros de telenovelas chamam a “reversão de expectativa”. Mas o que é verdadeiramente surpreendente é que esse artifício aconteça com tanta frequência na vida real.

Vejamos um exemplo recente. Durante uma cerimónia religiosa em que o Papa Bento XVI desfilava em cortejo por uma rua, uma mulher irrompeu da assistência, saltou um gradeamento improvisado de segurança e foi “atacar” o Papa, deitando-o ao chão.

A ideia de atentado ocorreu inevitavelmente ao pensamento do público em geral e da Imprensa em particular, quer pela natureza do acto quer pela história de atentados anteriores contra figuras públicas e contra papas, em particular. Poderia falar-se mesmo de acto terrorista?

Os fantasmas cresciam quando – reversão de expectativa ! - uma nova notícia dava conta de que a mulher, que era doente mental, não teve intenção de fazer mal; apenas queria cumprimentar "Sua Santidade"!

De uma pessoa assim pode ter-se pena mas a verdade é que a maioria dos atentados contra figuras públicas, pelo menos na história dos últimos cem anos, terão sido cometidos por tresloucados e geralmente tiveram efeitos trágicos. Demente ou não, com boas ou com más intenções, o que era indesmentível era que a mulher atirara o Papa por terra. Disseram as notícias e mostraram os telejornais.

Mas não! – reversão de expectativa outra vez! O que terá acontecido é que os próprios seguranças do Papa, na precipitação de afastar a mulher, terão causado a queda de "Sua Eminência".

Mas os exemplos somam-se... E não serei eu que vou divulgar o escândalo que a "comunicação" social tem escondido acerca dos falsos efeitos da gripe H1N1 ... Mudemos de assunto, portanto.

A CIA contratou Humam Khalil Abu-Mulal al-Balawi, um afegão, para fazer espionagem a favor dos EUA. Com base nas informações deste espião, a CIA matou um número indefinido de “líderes da Al-Qaeda”.

Heis senão quando – reversão de expectativa - , o mesmo espião revela-se como agente duplo e mata sete funcionários da própria CIA!

Bem poderão, portanto, os analistas políticos e económicos (e eu) fazer as previsões que entenderem, que a realidade, muito provavelmente, será dramaticamente mais interessante.

Afinal, são as incertezas, os sobressaltos, que nos mantêm atentos e despertos - na estrada, na vida e na ficção.

Imagem copiada de helenaguimaraes.interdinamica.pt
Foto inicial de Gameover "Agente Duplo", em Sapo.images

6 comentários:

Mariquinhas disse...

Mais um belíssimo texto, António, parabéns.
É, também, um bom exemplo de que - "a realidade suplanta a ficção" - não é, só, mais uma "frase batida".:))

MARIA disse...

Caro António, a ideia de que a mulher se atira para cima do Papa para o cumprimentar é mesmo muito católica ...

Sensualidades disse...

lutar contra a incerteza, e impossivel, tentar inventar certezas para se justificar uma luta incerta, parece a unica solucao capaz de manter as massas felizes, e nos ficamos felizes, e melhor nao ver que ter de encarar

Jokas
Paula

antónio m p disse...

Quem diria - cá estão as surpresas - que a própria Mariquinhas que a Amália cantava, havia de visitar-me com este ramo de palavras simpáticas?

Obrigado a todos, digo a todas. E não se inibam de dizer mal também, se e quando fôr o caso.

Mariquinhas disse...

Já fui Maria, com a idade, tornei-me Mariquinhas e da Silva:))

mfc disse...

Um texto atento e inteligente.
Gostei.