29.1.10

A guiar o PSD

Como não sei se estarei cá quando Aguiar Branco fôr eleito presidente do PSD, deixo já aqui os meus parabéns pelo seu sucesso pessoal, e o desejo de que ele contribua para o afastamento dos jovens populistas, dos velhos manhosos e dos médios oportunistas... para o pelotão da rectaguarda.

O Zé, o José Pedro, o Aguiar-Branco, tem a pose de um aristocrata, o sorriso discreto de um optimista inteligente, o discurso correcto de um político seguro, a imagem de um candidato confiável. Ninguém se parece mais do que ele com o fundador Francisco Sá Carneiro, e já nem falo de serem ambos portuenses. Distinguem-se pela ausência completa de sorrisos do fundador carismático, é certo – neste detalhe, o José Pedro mais se assemelha a outro Francisco - Pinto Balsemão.

Pessoas como eu, desconfiadas de poses tão nobres, não iriam por aí. Mas é preciso ter em conta que é deste imaginário que se alimenta o ego dos social-democratas. Além disso, o seu currículo partidário e o seu estatuto social oferecem confiança e admiração aos correligionários, entre burgueses esclarecidos e operários sem consciência de classe – para dar os nomes aos bois, como soi dizer-se.

Pessoalmente, o gozo que me dá esta escolha, é ver a cara de nabo de Pedro Miguel (Santana Lopes), a cara de pau do Pedro Passos (Coelho), o sorriso manhoso de Rui Fernando (Rio), o sorriso amarelo de Álvaro Machado (Pacheco Pereira) e a frustração subliminar de Marcelo Nuno (Rebelo de Sousa).


As diversas empresas e associações patronais onde Aguiar Branco tem lugares de direcção não ficarão indiferentes a esta nomeação. Mas, tirando essas, a quem é que importa o nome do timoneiro, se o rumo é o mesmo?

28.1.10

Aviso

Com uma expectativa de recuperação económica em que ninguém acredita, e uma perspectiva de desemprego cada vez mais dramática, o que se tem por certo é a deterioração das condições e remunerações do trabalho e do apoio social no desemprego, na reforma e na doença. Políticas de sacrifício são apresentadas como inevitáveis e são aplicadas, desde logo, a quem depende do rendimento do trabalho.


Os grupos profissionais reagem com protestos e greves. Os governos apercebem-se de que não estiveram a lidar com expressões matemáticas quando decidiram nos seus gabinetes os sábios orçamentos; era com vidas humanas, famílias, crianças, que estavam a lidar.


Até certo ponto já sabiam disso, claro, e até certo ponto tiveram a preocupação de acautelar os efeitos humanos, sociais e políticos. Até certo ponto acreditaram que o Governo fez o que podia fazer no fio desta navalha político-económica – “A nossa primeira prioridade é o emprego”, proclamam ao mesmo tempo que decretam com entusiasmo a redução para metade dos funcionários públicos...

A partir do ponto a que chegaram, os governantes estariam a romper com o sistema, com o liberalismo social-democrata, o que se lhes afigura uma fantasia aberrante. Até certo ponto é de facto uma fantasia – na medida em que não é o tempo. Mas quem sabe quando é? Quantas falências mais? Quantos mais desempregados? Quantos pobres mais? Quantos ordenados congelados, quantas carências de serviços públicos, quantas manifestações, greves, revoltas, crimes de origem social, são necessários para que a sociedade entre em ruptura?

É que numa coisa não se enganou Karl Marx: «as mudanças quantitativas operam mudanças qualitativas». E raramente elas são calculáveis no tempo. Afinal quem sabe o momento em que a água passa dos 99 aos 100 graus, isto é, de água a vapor? Quem sabe o momento em que se evaporam as convicções de agora? O que se sabe é que num processo de aquecimento imparável, a água vai ferver. E quem diz a água diz a sociedade.

