Enquanto eu varria um dilúvio doméstico e combatia algumas consequências graves que ainda não estão completamente sanadas nem sequer avaliadas, António Barreto aproveitava a tribuna do “10 de Junho” para varrer a Pátria com um discurso provocador, tanto quanto posso avaliar agora pelas “ondas de choque” que agitam a difusão social, blogues incluídos.
O Arrastão, fazendo jus ao nome, conseguiu com o assunto quase tantos comentários como "Generación Y" sobre o dia a dia cubano.
O senhor Daniel Oliveira intitula o artigo como “Os ex-combatentes”, mas o que provocou foi uma mobilização inaudita de novos e entusiásticos combatentes, completamente contrastante com a indignação dos "ex" que, como eu, foram arrastados para aquele exílio dourado – dourado pelo sol, entenda-se.
Nem eu seria digno da Pátria em que nasci se não trouxesse à liça uma história porventura engraçada daqueles dias – daqueles anos! – de terrorismo salazarista.
Tinha chegado nessa noite do Cuango, quilómetros de picada intransitável que seria moroso descrever, e gozava a relativa tranquilidade de Quimbele, sede da Companhia a que viera buscar mantimentos. Alguns camaradas de farda já estariam a dormir, talvez, e outros a discutir com as botas a posição exacta em que deviam ficar enquanto o dono dormisse – não por disciplina mas por superstição.
Então o furriel não se lembra de mim? O furriel deu instrução ao meu pelotão em Abrantes (julgo que foi ali). Eu que passara por vários quartéis antes de ir para África e fizera tanta coisa que não queria fazer, tinha a vantagem de esquecer o que fizera e nesse processo se apagavam as próprias pessoas que comigo se cruzavam por mero imperativo militar. Daí, não me lembrava.
Num generoso esforço para me recordar o que Deus me ajudava a esquecer, o soldado acrescentou: «Não se lembra que até nos falava de levarmos uns livros para a instrução, assim umas coisas de moral…». Como é próprio dos livros, fez-se luz no meu espírito!
Nos tempos mortos da instrução teórica eu aproveitei para sugerir que nos quotizássemos para comprar livros – coisa que no espírito simples daquele soldado arrancado à terra, era coisa de moral porque só o padre, lá na aldeia, fazia uso de tais instrumentos.
Que eu lhes tivesse falado de “A Mãe” de Gorki, como foi o caso na minha ingénua imprudência, ou de “A Virgem Mãe” (se tal livro existe) não fazia qualquer diferença para o grau de informação a que tinha acesso. Pobre de mim que falava de livros e não tinha a sabedoria de me fazer entender. Pobre António Barreto em quem ninguém mais acredita mesmo que fale do que todos entendem.
P.S.:
E para que não fiquem dúvidas de como sou esquecido, quando fui à procura de uma fotografia para este artigo descobri AQUI , que já tinha contado esta história! Valha-me A Mãe de Máximo Gorki. Nem os excessos de vinho me puseram neste estado a que cheguei por excesso de água.
Sem comentários:
Enviar um comentário