29.7.12

Porque hoje é domingo (19)

Segundo reportagem de São João

Tudo começou quando Jesus, querendo matar a fome da multidão que o seguia, soube que apenas  um rapaz  tinha cinco pães e dois peixes.

- Gaspar, distribui a toda a gente o que tiveres .
- Mas isto mal dá para saciar a fome de uma minoria – respodeu o rapaz, devagarinho.
- Faz o que te mando, Victor. Distribui o que houver, igualmente por todos.
- E os agiotas, senhor. O que vão eles dizer?
- Os agiotas que se lixem .

Isto passou-se na Palestina, há quase 2000 anos.
Só podia.


«Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo», disseram os homens depois de verem como ele resolveu a crise do pão e do peixe, e como fez a distribuição “equitativa” da riqueza, não em percentagem do vencimento de cada um mas sim em valor absoluto – a mesma quantidade a cada um. Este sim, repudiava a austeridade e promovia o crescimento.


Segundo S. João (6,1-15), ao ver a obra do Messias o povo queria torná-lo rei. Fontes geralmente bem informadas acrescentam que se chegaram a promover manifestações e petições. Um primeiro-ministro assim é que nós precisariamos, capaz de criar riqueza e de afrontar os conceitos injustos que estão estabelecidos – lia-se nos cartazes dos manifestantes.

Mas Jesus, proclamando que a política é para os políticos (“a César o que é de César”) tinha outras ideias, estava mais virado para salvar o homem da sua “miséria espiritual”. Nesse tempo ainda o materialismo não tinha revelado que o pensamento depende do cérebro.

Foi pena  que Jesus não tivesse ido mais longe na sua piedade, pois acabámos por ficar tão pecadores como antes, e os desprotegidos continuam tão discriminados como sempre. Abandonados à ganância dos ricos e à corrupção dos governantes, os filhos de Deus vão vivendo das esmolas de César e da esperança num milagre... económico.

28.7.12

Quando as mulheres não contam

Espero tratar, no próximo domingo, o milagre da multiplicação dos pães – assunto que será objecto das homilias desse dia, por todos os cantos do mundo. Mas uma notícia de hoje faz-me antecipar um breve comentário.

A cena passa-se na Palestina. Havia 5.000 homens à volta de Jesus, “sem contar mulheres e crianças”, diz o Evangelho!

Como foram contados os homens, não sei, que hoje em dia há sempre dois números: os da polícia e os dos sindicatos. Mas que as mulheres e as crianças não contem, isso é que me parece estranho.

Parecia! Até que vejo a notícia do Expresso de 2012-07-28, à hora de jantar, isto é, à hora de distribuir o pão:


«Novo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé considera que a exclusão das mulheres da ordenação sacerdotal na Igreja Católica segue a "vontade e chamamento de Cristo».

25.7.12

Paradoxos de esquerda

Morreu no dia 22/7, Oswaldo Payá (n. 1952), num acidente de automóvel.

Resistente assumido contra a repressão política, dele se recorda que subscreveu com mais catorze mil cidadãos, uma petição ao abrigo da constituição, destinada a obter a liberdade de associação, de expressão e de Imprensa, e a libertação dos presos políticos. O resultado foi a prisão de 40 membros do movimento de libertação que ele representava.

Isto podia ter sido em Portugal, durante o salazarismo ou a “Primavera Marcelista, mas não; foi durante a Primavera Negra de 2003, em Cuba.

Nada que demova a relação “de fraternidade” que o PCP continua a cultivar com aqueles que noutras partes do mundo impõem ditaduras que o são independentemente das cores com que as pintam. A grande justificação continuará a ser a origem revolucionária libertadora que esses regimes tiveram, e o caracter socialista que esses regimes proclamam. Faz lembrar o generalizado elogio que alguns faziam e fazem ao Estado Novo, em nome do restabelecimento da “ordem” e da saúde financeira do salazarismo.

Está em preparação a Festa do Avante que decorrerá de 7 a 9 de Setembro. Lá voltaremos a encontrar o “Espaço Internacional” onde «estará em evidência a cooperação e a luta dos povos de todo o mundo face à crise do capitalismo e à violenta ofensiva do imperialismo». Mas não a cooperação e a luta dos povos de todo o mundo face aos abusos de poder, à supressão das liberdades políticas, à perseguição repressiva contra os opositores às ditaduras “de esquerda”. Pelo contrário. E este paradoxo ideológico voltará a ser consagrado em forma de farsa no XIX Congresso, também ele em preparação para o final de Novembro.