(Fotograma de Tempos Modernos, de Charlie Chaplin)

23.1.10

Haiti como metáfora

Em situações extremas como aquela que vemos no Haiti por estes dias, a condição humana parece revelar-se de forma inequívoca. A solidariedade de todo o mundo, seja no domínio dos estados, das organizações internacionais ou da iniciativa individual, parece deitar por terra, qual terramoto ideológico, a ideia de que “o homem é o lobo do homem” (1). Temos vontade de ajudar – esse é que é o sentimento geral.
Em Cuba,
que volta a viver um período dramático de penúria acentuada, a população ainda assim se mobiliza para enviar alguns dos seus parcos bens – peças de roupa e pouco mais terão para dar – com destino ao povo vizinho. Não se trata aqui da solidariedade socialista que o marxismo proclama; é a solidariedade humana – a “natureza humana”, ao que parece.

Parece. Mas é?

Karl Marx defendia que o comunismo criaria um “homem novo”, solidário, fraterno, abolindo o homem egoista e agressivo que a concorrência alimenta nas sociedades capitalistas. Estas vivem e alimentam-se da “exploração do homem pelo homem”.

A possibilidade de chegar ao “homem novo” não seria uma questão de boa-vontade, de criar convicções morais, mas sim de criar condições materiais de desenvolvimento e satisfação das necessidades de todos – a democracia económica. Extinto o antagonismo de classes e desenvolvida que fosse a economia de modo a satisfazer todas as necessidades humanas, seriam abolidas as desigualdades sociais e os sentimentos de conflitualidade que é gerada pela escassez de satisfação dos cidadãos.

O conceito parecia tão lógico e tão justo quanto necessário. E daí que muitos milhões acreditássemos e defendêssemos a sua realização. Tão necessário, tão desejado, que nem discutiamos se o homem é mesmo tão naturalmente fraterno quanto a tese supunha. Esse conceito serve ainda hoje de suporte moral, de legitimação interna para os regimes que se reclamam de orientação socialista.

Mas será que o Homem é o anjo do Homem?
Claro que as pilhagens e as agressões violentas estão a par das acções de solidariedade no Haiti, mas isso pode ser levado à conta do tal malefício das diferenças entre os possidentes e os famintos, e da escassez de bens para satisfazer as necessidades humanas – o que se enquadra ainda na tese marxista. O que pode ser duvidoso é que os haitianos, quando fôr reposta a normalidade relativa das suas vidas, sejam mais solidários e generosos do que eram antes, isto é, que os ladrões e os oportunistas não continuem a sê-lo.

Saindo do Haiti aqui citado apenas como metáfora da condição humana, o que aprendemos com a História é que as necessidades dos homens são infinitas, logo insaciáveis – não há sociedade de abundância que satisfaça o nosso apetite. E as sociedades socialistas que conhecemos não foram nem são sociedades de abundância...

Restam-nos duas perguntas:
será que ainda é possível mudar drasticamente a sociedade de modo a chegar à democracia económica?;
e será que ela pode ser atingida sem sacrifício das liberdades legítimas das populações?


A necessidade dita que devemos tentar. O egoismo dos privilegiados dita o contrário. Manifestamente o conflito existe. E os agentes da mudança, aqui como na América, por alguma razão ou por várias não se fazem acreditar quanto baste – vivemos na corda-bamba dos cinquenta por cento...

Helen Keller(2), 60 anos depois de Marx, terá sentenciado que “A segurança é uma grande superstição. Não existe na natureza”. Que isso não desanime os haitianos e a Humanidade em geral, que não era essa a intenção da grande filantropa.

(1) Tomás Hobbes nasceu em Westport, em 1588. Ele pretende justificar o poder absoluto do soberano com o argumento de uma origem natural decorrente da maldade da natureza humana.
(2) Helen Keller nasceu em Junho de 1880 no Alabama.

17.1.10

Mistérios da fé

Representação de O Inferno

DAS NOTÍCIAS:
«Na ruas de Porto Principe, ao lado de ruínas e cadáveres, os haitianos rezaram e louvaram a Deus».

