17.12.22

Telegrama

Telegrama

Sonho que já percorro esse caminho
Semeado de musgos e de sombras,
Mas que ora beijo como se fossem flores,
Que a isso me apela a Ilha dos Amores

Levo comigo um mapa de ilusões,
E a palavra esperança, na cabeça,
Memórias de prosas e canções
Para que a voz de Ninfa não esqueça

Sonho e realidade, vou partir
De São Tiago, em silêncio, clandestino,
Escravo do desejo, peregrino,

E já sinto saudades do futuro
E já vejo a Terra prometida
Bêbado de fé e grávido de vida.

8.11.22

O Centralismo Democrático do PCP

Na circunstância da sucessão do Secretário Geral do PCP, ocorre-me citar Lénine: “Sem debates, controvérsia e conflito de opiniões, não é possível movimento algum, incluído o movimento operário” (*1)

Pelo que percebi da minha própria experiência, todas essas condições existem formalmente, mas os debates (e as manobras de bastidores) que contam são os que ocorrem no seio dos órgãos dirigentes, a controvérsia é manipulada e os conflitos internos são considerados traições – os militantes comuns apenas se pronunciam sobre matéria previamente elaborada pelos dirigentes e as suas “propostas de alteração” apenas têm acolhimento quando se referem a conteúdos gramaticais! Comparem-se as teses propostas com as teses “aprovadas” em congresso! Nesta matéria, aquilo a que Lénine chamava “membros” do Partido, é interpretado como "dirigentes" do Partido.

É a farinha do “centralismo democrático” a ser amassada à maneira do PCP para ser o pão servido aos militantes.

Quanto à anunciada Conferência marcada para este próximo sábado (*2), cito do "Projecto de Resolução" (que dará origem, inevitavelmente, à resolução do projecto):

«o Comité Central do PCP convocou a Conferência Nacional do PCP (...) suscitando um amplo envolvimento do colectivo partidário e promovendo uma confiante perspectiva de futuro. O costume!

(*1) Dois Métodos de Controvércia e Luta / Obras Completas /t24, p166)
(*2) https://www.pcp.pt/conferencia-nacional-2022/projecto-de-resolucao#:~:text=Nesse%20sentido%2C%20o%20Comit%C3%A9%20Central%20do%20PCP%20convocou,partid%C3%A1rio%20e%20promovendo%20uma%20con%EF%AC%81ante%20perspectiva%20de%20futuro.

17.10.22

Recordo-te, Mulher

Recordo-te, Mulher, quando sonhavas
Um futuro sem grades nem trincheiras
Um castelo sem guardas nem barreiras,
E, em tudo o que querias, confiavas.


Aberta às ondas das marés que espumam,
E aos raios de sol que te incendiavam,
Teu corpo púbere, tua alma pura,
Entregavam-se ao mundo, acreditavam.


Só não imaginavas, meu amor,
As lágrimas que chovem com a idade
As noites frias e as tempestades


(Mas, na recordação do teu passado,
Encontrarás alento para viver
E em mim encontrarás quem mais te quer)

22.9.22

Flor de papel

Detém-se o poeta diante de uma imagem
Que não é nascer nem pôr do sol,
Não é pássaro azul nem verde mar,
Crisântemo vermelho pode ser,

Que nos seus olhos se adivinha a paixão.
Tristes jacintos, porém, parecem ver,
Ou pétalas caídas de um malmequer.
Detém-se o poeta diante de uma imagem
Que, a ser flor, será flor de papel.

18.9.22

Porque hoje é domingo (128)

SÓ POR EXEMPLO:
Pela tradição que tem a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), e pela força da Igreja Católica no país, o cargo de presidente da CNBB é de prestígio e influência política, pois o líder da entidade acaba virando o porta-voz da Igreja no Brasil. Os exemplos actuais e passados são muitos mais, como se sabe.

E, NO ENTANTO:
“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lucas 16,13).

E, no entanto, o que sabemos nós do que tem sido a Igreja Católica em toda a sua existência? Na melhor das hipóteses, um centro de emprego para famílias pobres, quanto à formação académica e à carreira profissional que proporciona aos que nela buscam um futuro… ao serviço dela. E, por outro lado, dinamizando um centro de poder social e político à medida das oportunidades históricas, assumindo sozinha esses poderes – perseguindo violentamente os “hereges” - ou fazendo alianças com uns governos contra outros – manipulando os poderes instituídos e encaminhando no mesmo sentido os seus fiéis.

