16.9.10
Cuba aquece
Enquanto Fidel anda entretido e a entreter-nos com as suas (mundi)visões estratégicas, o governo de Raúl Castro confronta-se com a necessidade vital de salvar a economia cubana – o que passa por criar condições para o investimento estrangeiro. Não é uma novidade, mas é um novo impulso, indispensável na fase crítica a que o país chegou.
Trata-se de condições de aumento e manutenção dos investimentos estrangeiros que não podem concretizar-se num contexto em que a política social bloqueia o incentivo ao trabalho e ao emprego, isto é, num contexto em que, viver sem trabalhar, compensa.
Esta será uma razão por que o governo de Raúl Castro é levado a rever a política laboral e social do seu país, nomeadamente com o anúncio do despedimento, para breve, de 500 mil trabajadores – quanto mais tempo demorou a solução, mais se agravou o problema.
A redução de postos de trabalho desnecessários, esvaziando os espaços de ociosidade no interior do aparelho do estado, tem vantagens para o orçamento nacional, para a redução da burocracia e da própria corrupção – três problemas enormes que se mantiveram ao longo de décadas para pagar a submissão dos cidadãos ao poder político personalizado. Mas tem sobretudo vantagens para a confiança dos investidores externos relativamente à contratação de trabalhadores. É que, ao contrário do que se ouve com muita frequência na televisão portuguesa, se “não há empresas sem empresários” (o que quer que isto signifique), muito menos há empresas sem trabalhadores!
Nas condições concretas em que funciona a esfera económica no nosso tempo, os países pobres em especial, por falta de estruturas e equipamentos produtivos, carecem fortemente do investimento externo e, na prática, dos países com mais capacidade para investir e comprar. E então se o país não dispõe de excepcionais recursos potenciais, como acontece com Cuba em relação com o que acontece com a China ou Angola ou Brasil, esta gestão de interesses tem que ser especialmente cuidada.
Iniciativas de largo alcance e eficácia, com caracter internacional, podem ser e têm sido tentadas, nomeadamente na região da América Latina, mas apesar de alguns períodos de entusiasmo verbal e euforia ideológica, não se concretizou até hoje uma nova realidade - um novo paradigma, digamos. Assim sendo, há que gerir a realidade que existe. Afinal, a própria União Europeia que pretendeu enveredar por esse tipo de autonomização e apesar de ter condições muito vantajosas, ainda hoje se confronta com limitações enormes de difícil e imprevisível transposição.
Este processo de reestruturação económica e social em Cuba, no entanto, pode ter formas e efeitos explosivos se tivermos em conta o grau de pobreza da população, o descontentamento cada vez mais e melhor organizado pela Oposição, digo pelas oposições políticas, a expansão indisfarçável da contestação devido às novas tecnologias de comunicação que escapam à censura política, à revolta crescente contra a discriminação humilhante com que são tratados os cidadãos do país em relação aos estrangeiros.
Há muito que os cubanos se queixam da discriminação de que são vítimas, negando-se-lhes direitos que se concedem aos estrangeiros, desde o direito de investir ao direito de consumir produtos de qualidade, o direito de circular em alguns espaços públicos (como hoteis), etc.
Alguns acusam a Europa, inclusivamente, de participar num «apartheid en contra de los Cubanos en nuestro propio pais, tal y como han hecho las corporaciones de Europa, especialmente “SOL MELIA”, cadena hotelera responsable de ejercer la peor explotacion laboral a los obreros Cubanos, un capitalismo salvaje y cruel, en el cual se invierte en un pais, donde los trabajadores no tienen derechos ni pueden protestar, y en donde hasta se han dado el lujo de participar directamente en la implementacion de la segregacion de los Cubanos de las zonas turisticas en las cuales estos Hoteles se encontraban ubicados».
Com efeito, manifestações de protesto que em qualquer outro país seria reclamado e exercido pela esquerda política, são aqui reprimidas e criminalizadas e o novo impulso para o investimento estrangeiro só pode, a curto e médio prazo pelo menos, agravar esta situação.
Para o cubano comum, as medidas anunciadas prenunciam necessariamente um agravamento trágico das suas condições de vida, num contexto em que é imprevisível – para não dizer impossível – a absorção dos despedidos em empregos privados a criar.
Não creio que a resolução do problema económico cubano possa ocorrer sob o regime dos Castros, por mais que Raúl mobilize as forças que tem, mas é neste esforço de transformação quantitativa que se operam as mudanças qualitativas, no aquecimento da água como no “aquecimento” social – como bem ensina o Materialismo Dialectico. Isto é, o próprio processo reformador acabará por tornar indispensável o processo “revolucionário” de novo tipo. É a “contraofensiva”... democrática.
Sem perda de tempo, as primeiras reacções publicadas na Internet por cidadãos cubanos, já dão conta de alguns aspectos perversos das novas medidas:
«La lista que publico la CTC (Central dos Trabalhadores), de empleos por cuenta propia, me hace sentir vergüenza pues pone a los cubanos de la isla al nivel de labriegos de los tiempos medievales. No aparece en ella ni una sola ocupación profesional como la computación, electrónica, investigación o ingeniería. Y para el medico que quiera trabajar en Cuba independiente del estado lo que le queda es meterse a boyero y comprarse un arado.»
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2 comentários:
Quem diria
O mundo suspenso pela evolução
do sistema cubano
aguarda pela sua própria evolução
para que não mais existam homens tristes - sobretudo de estomagos vazios
Quem diria
Cuba - o fio da meada
Cumprimentos
«O mundo suspenso pela evolução
do sistema cubano» parece-me, pelo menos, exagerado. Mas levo isso à conta de "liberdade poética".
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