E eu pergunto, com o maior respeito pelo desespero dos que rezam mas sem a pressão insuportável do seu sofrimento: louvaram a Deus, porquê?

16.1.10

A imagem mente sempre

se não fôr manipulada

Quando o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, há poucos dias, acusou o líder da oposição conservadora, de usar uma fotografia retocada, num cartaz eleitoral, levantou um falso problema a que o seu rival respondeu da pior maneira ao dizer que “o que está à vista é aquilo com que podem contar”.

Mulher ao Espelho, de Pablo Picasso

Antes de mais, é preciso ter em conta que toda a imagem registada em fotografia ou desenho, em pintura ou qualquer outra forma, não apresenta o objecto; representa-o, como já abordei atrás. E na representação visual dum objecto interferem sempre factores alheios ao próprio. Não é possível obter em suporte electrónico (p.e., neste computador) a mesma imagem que se obtém em suporte papel.

O suporte electrónico – vídeo ou televisão incluídos – emite pixels que são pontos luminosos dispostos em sequência e que se substituem continuamente a grande velocidade;

enquanto que o suporte papel reflecte pigmentos de tinta sobrepostos e misturados que estão fixados no papel por absorção.

As características do papel e da tinta, para já não falar da qualidade da luz que se reflecte no suporte (fotografia, p.e.) e chega aos nossos olhos, definem muito do que é a imagem que vemos. E que não se compara às características do ecrã de televisão ou de computador onde não há tinta nem imagem contínua – na verdade nós não vemos o que lá está mas sim o que o nosso cérebro interpreta, claro. Assim como no cinema não percepcionamos a descontinuidade das fotografias (fotogramas) e o movimento da película, no vídeo não percepcionamos a descontinuidade de pontos e a sua contínua substituição.

Ao contrário do que diz David Cameron, portanto, o que está à vista não é “aquilo com que podem contar” – é uma representação visual condicionada pelos meios de suporte. E também não tem razão Gordon Brown por supôr que as suas fotografias exprimem fielmente a imagem com que pode contar o público que o encontrar na rua, isto é, a imagem com que se apresenta.

Outra questão é que a cara de Brown sempre se parecerá mais com a senhora Ashton do que Toni Blair, em qualquer suporte, mas isso tem a ver com outra questão.

Gordon Brown e Catherine Ashton

Para que uma imagem electrónica de Brown se pareça com o próprio, por exemplo, é preciso que a tecnologia interprete numa grelha de pontos as suas características visuais, as converta em características electrónicas, e instrua o equipamento para fazer corresponder determinados sinais electricos a determinados sinais visuais. Isto é, a imagem que recebemos é o produto de um processo técnico que tenta aproximar a imagem que vemos, da imagem original. Que tenta!

Como os meios técnicos nunca são rigorosamente fiéis ao objecto inicial, o que há a fazer é exactamente retocar a imagem final. Ou pensará o senhor Brown que o efeito “olhos vermelhos” que muitas vezes vemos nas fotografias, não deve ser corrigido, por amor à autenticidade? É que, ao contrário do que pensavam alguns “vermelhos” bem intencionados, quando iam à Televisão em 1974/75, o trabalho de maquilhagem não se destina a alindar a pessoa, destina-se a corrigir os efeitos de distorção que as câmaras produzem e de que os brilhos são os mais notórios.

Mas é claro que no caso da maquilhagem em televisão ou do photoshop nos cartazes, sempre se pode dar um jeitinho...

15.1.10

Baixo relêvo

Para quem não tenha entendido o meu post de ontem, aqui fica a explicação extraída do site oficial da Presidência da República, ... de hoje, 15JAN2010.

«O Presidente da República irá condecorar na próxima terça-feira, dia 19 de Janeiro, pelas 15:30 horas, em cerimónia a realizar no Palácio de Belém, as seguintes personalidades, que exerceram funções públicas de alto relevo:
Dr. Pedro Miguel de Santana Lopes, antigo Primeiro-Ministro, com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo; (...)