Como alguém diria: que se lixem as eleições, o que importa são as revoluções!

Felizmente há alternativas.

NOTA: No momento em que publico este artigo, surge esta informação em twiter desde Cuba: Ailer Gzlez narra golpes e irregularidades legales en su arresto (prisão); 20 personas esperamos fuera d Estacion porque liberen a Antonio Rodiles.

22.7.12

Porque hoje é domingo (18)

O direito ao descanso

Depois de trabalhar uma semana, até Deus quis parar para descansar, que nem as pernas e os braços e o coração de Deus escapam a esta necessidade elementar.

Desta apetência de Deus pelo descanso que já vem, como se vê, do tempo em que o mundo foi criado, deram nota sem pudor, textos sagrados. Entre eles, o que a Igreja invoca este Domingo que é o 16º do Tempo Comum. Conta S. Marcos (Mc 6,30-34) que «tendo os apóstolos chegado cansados da sua missão, Jesus lhes disse: “Vinde sozinhos para um lugar deserto e descansemos um pouco”.»

Mas nem assim as impiedosas almas que hoje nos governam, reconhecem a importância do repouso para quem trabalha. Prolongam a semana e as horas do dia, rateiam as férias e reduzem salários, obrigando os cidadãos a compensar com segundos empregos, biscates e assaltos - tudo contrário ao descanso das pessoas e à protecção das famílias.

Que Deus lhes perdoe. E que o povo as castigue.

19.7.12

Síria em contexto

Quando um regime de excepção se eterniza,
já não é excepção, é o regime.

Foi assim na União Soviética, como é assim em Cuba ou na Coreia do Norte. E na Síria.

Lá onde as liberdades cívicas são suspensas e os dirigentes são nomeados ou herdeiros, onde se instala a censura de imprensa, a repressão dos opositores políticos, a subordinação de todas as instituições, ao Governo, em nome da Felicidade, o que se oferece às populações não é a Felicidade, é a ditadura com toda a sua violência.

Apesar destas coincidências e ainda do conceito de "governo forte" e parlamento irrelevante, distingue-se uma ditadura de esquerda de uma ditadura de direita? Sim, há diferenças. Desde logo porque a negação da democracia formal é para uns uma questão de princípio e para outros uma questão de meio, embora dê o mesmo, no fim. Mas também se distinguem, de facto, porque a primeira extingue a anterior classe dominante, “a burguesia” e generaliza o acesso aos serviços essenciais: de saúde e de ensino.

Mas saem os cidadãos mais livres em resultado daquela extinção? A substituição de uma oligarquia financeira por uma oligarquia partidária auto-proclamada "representante da classe trabalhadora", traz diferenças escassas ou perversas aos súbditos do Estado.

E sobre os benefícios aparentes há que perguntar: são realmente gratuitos os serviços, como apregoa o regime? Pois não é a riqueza do país, a riqueza produzida pelos cidadãos que paga esses serviços? Ou é dos bolsos dos governantes que sai o dinheiro para adquiri-los? E quanto custa a um cidadão daqueles estados, sair para outro país por sua iniciativa? Em grande parte das vezes, custa a própria vida!


Dir-se-á que apesar de tudo a distribuição dos bens e serviços à população é mais igualitária. Sem dúvida que sim. Mas que significa isso num regime de ditadura? Significa que o poder instaurado, a nova oligarquia, compra o silêncio e as liberdade cívicas dos cidadãos, que compra a dignidade das pessoas, tal como o cliente paga à prostituta para ela se submeter aos seus caprichos.

Pode também ser analisado à luz destas considerações, o percurso histórico da Síria desde que o Partido Baath, socialista e nacionalista tomou o poder em 1963 e empreendeu uma série de profundas reformas sociais e económicas, constituindo-se em República Popular da Síria em 1964.

Os confrontos com Israel e a posição de apoio activo à causa palestina, reforçam o caracter anti-imperialista da política dos Assad (pai e filho, na foto, á direita). O caracter "socialista" do Partido Baath e sua relação de amizade com a Rússia, nomeadamente o tratado de cooperação com a União Soviética em 1980, revelam sem reservas o seu enquadramento ideológico e geoestratégico. E com isto, a que se juntam relações mais amplas e complexas no plano internacional e no âmbito interno, o papel dos EUA e aliados joga os seus interesses muito acima da defesa dos Direitos Humanos - aproveitando o pretexto da oposição política interna.

