A verdade é o que menos interessa para uma boa história. E, ao contrário do que muita gente pensa, a sua vida não daria um filme.
Numa aula de guionismo, o professor sugere a um colega meu que altere o seu guião: duas cenas depois daquela em que a noiva apresenta o noivo aos pais e a mãe se oferece para os ajudar a comprar uma casa, o meu colega deveria retirar a cena em que estavam já os quatro a ver a casa nova e, em vez disso, deveria inserir uma cena em que os pais, sozinhos, discutiam violentamente por causa daquela oferta com que o pai não concordava.
Que não, que não podia ser... – replicava com toda a segurança o meu colega. Intrigado, o professor perguntou-lhe porquê e ele, com uma convicção inabalável, exibiu um argumento incontornável: que aquela era uma história verdadeira e que as coisas se passaram assim mesmo na realidade.
Espantado, o professor replicou: história verdadeira??? Mas isso que interessa?! O espectador não quer saber se a história é verdadeira; isso só lhe interessa a si porque os conhece. O que o espectador quer saber é se a história mexe com ele, com os seus sentimentos, as suas emoções; se é uma boa história!!!
É claro que o professor tinha razão. Se pensarmos nos livros, nos filmes ou telenovelas que nos tenham deixado as melhores impressões, depressa perceberemos que não foi por serem verdadeiras. E uma corrente, melhor, um género cinematográfico a que se chamou Cinema Verdade, mereceu este comentário de Fellini: «Cinema-verdade? Prefiro o cinema-mentira. A mentira é sempre mais interessante do que a verdade»*.
Não é por outra razão, talvez, que «quem conta um conto, acrescenta um ponto»; é para tornar uma história verdadeira numa história interessante.
A forma como este fenómeno contamina os textos, as imagens e os alinhamentos noticiosos dos orgãos de informação, mostra bem que a apetência pela triste verdade em que se empenha Manuela Ferreira Leite, corre grandes riscos políticos, em confronto com as alegres fantasias de José Sócrates.
*Há quem atribua aquele comentário... a um dos próprios mentores do «cinéma verité», Jean Rouch
2 comentários:
Excelente - dois em um - "lição" de guionismo e de política - já agora três- um belíssimo texto. Como já foi dito, também digo, obrigada, António, pela partilha.
Obrigado, Mariquinhas, pela companhia. E já lhe anuncio para um destes próximos dias uma locubração sobre a partilha, a partilha de informação na chamada comunicação social.
Mas como diria o querido amigo Zeca Medeiros, eu não faço filmes, faço amigos. E quem diz filmes, diz blogues...
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