Parabéns, José Sócrates!
Com adversários destes até eu faria boa figura.

14.1.10

Os representantes representam

e os actores também

Servem os nossos votos para designar as pessoas que nos hão-de representar no parlamento, na presidência da república e nas autarquias. Quando eles pensam, quando eles falam, quando eles decidem, é por nós que pensam, é por nós que falam, é por nós que decidem.

Neste aspecto da representação se distinguem os políticos, dos actores, mas as semelhanças formais são mais que as diferenças.

Rui de Carvalho representa o Rei Lear? O Rui, o seu corpo e a sua voz estão ali apresentados; o Rei Lear, as suas roupas, palavras e gestos, estão ali representados.O que representa está “no lugar de” por incapacidade física ou intelectual deste. O meu advogado, sindicato, partido, deputado, governo ou presidente, ocupam o meu lugar – o meu! Mas isto é o conceito em que se baseia a legitimidade dos representantes. Investidos, porém, de competência delegada, tomam geralmente essa representação autorizada, por autoridade soberana - já só se representam a si próprios.

No Teatro, tal abuso faria com que o actor que interpreta o papel de Bruto na peça Júlio César, por exemplo, se sentisse autorizado a matar o actor que interpreta o papel do rei, sem que este tivesse sequer tempo para pronunciar a sua deixa: “Também tu, Bruto, meu filho”.
Na verdade, a personagem não é o actor, o auto-retrato não é o pintor e o Presidente da República não é o Povo – por melhor que representem !

12.1.10

Verdade não interessa

A verdade é o que menos interessa para uma boa história. E, ao contrário do que muita gente pensa, a sua vida não daria um filme.

Numa aula de guionismo, o professor sugere a um colega meu que altere o seu guião: duas cenas depois daquela em que a noiva apresenta o noivo aos pais e a mãe se oferece para os ajudar a comprar uma casa, o meu colega deveria retirar a cena em que estavam já os quatro a ver a casa nova e, em vez disso, deveria inserir uma cena em que os pais, sozinhos, discutiam violentamente por causa daquela oferta com que o pai não concordava.

Que não, que não podia ser... – replicava com toda a segurança o meu colega. Intrigado, o professor perguntou-lhe porquê e ele, com uma convicção inabalável, exibiu um argumento incontornável: que aquela era uma história verdadeira e que as coisas se passaram assim mesmo na realidade.

Espantado, o professor replicou: história verdadeira??? Mas isso que interessa?! O espectador não quer saber se a história é verdadeira; isso só lhe interessa a si porque os conhece. O que o espectador quer saber é se a história mexe com ele, com os seus sentimentos, as suas emoções; se é uma boa história!!!

É claro que o professor tinha razão. Se pensarmos nos livros, nos filmes ou telenovelas que nos tenham deixado as melhores impressões, depressa perceberemos que não foi por serem verdadeiras. E uma corrente, melhor, um género cinematográfico a que se chamou Cinema Verdade, mereceu este comentário de Fellini: «Cinema-verdade? Prefiro o cinema-mentira. A mentira é sempre mais interessante do que a verdade»*.

Não é por outra razão, talvez, que «quem conta um conto, acrescenta um ponto»; é para tornar uma história verdadeira numa história interessante.

A forma como este fenómeno contamina os textos, as imagens e os alinhamentos noticiosos dos orgãos de informação, mostra bem que a apetência pela triste verdade em que se empenha Manuela Ferreira Leite, corre grandes riscos políticos, em confronto com as alegres fantasias de José Sócrates.

*Há quem atribua aquele comentário... a um dos próprios mentores do «cinéma verité», Jean Rouch

11.1.10

Conflito é fundamental

O conflito é fundamental na ficção literária e cinematográfica. Sem conflito a história aborrece.
A bem dizer, não há história.

Pedro e Mariana estão apaixonados? Isso só nos interessa se alguém se interpuser nessa paixão ou se alguma circunstância os afastar contra a sua vontade, obrigando-os a lutar pelo reencontro. “Romeu e Julieta” não seria uma grande história se não se tratasse de um amor proibido.