De notar que o actual presidente Bashar al-Assad sucedeu em 2000 ao seu próprio pai, através de um referendo e num regime de partido único! Em Maio de 2007 seria reconfirmado nas mesmas condições.

Em 2011, no contexto das lutas populares que decorreram nos países Árabes, a pressão da oposição no seu próprio país levou Bashar al-Assad a prometer mudanças democráticas que não levou à prática e gerou-se assim uma série de protestos que reclamavam o derrube do Presidente. A resposta foi violenta e prossegue.

Há no processo sírio, enfim, todos os tiques políticos do “socialismo real”, como se vê, desde a designação dos dirigentes até à política de alianças internacionais. Que a Rússia continue a ser o principal aliado da Síria, na Europa, apesar da ruptura ideológica que sofreu com a extinção da União Soviética, é bem significativo da importância que desempenham as estratégias nacionais, sobrepondo-se às ideologias. De resto, toda a evolução da Rússia neste quadro confirma a regra.

Nada que legitime o pendor imperial dos Estados Unidos da América e dos seus porta-vozes, neste âmbito, entenda-se. Mas que deveria levar muito radicalista ideológico a ponderar, digo a moderar, digo a racionalizar alguma exaltação clubista.

13.7.12

História de um chapéu
quando perde a cabeça

Esta é a história de um chapéu que perdeu a cabeça. Não falo em sentido figurado, de perder o juízo; falo em perder a cabeça propriamente dita.

Trata-se de um chapéu que, pela estima que lhe tinha o dono ou pela forma como a cabeça se lhe ajustava, se afeiçoou àquele que o usava como eu só conheço na afeição dos apaixonados e dos cães.

Nisto do afecto escapou a obra ao criador, como tantas vezes acontece, porque quem faz chapéus não quer deles senão que tenham quem os compre e quem os pague, sendo-lhe estranho o valor afectivo.


Foi o que me fez pensar que há na mercadoria e no que se lhe compare, vida própria, e assim como um chapéu, uma cerejeira ou uma casa, podem ser muito mais do que coisas negociáveis ou “reestruturáveis”, dependendo da função que tiveram na vida dos seus usuários, assim uma praça, uma escola, um hospital, não podem ser entregues apenas ao arbítrio da Economia, mas também ao domínio da História e da Cultura, raízes, tronco e flores da nossa identidade, da nossa realidade e da nossa felicidade.

Este pode parecer um discurso conservador. Em algum sentido, talvez seja. Mas para que serve ao Homem um "progresso" que destrói o próprio Homem, convertendo-o em máquina, avaliando-o em bolsa? Sacrificar o domínio financeiro ao domínio humano, no contexto do caos a que nos trouxe o liberalismo económico, isso sim é indispensável ao progresso. Quem não entender isto nunca entenderá as convulsões sociais que se desenrolam fora das sedes do poder político-económico.

O chapéu é de palha – não vale nada na Bolsa. Mas não sossegará enquanto não voltar à cabeça que lhe deu uma alma. E quando se perde a cabeça, tudo pode acontecer.

A imagem reproduz o autoretrato de Van Gogh, «O Chapéu de Palha».

12.7.12

Que IVA Espanha

Da esquerda (???) para a direita:
Victor Gaspar, Ministro das Finanças, e Passos Coelho, Primeiro-Ministro de Portugal.

8.7.12

Porque hoje é domingo (17)

Os esforços intelectuais ou espirituais da Igreja Católica para trazer a paz à Terra e a bondade aos homens, não foram bem-sucedidas nestes 2000 anos. Confesso que eu já devia ter percebido quão inúteis são, portanto, as homilias. Mas vá lá um homem comum aprender o que não aprenderam gerações incontáveis de cristãos, desde os mais humildes aos mais coroados? Por isso e porque hoje é domingo outra vez, volto à pregação.

Sigo, como é costume, o ritual da Igreja que neste 14º domingo do Tempo Comum recorre ao testemunho de São Marcos (Mc 6,1-6), referindo entre outras coisas que Jesus Cristo teria dito a Paulo: «é na fraqueza que a força se manifesta”.

