Naquele tempo em que a esquerda combatia os fantasmas do regresso ao fascismo e a direita combatia os fantasmas do ingresso no comunismo – digo “fantasmas” para aligeirar – estavam muito activas as comissões de trabalhadores e eu nelas.
Como nas empresas de outro ramo qualquer, a preocupação dos revolucionários – os que defendiam a revolução em curso – era valorizar o trabalho e a produção, ameaçadas que estavam pelo boicote dos sectores reaccionários que promovem sempre a destruição das economias nacionais em tempos de socialização. Daí que a reunião com a Administração tivesse na agenda as questões de produção.
Numa empresa de Televisão, os meios de produção contam com câmaras e gravadores, projectores e equipamentos de montagem mas também, entre outras coisas, estúdios e cenários.
E a questão que nós punhamos era que havia equipamentos e equipas desocupadas. «Isso é por falta de estúdios disponíveis», dizia a Direcção. Falta de estúdios? – questionei como se tivesse ouvido um grande disparate. – Mas o país todo é um imenso estúdio; as ruas e as casas, os campos e os rios são imensos cenários...!
Ainda hoje não sei se o silêncio que se fez a seguir e com que a conversa terminou, foi o reconhecimento da minha razão inquestionável ou se foi a percepção geral de que estavam a falar com um louco. O certo é que ainda hoje penso da mesma forma.
Pois foi este episódio que me ocorreu quando ouvi dizer que Portugal gastava mais do que aquilo que produzia. Isto é, não estaremos nós demasiado condicionados pelo mito da tecnologia como se os legumes e as frutas que importamos precisassem de mais que terra e água e sol e como se a carne que compramos ao outro lado do mundo não se criasse e reproduzisse aqui com a tecnologia que Deus deu aos animais de todas as espécies?
Mas é tal o silêncio que se segue à “defesa do tecido produtivo” que o mais certo é que “eu” seja mesmo louco.
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