4.11.12

Os caminhos do socialismo

Em tempo de preparação do XIX Congresso do PCP mas também em tempo da VIII Convenção Nacional do BE e, já agora, do congresso do PCC - da China, não de Cuba - é oportuno reflectir sobre o que trouxe a experiência soviética à reflexão das organizações leninistas mais ou menos assumidas, nacionais ou internacionais.

Em 1985, Mikhail Gorbachev ascende a Secretário Geral do PC da União Soviética e proclama dois conceitos radicalmente novos na política da URSS: a “Glasnost” (transparência) e a Perestroika (reestruturação). Além disto, liberta da soberania russa as repúblicas integrantes da União. Porque é que o secretário-geral do Partido Comunista da URSS envereda por este caminho de que acabaria por perder o controlo?

A crise económica mundial dos anos oitenta apresenta-se na União Soviética de forma particularmente grave. Enquanto as economias capitalistas desenvolvidas registam os primeiros sinais de enfraquecimento do seu ritmo de crescimento industrial, na transição dos anos 60 para os anos 70, as economias periféricas registam, nesse momento, uma aceleração só travada depois do primeiro choque petrolífero, e as economias do leste conhecem uma desaceleração igualmente tardia mas mais profunda (passando o seu ritmo anual tendencial de 8,9%, em 1960-74, para 6,6%, em 1975-77, e para 4,7%, em 1978-81).
(Fonte: CEPII – citado por Augusto Mateus ).

Na União Soviética, à crise de energia e de produção na siderurgia e no petróleo, junta-se a falta de actualização e de manutenção em instalações de geração e linhas de transmissão, avarias associadas, grandes investimentos no sector agrícola sem correspondência no aumento de produção, depauperamento irremediável de equipamentos de produção neste sector, falta de capacidade de distribuição de grande parte das culturas básicas, estragando-se ou atrasando a sua chegada aos consumidores que eram obrigados a fazer grandes filas para aceder aos bens escassos que iam chegando, condições ecológicas desastrosas mesmo sem contar com Chernobil em todas as suas implicações.

Esta era a situação com que a direcção de Gorbachev se confrontava. Já não era possível continuar a fingir que o sistema tinha soluções e que o Partido tinha uma direcção visionária. Confrontada com a necessidade de fazer face a uma crise insustentável, a União Soviética tinha que procurar uma resposta séria e, para isso, era preciso partilhar com a sociedade os problemas e os caminhos a percorrer. Mas a necessária mobilização colectiva tinha que resolver uma questão prévia: a liberdade de informação e de crítica, a democratização política. É assim e por isso que o critério da transparência emana no projecto de reestruturação política.

Neste diálogo aberto com a sociedade civil, o mentor da nova política assumia que o socialismo apresentava erros na aplicação prática que teriam que ser corrigidos para preservar e melhorar o próprio sistema. Entretanto, para fazer face a questões concretas, Gorbachev assinala os gastos com a política internacional de defesa, nomeadamente a intervenção no Afeganistão e o apoio ou controlo das repúblicas socialistas da região. Isto mostra bem como era o problema económico a questão central desta reestruturação, não tanto as questões ideológicas ou sociais.

Porém, se a “Glasnost” surge como um elemento instrumental da reforma económica, ela gera consequências incontornáveis no sentido da democratização política e da libertação de correntes ideológicas alternativas. Estava aberto o caminho para questionar o sistema e o regime – que Gorbachev defendesse o Socialismo ou não, isso deixava de ser determinante num contexto em que a sua opinião estava sujeita ao escrutínio público ou ao confronto com outras correntes de opinião e de poderes facticos.


A manobra de Gorbachev para reencaminhar a URSS na direcção do socialismo autêntico pela via democratizadora, digamos assim,descontrolou-se porque expôs perigosamente o sistema aos ventos fortes que sopravam contra ele - esta é a única conclusão que muitos partidos comunistas, no poder ou na oposição dos seus países, extrairam com mais ou menos convicção. Uma lição simplista, incompleta, parcial, amputada, mais medo do que coragem, mais oportunismo do que coerência, que esconde a necessidade incontornável de reestruturação dos seus programas.

Se a política de Gorbachev acabou por trazer a recuperação económica às repúblicas, é outro capítulo desta história. A sê-lo, porém, poderia dizer-se que Gorbachev, depois de vencido politicamente, foi bem-sucedido no objectivo económico que prosseguiu. Este é o seu paradoxo. No mínimo, é o que os cristãos designam “escrever direito por linhas tortas”. Sobretudo se dermos de barato que não foi o “verdadeiro socialismo” o que saiu derrotado.

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