As suas instituições de caridade e outras iniciativas caridosas que, na verdade, não custam nada aos bispos, mas sim aos crentes, são o “rosto humano” da sua actividade fundamental.

14.9.22

A meio do caminho

Ainda vou a meio do caminho
Por ruas e vielas, por terra e empedrado
De pés no chão, olhos no horizonte
Carregando o presente e o passado

Levo comigo um mapa de ilusões,
E a palavra esperança escrita na cabeça
Memórias de sinais e de canções
Para que a voz de Ninfa não esqueça

Ainda vou a meio do caminho
De São Tiago, em silêncio, sozinho
Escravo do desejo, peregrino,

E já sinto saudades do futuro
E já vejo a Terra prometida
Bêbado de fé e grávido de vida.

amp 2022

13.9.22

2.9.22

Os meus poemas

O autor deste blogue, a quem escasseia a imaginação ou a paciência para trazer até aqui conteúdos que exigiriam mais trabalho do que isto, decidiu divulgar o seu vídeo recentemente publicado no Youtube. É uma espécie de antologia poética audio-visual a que chamou PRETÉRITO MUITO IMPERFEITO" à falta de mais perfeito nome:

7.8.22

Poema "Cativa"

Tu que és cativa que me tem cativo
Minha alma gémea, minha irmã na dor,
Dorme no meu peito se eu em ti vivo,
Choremos saudades na Ilha dos Amores.
E que nasçam rios, e que nasçam flores,
Nos corpos fecundos de sonho e desejo
No gesto de um abraço, na seiva de um beijo,
Amada de Peleu, Tétis invejada pelo próprio Zeus.

(Autor desconhecido... do público)

31.7.22

Porque hoje é domingo (127)

Neste domingo invoca-se a ressurreição de Lázaro, e eu só me lembro do livro de Pedro Barahona de Lemos, TODOS SOMOS LÁZARO, onde os milagres mas também as novidades trazidas por Jesus são desmistificadas com base na História. No caso deste “milagre”, nem sequer o facto de ser relatado por um único evangelista (João) leva os crentes a duvidar – até porque duvidar já é pecar!

Outra invocação que me ocorre é a canção
E O MUNDO NÃO SE ACABOU (Adriana Calcanhoto)

Enquanto os meios de informação se ocupam, justamente, com os casos de pedofilia na Igreja Católica, esta prossegue a sua actividade legal de intimidação e repressão milenar das populações com a ameaça do inferno nas suas várias versões e com acusação de pecados, aos outros.

Gerações e gerações de povos são instruídas pelos Evangelhos que, para tornar as ameaças eficazes, nos vendem os milagres mais inverosímeis reportados no Novo Testamento por gente que não assistiu a eles.

24.7.22

Porque hoje é domingo 126

«Erasmo era cristão, mas sabia ver as falhas que existiam no fanatismo religioso, na opressão da igreja católica e o seu mundo de corrupção de que foi um ponto alto e inconcebível a invenção das Indulgências! Uns papéis que eram vendidos para absolver dos pecados quando chegasse o Juízo Final! Ele denunciou essa prática, que depois Lutero imitou e deu origem à cisão Protestante.

Claro que este teólogo e pensador criticava também muitos comportamentos e pensamentos da sociedade, não só do seu tempo, mas de abrangência Universal e atemporal. E como verdadeiro homem do Renascimento, construiu um humanismo de raiz cristã, unindo a sabedoria da Antiguidade com a ética do Cristianismo, que combatia a hipocrisia de cristãos que cometiam erros e diziam que a culpa era do Diabo!

Este novo homem do Renascimento tinha confiança em si próprio, conquistada com uma luta que o transformou no grande instrumento da sua época, livre de ter como único socorro a graça divina. Fugia do medo e do pessimismo e olhava o futuro com optimismo, confiando na sua acção, no seu livre-arbítrio. E como não era fanático, compreendeu sempre que um ateu é preferível a um falso cristão, como já disse o Papa Francisco. Foi o "homem Europeu", cidadão do mundo que espalhou a sua mensagem pela Flandres, onde nasceu, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Suíça, onde terminou os seus dias também fugindo à Inquisição.

Entre as muitas amizades que criou é de realçar Thomas More, autor de "Utopia" e a quem ele dedicou a obra-prima " O Elogio da Loucura", cuja agudeza satírica e coragem continuam a ser um bálsamo para os nossos tempos.»