Receio, por esta ordem de ideias, que os casamentos homossexuais – cá está outra vez a mesma conversa! – venham trazer aborrecimento às vidas dos respectivos parceiros...

José e Maria têm um filho? E daí? Mas se constar que Maria nunca “conheceu” José – no sentido bíblico... – e que este, embora destinado à santidade, não acredita em virgens-mães, temos um casal em conflito, isto é, vamos querer saber qual deles tem razão e qual deles vencerá a contenda, sendo que nós próprios já tomamos partido. Em segredo, talvez. A vitória de um deles será a nossa vitória; a sua derrota será a nossa derrota – mesmo que o conflito deles seja amoroso e o nosso seja ideológico.

Como no futebol ou na política, o assunto interessa-nos porque há nele um conflito e nós nos sentimos parte dele. Por isso menosprezamos um debate entre Manuela Ferreira Leite e Paulo Portas, mas já valorizamos um debate entre qualquer deles e Francisco Louçã. Por isso menosprezamos um jogo “a feijões” mas "vamos" ao rubro num jogo a contar para um campeonato – é o grau do conflito devido às consequências para os intervenientes e não os próprios intervenientes, o que prende a nossa atenção.

Traição, ciúme, insulto, agressão, denúncia, roubo, crime... é o que dá força dramática a uma história. E uma história precisa disso para vencer a preguiça e a distracção do leitor ou do espectador. No caso da Televisão, então, este fenómeno é especialmente... dramático. Solicitados pelo filho ou pelo gato, pelo outro canal ou pelo telefone, só nos mantemos atentos por mais do que escassos minutos se estivermos hipnotizados por uma história muito bem contada.

Por falar nisto: não acha que já está há tempo demais a ler este artigo? A menos que queira saber como é que os autores controlam a atenção do leitor ou espectador. Através da “curva dramática”! Isto é, fazendo surgir ao longo da história e a tempos psicologicamente calculados, emoções, “picos dramáticos”, acontecimentos estimulantes como os que descrevi no parágrafo anterior.

Neste particular, as possibilidades do audio-visual são excepcionais: os pés de um homem que segue uma mulher em fuga ou o som de um comboio que se aproxima enquanto duas crianças se aproximam da linha, não deixam ninguém indiferente...

É tempo de parar? Está bem. Amanhã há mais!

Como prender os espectadores

Na produção de ficção para televisão, uma estratégia para prender a atenção do espectador, além da “reversão de expectativa” a que me referi no artigo anterior, é a inserção dos “sub-plots”, isto é, de histórias secundárias que nascem da história principal e se desenvolvem a par dela.

Imagine-se - por uma questão de actualidade - a história de um casal homossexual feminino cuja relação está ameaçada com a reaproximação do ex-marido de uma dessas mulheres. Embora esta história tenha à partida condimentos suficientes para sustentar o interesse do espectador, a necessidade de prolongar “indefinidamente” a narrativa – no caso de uma telenovela – pode levar o espectador ao cansaço e ao desinteresse. Mas se uma vizinha do casal homossexual se puser a conversar com outra vizinha sobre a sua própria vida passada e presente, a propósito daquela relação, esta história paralela e autónoma suscita um interesse no público, que compensa o eventual desinteresse pelas personagens principais.

Mas já tem acontecido que o “sub-plot” ganha mais força dramática, mais interesse para o espectador, do que a história principal, devido ao desempenho excepcional dos actores secundários, nomeadamente.

Mal comparado, talvez, é como aquelas “cumbres” ibero-americanas em que a presença de Fidel Castro, por si só, dominava as atenções dos orgãos de informação, independentemente de qual fosse a agenda da cimeira, de quem fossem os seus promotores e de qual fosse a importância de Castro nessa agenda. Mais: independentemente de ele estar ou não presente na própria cimeira!

