31.1.18

Em matéria de Justiça

A questão dos convites oferecidos a Mário Centeno a troco de favores ao presidente do Benfica não faz sentido pelos convites mas pode fazer sentido se vultuosos favores aconteceram.

O pagamento de despesas pessoais de secretários de Estado com uso do cartão de crédito destinado a despesas de Estado, só faz sentido se essas despesas atingirem valores relevantes. Não é bem o mesmo que uma organização destinada a roubar dinheiro da Segurança Social, por exemplo.

Já a suspeita de tráfico de influência em decisões judiciais que recai alegadamente sobre Rui Rangel e outros, envolvendo movimentos financeiros que indiciam branqueamento de capitais e recebimento indevido de vantagem, não pode deixar de merecer uma investigação profunda.

Aparentemente, não há comparação entre os diferentes casos noticiados neste dia.

Passar das aparências à revelação dos factos em toda a sua extensão é o processo em curso que terá de resistir à previsível contra-ofensiva dos “desinteressados” no mesmo. Parece que “a verdade da mentira”, como escreveu Gonçalo Amaral acerca do caso Maddie, é o busílis de todas as questões em matéria de Justiça. Ou mesmo em matéria de justiça.

23.1.18

CTT estão como se vê

O PSD e o CDS privatizaram os CTT em nome da modernização e melhoria dos serviços prestados. A realidade demonstrou que se trata de um processo de destruição de uma empresa estratégica para o País, com cinco séculos de história.

Os tempos de espera e de resposta e a degradação geral mostram que os serviços estão muito piores do que acontecia ainda antes das novas tecnologias.

É assumido já o encerramento de 22 estações. O atendimento que era feito aos balcões da empresa passou em grande parte para lojas do comércio como papelarias ou mercearias. E a distribuição deixa de ser feita por carteiros e é entregue a distribuidores de publicidade. Entregar uma carta registada, enfim, passa a ser um gesto tão responsável como vender um lápis ou um quilo de cenouras.

Entretanto, a administração vai distribuindo dividendos muito para além dos lucros da empresa assim obtidos.

Exige-se que o Estado tome «medidas urgentes» para reversão da situação. O Estado pode rescindir o contrato por falta de cumprimento e nomear uma administração da sua confiança. Mas o pior está feito; como de costume, as privatizações deitam o fogo e o Estado nacionaliza as cinzas, como diz Bruno Dias, deputado do PCP.

É o mercado (livre, liberal) a funcionar...

20.1.18

É a crise dos 27 anos

Uma semana depois de fazer 28 anos ainda falava disso com entusiasmo, isto é, com vivacidade se não mesmo alarido. Não era alegria, animação; pelo contrário, era perturbação, preocupação. Tinha passado dos maravilhosos vinte e sete que é a idade ideal duma mulher enquanto tal – ainda que para o homem seja igual.

A sensação de ter chegado ao fim, não o fim da vida mas da ascensão ao céu do estrelato, ocorre frequentemente com celebridades desta idade. Para quem se habituou a voar inebriado pelo êxito e pelo aplauso, pensar que chegou ao topo, que não há mais céu, mais brilho, mais deslumbramento, ainda que seja um engano, um medo apenas, é-lhe insuportável. Dir-se-ia que à falta de mais céu para alimentar a fama, buscam o inferno. Ou então o céu decepcionou-os.

Terá sido tudo isto que precipitou para a morte precoce, aos 27 anos, Amy Winehouse, Linda Jones, Jimi Hendrix e Jim Morrison, entre tantos outros.  

Uma semana depois de fazer 28 anos, porém, aquela de quem falo não almejava o estrelato senão à escala da sua condição de artista de rua, por assim dizer, para quem a forma física é o principal critério de competência. Por isso decidiu fazer umas tantas operações plásticas que lhe custarão muitas noites mal pagas. É uma outra forma de suicídio, talvez, porém na esperança de que este lhe devolverá por muito tempo os vinte e sete anos.

Para evitar equívocos, devo acrescentar que tais coisas, nascidas de profundas depressões, podem acontecer em muitas outras idades como no caso de Emilio Salgari, Hemingway, Stefan Zweig, Rainer Fassbinder, Violeta Parra, Florbela Espanca, Camilo Castelo Branco ou Antero de Quental. E Mário de Sá Carneiro que não quis sequer chegar aos 27 – dois anos antes escreveu serenamente uma carta de despedida e partiu.


É a vida... A má vida! – dizem. 

2.1.18

Festas de caca

Os piores dias do ano são o 25 de Dezembro e o primeiro de Janeiro. Não tenho grandes dúvidas sobre isso.



Na noite de Natal,  uma genuina benfeitora, porventura uma avó generosa, trabalha mais que noutro dia qualquer para inventar um dia feliz para a toda a família – um conjunto heterogéneo de pessoas que não se encontram nem querem encontrar durante todo o resto do ano é encaminhada para um improvisado templo particular onde se celebra uma falsa comunhão. É uma espécie de bodo aos pobres-de-alma, que dura o tempo de uma ceia, e findo o qual regressa cada um à sua solidão, frustrado porque o milagre da sagrada família não passou de uma ilusão.

No dia seguinte, 25 de Dezembro, acorda-se para o vazio interior com fome de felicidade. Também as ruas estão vazias, as lojas fechadas, os cafés, os restaurantes, encerrados... A cidade parece ter sido devastada e os poucos que se atrevem a percorrê-la assemelham-se a fantasmas aturdidos. Os únicos sinais de vida são os amontoados de lixo que a véspera derramou. É a cagada do Natal.

Mas o povo não desiste e, uma semana depois, organiza uma noite de arromba, a noite de fim-de-ano. Agora a família é toda a gente e o templo é a praça pública, a maior que houver; o presépio é um palco gigantesco e profusamente iluminado, com muitos meninos e meninas contratados para provocar excitação com música e barulho e beijos alcoolizados. É a festa pela festa e bem-haja quem puder ou souber aproveitar porque esta vida são dois dias e o dia seguinte vai ser uma desgraça.

O dia seguinte, primeiro de Janeiro, é feriado para que as pessoas acordem devagar para a realidade do ano novo que começa. Novamente as ruas estão vazias, as lojas fechadas, os cafés, os restaurantes, encerrados... E a cidade fantasma oferece uma imagem de destruição aos seres que a percorram em busca de um resto de felicidade, de alegria, de vida ao menos. Mas tudo o que terão para desfrutar são garrafas vazias, copos partidos, lixos sortidos e muito abundantes. É a porcaria do ano novo.