Esta sentença pode ter duas leituras: ou quer dizer que é sobre os pobres que se manifesta a violência do Poder, ou quer dizer que os pobres hão-de revelar-se fortes, isto é, hão-de vsair vitoriosos. Ou é uma acusação contra a prepotência ou é uma advertência de que os mais débeis acabarão por vencer – o que invoca Marx na sua teoria sobre o papel da classe operária como motor da revolução socialista.

Não era a Marx nem mesmo a Jerónimo de Sousa, porém, mas poderia ser dirigida a Passos Coelho esta súplica extraída de um salmo que a Igreja invoca neste dia:

« Tende piedade, ó Senhor, tende piedade dos humildes, pois já é demais esse desprezo! Os pobres estão fartos do escárnio dos ricaços e do desprezo dos soberbos! »

6.7.12

Anestesia política

A indiferença dos cidadãos perante as mentiras dos governantes, a tolerância perante a incompetência e a corrupção, e a apatia perante o abuso de poder, são os efeitos perversos da repetição, da persistência no erro.

O México é um laboratório trágico mas revelador dos extremos efeitos anestesiantes da crueldade continuada.

Dezenas de corpos decapitados, com mãos e pés decepados, foram encontrados e removidos na rua de uma cidade do Norte do México. Entretanto, mais adiante, na mesma rua, andavam casais a passear de mãos dadas, crianças brincavam... Todos os dias as pessoas passam pelas bancas de jornais onde se exibem fotografias chocantes dos corpos mais recentes. Os mexicanos acostumaram-se com o número de mortos que cresce continuamente em cada cidade.

Protestos, manifestações e iniciativas artísticas homenageando as muitas vítimas, pouco contribuiram para alterar a realidade.


Quando o escândalo se vulgariza, já não escandaliza. É a “anestesia política” a fazer efeito.

3.7.12

México instável

As eleições no México, a 1 de Julho de 2012, destinaram-se a designar novos deputados e senadores mas também um novo presidente e, com ele, um novo governo. É o fim do mandato de Felipe Calderón que cessará funções em Dezembro.

Dos seis anos de mandato, diz-se que Calderón deixa uma estabilidade macroeconómica razoável, embora um dos crescimentos mais baixos da América Latina. Mas também deixa mais 3,5 milhões de pobres que já se contam, assim, em 52 milhões - quase metade da população. E muitos corpos decapitados e esquartejados, encontrados em valas clandestinas - provavelmente relacionados com carteis de tráfico de drogas .

Em 2006, Calderón concorreu pelo PAN, Partido de Acção Nacional, que desta vez ficou em terceiro lugar com a candidata Josefina Vazquez Mota. Mas nem por isso a direita mexicana tem razões de queixa, visto que o vencedor declarado é Peña Nieto, do PRI, Partido Revolucionário Institucional, com 38,14% dos votos. E o PRI, segundo dizem os seus críticos, «é apenas um testa-de-ferro para o regresso aos tempos do autoritarismo que vigorou durante mais de 70 anos» (1929-2000).

A alternativa de esquerda para estas eleições, tal como aconteceu nas anteriores de 2006, era uma coligação em que predomina o Partido da Revolução Democrática, PRD, que tinha como candidato presidencial Andrés Manuel López Obrador. Ele chegou a estar filiado no PRI, mas saíu em 1989 para criar e presidir ao PRD.

O Partido da Revolução Democrática surgiu da fusão de vários partidos pequenos de esquerda, tais como Partido Comunista Mexicano (PCM), Partido Socialista Unificado de México (PSUM), Partido Mexicano Socialista (PMS) e Partido Mexicano dos Trabalhadores (PMT).

Agora, como nas eleições de 2006 em que o PRD perdeu por uma diferença ainda mais escassa, muitos apoiantes de Obrador protestaram contra fraudes e irregularidades no decorrer do processo eleitoral, e recusaram-se a aceitar os resultados. Ainda antes do dia das eleições, o candidato do PRI que viria a vencer, era acusado de comprar votos e de comprar o apoio dos meios de informação. E depois de proclamados os resultados, o próprio candidato de esquerda, López Obrador, afirmou publicamente que iria impugnar os resultados.

Enfim, em matéria de fraude, corrupção e tráfico de droga, o México vai dar uma trabalheira ao novo presidente. Mas sempre haverá quem diga que «as dificuldades devem encarar-se como oportunidades»! E o senhor Peña Nieto tem pinta de quem sabe aproveitá-las... Se lhe deixarem.