Hélder Mateus da Costa, do Teatro A Barraca, em comentário à peça "Elogio da Loucura"

17.7.22

Porque hoje é domingo (125)

Há milénios a castrar sexualmente, mas também sentimental e intelectualmente a Humanidade, a Igreja Católica alimenta os seus bispos e outros profissionais da hipocrisia com uma actividade que explora as fragilidades psicológicas e cognitivas dos seres humanos.

Auto-proclamada porta-voz de um deus que ela própria inventa e interpreta, a Igreja apresenta-se ao povo com uma autoridade incontestável, dogmática, repressiva, e assim domina as mentes – a verdadeira lavagem aos cérebros – e, por força da sua influência social, domina as leis, as políticas, as nações.

O histórico poder temporal da Igreja Católica, advindo da riqueza acumulada com as grandes doações de terras, feitas pelos fiéis, em troca da possível recompensa do "céu", e os compromissos com os poderes políticos, são a sua verdade. Um exemplo flagrante da riqueza acumulada pela Igreja ao longo da História é a construção medieval de sumptuosas catedrais construídas nos séculos XII e XIII daí em diante.

Quando as Santas Inquisições não encontram terreno para se instalarem, ainda há espaço para exercer outros terrores, como a ameaça do Inferno nas suas progressivas versões. E pecados não faltam para trocar por dinheiro.

O fenómeno de Fátima, criado a partir do mais infantil, inacreditável, relato da aparição de Nossa Senhora a três ingénuos e ignorantes pastorinhos, é apenas um de muitos exemplos de extorquir as poupanças dos crentes, explorando os seus desesperos e a crença que lhes foi incutida pelos próprios vendedores de deuses.

Tão infantil e irracional como a ideia de “salvação eterna” que continua a ser proclamada nos comícios domingueiros das paróquias. Quem estiver interessado nesta narrativa, porém, pode entreter-se com o episódio do dia em que se conta que Jesus entrou num povoado, e uma mulher, de nome Marta, o recebeu em sua casa (Lc 10,38-42).

Mas não espere nada de muito picante…

10.7.22

Porque hoje é domingo (124)

Nestes tempos de interacção global em que “o nosso próximo” é toda a gente, ganha uma dimensão especial o conflito interior de cada pessoa entre a solidariedade e o egoísmo, entre o cuidado com os outros e a indiferença.

É disto que trata a passagem do Evangelho que a Igreja invoca hoje*. A questão que se coloca agora é a mesma que Jesus terá colocado: a diferença entre os valores e as práticas. Mais, diria eu, a diferença estratégica entre a suposta conversão individual e a imposta revolução social.

Aqui parece estar o confronto histórico entre a religião e a política, que faz muitos cristãos – e não só – evoluírem da militância religiosa para a militância partidária. A experiência pessoal e social dos cidadãos, o seu crescimento, tem dado provas desta evolução.

Sou testemunha desse fenómeno pela minha própria experiência mas também pelos muitos activistas políticos que conheci nas estruturas sociais. Que essas estruturas sejam sempre capazes ou competentes de corresponder às expectativas, isso já pertence à segunda fase da evolução a que me venho referindo. Que as suas fragilidades sirvam de pretexto para o conservadorismo egoísta de alguns, disfarçado de fé religiosa, é o paradoxo a que estes estão condenados.

Palavra do senhor: eu!

*Lucas 10:36-37

13.6.22

Pensão Imperial

Acaba de ser publicado o meu segundo livro. Depois de "Ao Deus-Dará", está agora disponível "Pensão Imperial".

Aqui encontrareis gente pobre, mas não são feios nem porcos nem maus. E não estou certo de que sejam infelizes.

12.6.22

Porque hoje é domingo (123)

Neste domingo os comícios que a Igreja promove por toda a parte invocam um simples versículo do Evangelho onde se lê que “O Reino dos Céus está próximo” (Mateus 10,7). Estava próximo há mais de dois mil anos e continuará próximo enquanto houver um ser humano que precise desta promessa para sobreviver ás suas dificuldades, aos seus medos, aos seus desesperos.

Mas o que significa esta mensagem? O que é isso do Reino dos Céus, a menos que se trate do domínio espacial em que anda empenhada a investigação científica e o investimento turístico? E que falta nos faria o tal Reino dos Céus, fosse o que isso fosse? E quem criou este insatisfatório, penoso e tantas vezes cruel reino da Terra senão o próprio que promete um outro reino em vez deste?

Mas a Igreja não desiste do seu empreendedorismo, sob pena de deixar no desemprego milhões de sacerdotes e outros funcionários obedientes ao Vaticano.

29.5.22

Porque hoje é domingo (122)

Julgava eu, na minha inocência, que Deus sabia tudo o que eu queria e que tudo fazia para me satisfazer, Ele que é amor e caridade e etc. Mas não, Jesus terá afirmado (João 16,23b-24): "Se pedirdes ao Pai alguma coisa em meu nome, ele vo-la dará. Até agora nada pedistes em meu nome; pedi, e recebereis; para que a vossa alegria seja completa”.

Tantos milhões de crentes se arrastam neste vale de lágrimas e de mortos em guerras e catástrofes, pedindo nada mais do que piedade, e o truque de Jesus não dá resultado.

É o que pode acontecer quando se promete aquilo que não se pode dar.

Post scriptum: As promessas de vitória de Zelensky ao seu povo não são para aqui chamadas. Ou são?

22.5.22

Porque hoje é domingo (121)

À falta de razão, de racionalidade, a Igreja insiste hoje (João 14,23.25-26) em embalar-nos num discurso indecifrável para nos convencer que “a verdade” nos transcende, logo, só temos que aceitar as suas palavras, os “ensinamentos” de um Deus que só os sacerdotes são capazes de entender e explicar. Aproveita-se da ingenuidade, da fragilidade, dos medos que habitam a condição humana, para nos submeter aos seus domínios de poder e de riqueza.

“Se alguém me ama, guardará a minha palavra e o meu Pai o amará”, isto é, se alguém me obedece, eu o defenderei” – eu, me, a Igreja, visto que só ela sabe o que Deus quer! E o que mais pode desejar alguém do que ter quem o defenda neste mundo de guerras e doenças, de pobreza e de incerteza?

E tanto que haveria para dizer sobre o amor...

16.5.22

Porque hoje é domingo (120)

A cena que João nos conta para a homilia de hoje (João 13,31-33a) passa-se no lugar da última ceia de Jesus, um lugar que Leonardo Da Vince retratou com o cuidado de dispor todos os apóstolos do mesmo lado da mesa, de modo a que nenhum deles ficasse de costas para a “câmara”.

Tratando-se realmente de uma pintura, consta que o autor teve a possibilidade de assumir, com a sua cara, a personagem de Judas. Nada de novo, portanto, no capricho de Hitchcock em fazer uma perninha nos filmes que realizava.

Um outro acontecimento cinematográfico que vale a pena invocar a este respeito, é um filme em que aquela morte não decorre de uma traição de um apóstolo, mas sim de uma missão de que este foi encarregado pelo próprio Cristo para dar cumprimento a uma profecia.

Cinematografias à parte, esta tese da traição combinada, aparece em 2006 com “A Marioneta e o Anão” de Žižek, como pode ler-se AQUI e de que transcrevo um excerto, com religiosa vénia ao autor: “visto que a sua [de Judas] traição era necessária para levar a cabo a sua [de Jesus] missão (redimir a humanidade pela morte na cruz) não precisava Cristo dela? As suas palavras inquietantes durante a Última Ceia não serão uma intimidação secreta endereçada a Judas para que ele o atraiçoe?

8.5.22

Porque hoje é domingo (119)

Se Jesus morreu por nós, há que reconhecer que muitos mais morrem por ele. Hoje e sempre, aqui e em toda a parte.
Sobre o tema: https://revistagalileu.globo.com/

5.5.22

Nacionalismo dá mais

Não sei o que será o futuro de Zelensky, mas sei que o seu propósito não é dirigir um grande partido, é dirigir o país. Por isso a sua bandeira não é a cruz suástica ou qualquer outra, é o nacionalismo. Tal como Putin, claro, com a diferença de que este não precisa de atrair as tropas, ele tem-nas já.

24.4.22

Porque hoje é domingo 118

A Igreja celebra hoje aquela noite em que Jesus, que era suposto estar morto, apareceu aos discípulos dizendo: ‘A paz esteja convosco’. (João 20, 19-20; 24-25).

Nenhuma mensagem é mais desejada, nos dias que correm, do que esta. Discípulo assumido de Jesus Cristo, António Guterres vai visitar Putin e Zelensky na esperança de repetir a frase de Jesus. Mas desta vez não será só Tomé a duvidar. Creio que o próprio Secretário Geral da ONU não leva tão longe a sua fé nos homens, depois de a ter perdido em Deus a quem acorre todos os dias, certamente, nas suas orações.

O Futuro, esse único alguém que sabe tudo sobre o que vai acontecer, é quem nos há-de revelar a verdade. Enquanto não falar, desculpem a desilusão, resta aos sobreviventes esperar pelo entendimento entre Deus e o Diabo.

5.4.22

Hoje é dia das rosas

Quando eu era novo, muito novo, a Lua era o mito, o sonho, num horizonte inatingível. Mais tarde tomei consciência de que o mito, o sonho, era uma bola de areia inóspita e sêca. Mas as rosas, essas, sempre foram a cor, a forma e o perfume inebriante que inspirou idílios e poemas delirantes. Oui, l'important c'est la rose. Isto para lembrar que hoje, cinco de Abril, é o DIA DAS ROSAS, seja o que for que isso invoque no imaginário de cada um: lábios rubros, um turbilhão de sentimentos, uma miragem na aridez de um deserto...

3.4.22

Porque hoje é domingo (117)

O “casamento” do direito civil com a doutrina religiosa seria, por si só, matéria para uma fecunda reflexão, mas não me quero afastar da questão concreta a que se refere a citação do Evangelho nas homilias de hoje: o episódio da “mulher adúltera” (Jo. 8:1-11).

Jesus perdoou “o pecado” pelo qual a mulher vinha acusada, mas não o fez em nome da liberdade individual, e sim por piedade. É isto que eu não perdoo ao Filho de Deus! – passe o atrevimento!

O adultério aparece como sendo a violação, transgressão da regra de fidelidade conjugal imposta aos cônjuges pelo contrato matrimonial, cujo princípio consiste em não se manterem relações carnais com outrem fora do casamento. Tal contrato matrimonial traduz-se de facto num contrato patrimonial em que uma pessoa prescinde do seu livre arbítrio em favor de outrem, em que alguém se faz propriedade de outra pessoa.

Esta minha reprovação da fidelidade contratual não interfere com a vontade livre dos cônjuges manterem uma relação exclusiva ditada por sentimentos genuínos mais ou menos duradouros, mas sim na fixação legal e social de tais comportamentos. Esta exclusividade voluntária é tão legítima quanto a abstinência amorosa. Que ela configure um compromisso e não uma circunstância, já me parece “adulterar” a verdade da relação, isso sim. E é uma pena...

27.3.22

Porque hoje é domingo 116

Hoje não vou comentar o texto do Evangelho que inspira as homilias do dia: o regresso do filho pródigo. O dilema entre justiça e tolerância exigiria demasiado esforço para aquilo que me pagam... Em compensação, publico uma imagem recolhida hoje mesmo na Rua de Sta Catarina, no Porto:

20.3.22

Porque hoje é domingo (115)

Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou. Então, disse ao vinhateiro: ‘Já faz três anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro. Corta-a!’

Esta parábola atribuida a Jesus, que a piedosa Igreja de Francisco invoca neste domingo, mostra o pendor criativo do Criador, mas não menos a sua crueldade, considerando a comparação que faz das figueiras com as pessoas.

A ideia de pecado, cujo sentido a Igreja vai definindo conforme as suas conveniências históricas, acirra o medo nos cérebros humanos para controlar os seus comportamentos. Nada que os tiranos de todos os tempos e geografias não saibam usar com mais ou menos artifícios e outras armas.

Qualquer semelhança dos métodos religiosos com "lavagem ao cérebro" não é coincidência.

6.3.22

Putin e Zelensky, a mesma luta!

Ucrânia é o único país a ter nas forças armadas um batalhão neonazi assumido: o Azov.

O Batalhão de Azov – o mais notório agrupamento de neonazis ucranianos que opera sob chancela governamental, mas não o único – foi oficialmente constituído em 5 de maio de 2014, portanto três dias depois do massacre de 42 antifascistas em Odessa, queimados vivos

A primeira ‘façanha’ assumida pelo Azov foi esmagar o levante antifascista em Mariupol em junho de 2014, com cerca de 100 mortos em duas semanas na cidade e arredores. A cidade permanece refém dos fascistas até hoje.

Relatórios do Escritório do Alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e da Anistia Internacional ligaram o Batalhão Azov a crimes de guerra, como saques em massa, estupro, sequestros, tortura e execuções.

Fonte: https://horadopovo.com.br/ucrania-e-o-unico-pais-a-ter-nas-forcas-armadas-um-batalhao-neonazi-assumido-o-azov/

Porque hoje é domingo 114

Neste domingo, 6 de Março, a Igreja invoca mais uma reportagem de Lucas (Lc 4,1-13).

