21.7.15

Pacheco Pereira e eu

Cerca de um mês depois do Zé Pacheco Pereira ter sido baptizado na Igreja do Bonfim, no Porto, foi a minha vez. A água benta que se fazia ali, tinha qualquer coisa que nos deixava a cabeça a fervilhar de ideias e inquietações, de querer mudar o mundo e acreditar nas nossas próprias forças para o fazer.

A PIDE que viria a ser o centro das nossas preocupações e, mais tarde, da sua entrada na clandestinidade, ficava perto da Igreja. Quem desce da igreja para a Avenida Camilo, e desce daí ao lado do Liceu Alexandre Herculano, vê logo o edifício da antiga polícia política ao fundo da António Granjo. 


Quantas vezes no teremos cruzado com os livros debaixo dos braços – na verdade já não me lembro como é que transportávamos os livros naquele tempo.

Os livros viriam a dominar a sua vida mais que a minha, talvez. Mas imagino que na adolescência ambos nos perdêssemos na Biblioteca Municipal, ali a São Lázaro, e que os gostos não seriam muito diferentes – o ensaio e a filosofia. Imagino, porque não nos conhecemos. Ai Zé, quantas vezes teremos saído juntos porque à hora de encerrar a sala de leitura, sem reparar no tempo que perdemos à procura de respostas que não existem, enquanto outros gozavam, despreocupados, da confortável impunidade de quem não sabe e não quer saber. Em todo ocaso, o mundo que procurávamos conhecer, lá dentro, estava cá fora.

Sim, a poesia. É sabido que o José Pacheco Pereira conviveu com Eugénio de Andrade. O meu convívio com os poetas da altura fazia-se apenas na biblioteca ou nas livrarias mas, em boa verdade, só se conhecem os artistas pelas suas obras e não pela partilha da mesa de casa ou do café.

Por falar em café, eu não frequentava o Café São Lázaro, ao pé, onde veio a constar que o José terá manifestado à Zita Seabra a vontade de entrar para o PCP e que o PCP torceu o nariz ficando a conversa… por ali. O Pacheco Pereira já desmentiu este episódio mas ainda que tivesse acontecido não teria perdido nada porque não encontraria espaço para o debate político que tanto aprecia. Entre o esquerdismo maoista e a social-democracia sá-carneirista, fez o seu caminho político, tão errático quanto turbulento.

E eu? Eu fiquei lá para trás, a vê-los. Mais ou menos. Que a minha água benta já terá perdido algumas propriedades, um mês depois do Pacheco Pereira ter sido baptizado como eu na Igreja do Bonfim. Se é que ele foi baptizado…

Sem comentários: