17.8.11

Nós, eles e o inferno

De Hitler a Pinochet, de Bush a Ratko Mladic, e muitos antes e depois e entretanto, a História está cheia de genocidas-lobos para quem a Justiça, quando bate à porta, já as chamas do inferno se apagaram. Eu desta vez venho falar apenas dos cães rafeiros.



Ninguém está mais habilitado a falar do Inferno do que um preso vulgar. Logo a condenação o retira da vida, o retira à vida. Com as roupas e tudo o que deixa à entrada na prisão, ele despe a personalidade, deixa de ser pessoa. Daqui em diante deixará de ter direitos e vontade, passará a ter regras para cumprir, será obediente como um cão – desejará ser cão para não saber que é um homem desumanizado. É a estratégia do camaleão: adaptar-se ao meio para se proteger.

Na melhor das hipóteses, para ele, nasceu e foi criado na lixeira da sociedade – no espaço da cidade onde os homens sobrevivem da esmola e do crime, são considerados e se consideram marginais, não usam a palavra dignidade porque não tem sentido em suas vidas, não respeitam ninguém porque ninguém os respeita... Na melhor das hipóteses, para eles, a violência nas prisões que tanto nos comove, a nós que somos cidadãos de plenos direitos, é o clima a que estão “habituados”. Afinal sempre deve custar menos viver no inferno quando se é diabo.

O que os prende e reprime, a eles que nasceram e cresceram no inferno, é a própria cidade que nós dominamos, isto é, a forma como estão estruturadas e como funcionam as sociedades modernas – organizadas pelos e para os privilegiados que somos nós neste contexto. Mais do que condená-los, os tribunais acusam-nos, a nós, de desumanidade para com os que nascem na miséria. Na miséria de tudo, entenda-se.

Não quero comover-me e comover-vos com descrições de violência habitual ou excepcional, com os abusos e com os desesperos, os suicídios, as autoflagelações mais escabrosas – fica assim apenas esta referência abstracta.

Na melhor das hipóteses, para eles, praticaram crimes. Porque isso lhes dá uma razão para estar preso e para tudo o que daqui decorre. O pior de tudo é sofrer sem razão.

Talvez por absurdo se possa inferir que o genocida motivado por “razões” supostamente ideológicas, as tenha em tão grande consideração que a prisão lhe seja facilmente suportável – é a sublimação do sofrimento. Talvez não haja nada de absurdo nesta tese, afinal. E sendo assim, só a desconstrução da "sua razão" o poderia castigar realmente com o merecido sofrimento associado à culpa – e não tanto por causa do criminoso quanto para exorcismo das vítimas sobreviventes, familiares incluídos.

Tudo isto conduz - pretendo eu - a uma filosofia sobre a repressão do crime violento que sugere métodos de castigo e regeneração de novo tipo: independentemente da privação da liberdade, o criminoso deve ser conduzido a perceber que a sua própria razão o condena pelo crime que praticou. Isto obriga o agente da Justiça a conhecer as motivações e a desmontá-las ou a confrontar a sociedade com elas.

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