A cena passa-se no deserto, quando Jesus regressava do Jordão era conduzido a vários lugares em que era tentado pelo diabo. Como o evangelista começa por dizer que o Senhor era conduzido pelo Espírito Santo, ficamos sem saber ao certo quem conduzia Jesus, mas não ficamos menos perplexos por saber que o Filho de Deus se deixava conduzir pelo mafarrico! E como Lucas não esclarece quem testemunhou o acontecimento em que apenas estavam presentes as duas personagens, mais ninguém, temos que admitir que a informação lhe pode ter sido dada pelo demo de quem se espera que diga mentiras.

Adivinhando sem dificuldade que o companheiro de viagem “sentiu fome” ao fim de quarenta dias sem comer – a famosa quarentena – o diabo aproveitou para desferir a primeira tentação: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se mude em pão”. E Jesus respondeu: “Não só de pão vive o homem” – coisa que todos nós já dissemos também algum dia.

Segue-se que o diabo levou Jesus para o alto, mostrou-lhe por um instante todos os reinos do mundo e lhe disse: “Eu te darei todo este poder e toda a sua glória, porque tudo isto foi entregue a mim e posso dá-lo a quem quiser. Portanto, se te prostrares diante de mim em adoração, tudo isso será teu”. «Aqui a notícia carece de exatidão» - digo eu, parafraseando Xico Buarque. Em que lugar da Terra é que se avistam todos os reinos do mundo? E quem podia ter entregue tanta riqueza ao malvado para com ela tentar subornar o próprio Criador?

Depois o diabo levou Jesus a Jerusalém, colocou-o sobre a parte mais alta do Templo e lhe disse: “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! E Jesus, apesar de acompanhar o diabo, obedientemente, terá avaliado o risco da queda – isto sou eu que digo! – e recusou dizendo: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’”. Terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno – conta o Lucas – que é todo o tempo, como nós próprios podemos testemunhar.

Mas esta história absurda remete para outra reflexão mais abrangente: de que nos serviria Deus se o diabo não existisse?

2.3.22

Mártires ou vencedores?

Os aventureiros adoram correr riscos e estão no seu direito sobretudo quando têm boas razões. O problema é quando eles arrastam seus povos nesses riscos, sabendo que a sua aventura não tem condições para sair vencedora. A Democracia não precisa de heróis, mas sim de vencedores.

É caso para dizer que as vítimas protestam e a caravana passa.
Fonte: CNN Brasil

27.2.22

Porque hoje é domingo (113)

“Pode um cego guiar outro cego?
Não cairão os dois num buraco?”


No actual contexto de guerra mundial à maneira do séc. XXI, não podia ser mais oportuna esta invocação das palavras de Jesus, uma vez mais reportadas por Lucas (6,39.41-42). Dispensam comentários.

Fonte: “Naquele tempo, Jesus contou uma parábola aos discípulos: ‘Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois num buraco? Por que vês o cisco no olho do teu irmão, e não percebes a trave que há no teu próprio olho? Como podes dizer a teu irmão: irmão, deixa-me tirar o cisco do teu olho, quando tu não vês a trave no teu próprio olho? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão’” (Lucas 6,39.41-42).

20.2.22

Porque hoje é domingo (112)

Leiam isto sem se rirem:
«Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam; abençoai os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos injuriam.
A quem te bater numa face, apresenta-lhe também a outra;e a quem te levar a capa, deixa-lhe também a túnica.
Dá a todo aquele que te pedir e, ao que levar o que é teu, não o reclames».

Estas palavras que Lucas atribui a Jesus (Lc 6, 27-38), e que hoje são invocadas nas homilias da Igreja Católica, estão em contradição com as ameaças e as práticas recomendadas na Bíblia e até com muitos episódios de intolerância atribuídos ao “filho de Deus” no Novo Testamento.
José Saramago, também ele evangelista ao escrever “O evangelho segundo Jesus Cristo”, não resistiu a denunciar as crueldades bíblicas, em “Caim”.
Quanto à passagem do discurso em que Jesus afirma que Deus “é bom até para os ingratos e os maus”, só me faz lembrar como a mesma entidade é má para tantos outros que são “pessoas de bem” - e nem vale a pena invocar o holocausto. Mas reconheço que no reino da fantasia, nomeadamente da fantasia religiosa, o absurdo tem todo o cabimento.