23.2.10

Televisão com som

Ao contrário do cinema que nasceu mudo, a televisão já nasceu a falar. E não dizia só papá, mamã, não quero sopa…
Início do cinema sonoro (1927)

Logo de início, a TV dizia tudo o que a deixassem dizer. De resto, era da rádio, da tecnologia da rádio, que lhe vinha a principal qualidade – a capacidade de se difundir pelo ar através de ondas electromagnéticas.

Mas o fascínio era, naturalmente, a transmissão de imagens, a "visão à distância" que a palavra tele-visão exprime. Daí que o som ficasse sempre com o estatuto de parente pobre da família áudio-visual. Já era assim com o cinema, em que o microfone reclamava a sua aproximação aos actores e a câmara protestava porque o dito aparelho de som se intrometia no plano quando não era simplesmente a sua sombra – e aqui a guerra com a câmara estendia-se aos projectores de luz. Operador de câmara, operador de áudio e iluminador viviam e vivem esta luta pela conquista de território, desde os primórdios deste mundo tecnológico.

Recordo um episódio… bizarro que se passou ainda no tempo em que a Televisão funcionava sem gravação (*) de imagem – ou transmitia em directo ou registava em filme. No caso, tratava-se de filmar uma conferência dada por um eminente estrangeiro que para o efeito estaria em Portugal. Coisa imperdível, portanto, em que a RTP não podia deixar de “estar presente”. E levou dois operadores de imagem, não um só, além do operador de som.

Chegados ao local, a realizadora combinou discretamente com os operadores de imagem a posição de cada um. Os restantes membros da equipa situaram-se de acordo com as funções que tinham a desempenhar e com a preocupação de não perturbar a sessão. Tudo normal, portanto.

Quando a realizadora achou por bem parar as filmagens, mandou recolher discretamente a equipa para um canto a fim de preparar a saída. Foi então que o operador de som lhe perguntou: « Já vamos embora?». Ela respondeu que sim, que já tinha a parte da conferência que interessava para o programa. Então o operador perguntou com a voz cândida de um inocente: «E não precisas de som?».

Só então nos demos conta, todos, de que ela não teve com o operador de som o mesmo cuidado que teve com “os câmaras” e que isso resultara num desastre para aquela reportagem irrepetível. Mais que isso, aprendemos todos – se o não sabíamos antes – que a obsessão pela imagem pode levar à destruição do que realmente importa.

* O registo de imagem em vídeo é gravação e não filmagem, ao contrário do que se vem dizendo em linguagem de amador.
Foto inicial: The Jazz Singer (1927) com Al Jolson

3 comentários:

Anónimo disse...

Com esse teu relato, extraordinário, fiquei a perceber melhor as "necessidades" dos actuais operadores e directores de som - têm toda a razão - afinal de contas foram sempre uns mal-amados:))

Anónimo disse...

Com esse teu relato, extraordinário, fiquei a perceber melhor as "necessidades" dos actuais operadores e directores de som - têm toda a razão - afinal de contas foram sempre uns mal-amados:))

antónio m p disse...

Maria, talvez por isso sejam muitas vezes uns "mais-amargos", também. Com boas excepções, claro, entre as quais teremos bons amigos. Afinal, "é a vida"! :))