Se a questão é quase incontornável no caso da abordagem jornalística das cimeiras presidenciais, já no caso da ficção, o “desgraçado” do guionista, provavelmente “sequestrado” num hotel a receber ordens da Produção, vai ter que diluir à força a presença das tais personagens secundárias ou então receberá ordens para fazê-las evoluir ainda mais na história de modo a ganharem protagonismo idêntico ou superior às personagens principais, a fim de se rentabilizar o seu sucesso imprevisto. Por exemplo: a mulher lésbica parte com o ex-marido e as duas vizinhas iniciam uma disputa pela mulher abandonada. (Aceitam-se melhores sugestões!).

Nota post-scriptum:O protagonismo que a Igreja Católica atribui à Virgem Maria não seria pior exemplo, talvez, de uma personagem secundária que ofusca a personagem principal - o próprio Deus.

O desenho inicial foi copiado de umaliberdadevirtual.blogspot

7.1.10

"Reversão de expectativa"

Uma das técnicas que se usam na estrutura de guiões dramáticos, consiste em confrontar o espectador com um acontecimento inesperado, surpreendente por contradizer a lógica aparente da narrativa anterior. É aquilo a que os autores brasileiros de telenovelas chamam a “reversão de expectativa”. Mas o que é verdadeiramente surpreendente é que esse artifício aconteça com tanta frequência na vida real.

Vejamos um exemplo recente. Durante uma cerimónia religiosa em que o Papa Bento XVI desfilava em cortejo por uma rua, uma mulher irrompeu da assistência, saltou um gradeamento improvisado de segurança e foi “atacar” o Papa, deitando-o ao chão.

A ideia de atentado ocorreu inevitavelmente ao pensamento do público em geral e da Imprensa em particular, quer pela natureza do acto quer pela história de atentados anteriores contra figuras públicas e contra papas, em particular. Poderia falar-se mesmo de acto terrorista?

Os fantasmas cresciam quando – reversão de expectativa ! - uma nova notícia dava conta de que a mulher, que era doente mental, não teve intenção de fazer mal; apenas queria cumprimentar "Sua Santidade"!

De uma pessoa assim pode ter-se pena mas a verdade é que a maioria dos atentados contra figuras públicas, pelo menos na história dos últimos cem anos, terão sido cometidos por tresloucados e geralmente tiveram efeitos trágicos. Demente ou não, com boas ou com más intenções, o que era indesmentível era que a mulher atirara o Papa por terra. Disseram as notícias e mostraram os telejornais.

Mas não! – reversão de expectativa outra vez! O que terá acontecido é que os próprios seguranças do Papa, na precipitação de afastar a mulher, terão causado a queda de "Sua Eminência".

Mas os exemplos somam-se... E não serei eu que vou divulgar o escândalo que a "comunicação" social tem escondido acerca dos falsos efeitos da gripe H1N1 ... Mudemos de assunto, portanto.

A CIA contratou Humam Khalil Abu-Mulal al-Balawi, um afegão, para fazer espionagem a favor dos EUA. Com base nas informações deste espião, a CIA matou um número indefinido de “líderes da Al-Qaeda”.

Heis senão quando – reversão de expectativa - , o mesmo espião revela-se como agente duplo e mata sete funcionários da própria CIA!

Bem poderão, portanto, os analistas políticos e económicos (e eu) fazer as previsões que entenderem, que a realidade, muito provavelmente, será dramaticamente mais interessante.

Afinal, são as incertezas, os sobressaltos, que nos mantêm atentos e despertos - na estrada, na vida e na ficção.

Imagem copiada de helenaguimaraes.interdinamica.pt
Foto inicial de Gameover "Agente Duplo", em Sapo.images

6.1.10

Se os deuses fazem os rios...

os homens fazem as pontes

Num país cuja história ainda temos dificuldade em conhecer, tanta foi a desinformação e tantos os preconceitos, nascem "coisas" como estas.



Ou como estas!

4.1.10

A Família existe

Des-instituído o casamento, por força do meu post anterior – nem menos! – ficou a Humanidade suspensa da minha decisão sobre o destino a dar à família. É a isso que venho desta vez. Não o fiz ontem por ser o Dia do Senhor (Dominus dei) .

Pormenor da pintura de El Greco - "A Sagrada Família"
Ao contrário do casamento, a família não depende de qualquer convenção pessoal, cultural ou jurídica. Existe como a Humanidade; é uma realidade objectiva e natural. É um elemento estrutural – materialmente estrutural – da Humanidade como a água é estruturante do vinho (mais do que alguns desejariam) e o açúcar é estruturante da maçã (principalmente da maçã assada!).

Enquanto um casamento se faz e se desfaz – legal ou factualmente – já a família, uma vez criada, persistirá até à morte dos seus membros. No casamento está-se (está-se casado); na família, é-se (é-se familiar). O casamento junta; a família nasce. Nasce com uma criança.

Pais e filhos são uma realidade e uma relacionalidade objectiva e material independentemente das circunstâncias e dos vínculos afectivos e jurídicos existentes entre os membros.

Talvez não seja alheio a esta noção que o cristianismo se desinteresse tanto pelo casamento de José e Maria ao mesmo tempo que sacraliza a Sagrada Família. Diga-se de passagem que a falta de coito entre os pais de Jesus deve ser levada à conta de metáfora bíblica, como tudo o resto segundo explicações recentes das autoridades eclesiásticas a propósito do livro Caim!

É sobre esta realidade natural – tão natural como o mel das abelhas e o veneno das serpentes – que a organização política tem que assentar ao parir as suas leis. Diferentemente do que parecem pensar alguns políticos e economistas, não é a família que deve obediência à organização política e económica, é o contrário. E qualquer tentativa de inverter este sentido estará condenada ao desastre. É a vida.

Sobre esta problemática muita tinta correu entre os pensadores antes de mim – embora sem a minha qualidade, claro!... Há até quem fale numa “Ciência da família” – no mesmo sentido em que se fala da História como ciência. Ali está o casamento como aspecto central, do monogâmico, do poligâmico, do poliândrico... Mas é nítido que em todas as formas, o que é determinante é a procriação e não o facto de duas ou mais pessoas viverem mais ou menos juntas e partilharem mais ou menos bens. Sobretudo quando se trata dos ancestrais acasalamentos entre familiares directos.

Engels* procura, com base nos estudos de Morgan sobre os iroqueses** (...) caracterizar os sistemas de parentesco e formas de matrimónio que levaram à formação da família, descrevendo as suas fases, bem como os modelos criados ao longo do processo de desenvolvimento humano. A invenção do incesto é o passo decisivo na organização da família propriamente dita, mas como, neste estágio primitivo, as relações carnais eram reguladas por uma promiscuidade tolerante ao comércio sexual entre pais e filhos e entre pessoas de diferentes gerações, não havendo ainda as interdições e barreiras impostas pela cultura, nem relações de matrimónio ou descendência organizadas de acordo com sistemas de parentesco culturalmente definidos, não é possível falar em família nesse período.
(Recortado de Luciana Marcassa, doutoranda em Educação pela UNICAMP)

“Não é possível falar...” quer dizer, para mim, que não se inscreve no nosso conceito cultural, não quer dizer que não estabeleçam de facto entidades familiares.

Um casal homossexual – já que vinhamos falando do assunto - não acrescenta nem diminui nem verte nem subverte nada do que venho dizendo. Se um elemento de tal casal é pai, a sua família é constituída por si com o filho e a mãe, independentemente de alguma vez terem vivido juntos e partilhado alguma coisa mais que o sangue. O companheiro ou companheira que vive com a pessoa homossexual não constitui família com ela.



A família inscreve-se na árvore genealógica; a partilha de vida (incluindo a vida sexual) inscreve-se na rêde social.


Num sentido extenso e deturpado diz-se que Paulo Portas pertence à mesma família de Ribeiro e Castro ou Telmo Correia – a “família política”. Mas no sentido rigoroso ele pertence à família de Miguel Portas, isso sim. E a prova de que este conceito de família é usado sem propriedade, é o facto de Zita Seabra ter deixado de pertencer à “família” de Jerónimo de Sousa – o que não pode acontecer numa família real. Eu disse família real ?!

*“A Família”, capítulo II do livro “Estágios Pré-Históricos de Cultura";
** Morgan desenvolveu estudos sobre os laços de parentesco entre as tribos indígenas localizadas no Estado de Nova York na pré-história.

2.1.10

CONTRA O CASAMENTO...

A propósito da discussão e votação dos projectos de lei sobre "igualdade no casamento", dia 8 de Janeiro. Casamento homossexual, sim ou não? Eu sou contra. Sou contra todas as formas de casamento.

Porque não é a questão homossexual que está em causa, ao contrário do que se salienta na polémica em curso. É mesmo a questão do casamento. É a questão de saber se ainda faz sentido contratualizar uma relação que é de natureza sentimental e não mais de natureza económica, agora que a mulher deixou de ser economicamente dependente do marido.

É sabido que os conceitos de casamento e de família não são eternos nem imutáveis, têm uma história que vem a ser contada desde 1861, pelo menos, em O direito Materno, de Bachofen, e que recebeu contributos não menos importantes de Morgan e de Engels, para falar apenas de notáveis “clássicos”. É sabido que o casamento teve formas culturalmente aceites que hoje seriam consideradas doentias e repugnantes... Não deveriam ir por aí os que invocam uma “natureza”, uma “essência” de tais relações. Abordarei a questão, portanto e apenas, no contexto civilizacional em que vivemos.

A relação entre o casamento e a procriação é meramente cultural e é factualmente inconsistente - haja em vista os filhos de mães solteiras e os casais sem filhos, por exemplo, que não são aberrações da natureza mas produtos de circunstâncias tão aleatórias como grande parte dos nascimentos de casais convencionais. Os seres humanos nascem do coito heterossexual e não do casamento heterossexual - são realidades autónomas.

A relação entre casamento e amor é outro sofisma bem identificado na História, como os casamentos desde criança até aos casamentos entre desconhecidos, a que se juntam os modernos casamentos de conveniência para legalização de migrantes, por exemplo. As pessoas que se casam sem amor e as pessoas que se amam e não casam, são esmagadoramente mais do que aquelas que se casam por amor. Amor e casamento são também realidades autónomas, portanto.

O casamento vincula uma relação económica conjugal e paternal, isso sim. Regula juridicamente a partilha e a herança de patrimónios. E não há casamento que o não faça. As eventuais cláusulas restritivas ou revogatórias deste vínculo inerente ao casamento só confirmam a sua natureza coerciva real.

Com a vulgarização da opção “comunhão de adquiridos” ou “separação de bens”, e com a faculdade de designar herdeiros por testamento, além da igualdade de acesso a rendimentos por parte dos dois géneros, devido à entrada generalizada a mulher no mercado de trabalho, para que serve de facto o casamento?

Desaparecidas as razões económicas que estiveram na sua origem e as funções de compromisso e dominação pessoal entre os cônjuges, estas eliminadas pelo direito ao divórcio, o casamento faz tanta falta à sociedade como a aliança faz falta ao dedo – é um ritual, e como ritual, não pertence mais à regulação específica do estado moderno. Em que é que o casamento homossexual carece mais desta regulação do que o casamento tradicional? Em nada. Logo, acabe-se com todas as formas institucionais de casamento.

Acresce a tudo isto, a meu ver, que o casamento serve para tornar mais dramática e humilhante uma eventual separação futura. É o sentido de posse e autoridade pessoal, não o sentimento de afecto, que o casamento acrescenta à relação dos parceiros.

(Entendamo-nos: não foi de família que estive a falar; foi só de casamento; não foi de uma realidade natural, foi de uma instituição jurídica).

Pode consultar: Proposta de lei do Governo ; Projecto de Lei do BE ; Proposta de Os Verdes ; Movimento pela Igualdade