15.2.10

Analógico ou digital

Fosse escultor em vez de carpinteiro, São José, e talvez dispuséssemos hoje de uma reprodução das feições do seu filho adoptivo, que poderíamos comparar com as estátuas gigantes de Almada ou do Rio de Janeiro, entre muitas outras de variadas dimensões. Se José fosse fotógrafo, também poderíamos comparar as suas chapas com as telas dos pintores. Com imagens da época teríamos decerto uma percepção do filho de Deus bastante diferente da que é representada pelos artistas que nunca o viram, como Leonardo da Vinci na sua "Última Ceia" - tão simbólica, tão inverosímil, tão agitada que nem um jantar com Sócrates no Hotel Tivoli.

Mas poderíamos, ainda assim, na posse das tais fotografias da época, acreditar nas cores e até em pormenores formais do seu corpo ou das suas vestes, tão degradados estariam esses registos pelo tempo, esse monstro que nos pinta os cabelos, rasga traços no rosto e descalcifica os ossos?

É nisto que os registos digitais fazem toda a diferença.

Bem podem os olhos de Jesus chegar amarelos na sua foto de há dois mil anos. Se uma declaração escrita e assinada por quem de direito, disser que os olhos de Deus eram azuis, não haverá fotografia que o desminta. Porquê? Porque é mais fácil que o tempo tenha tingido de amarelo os olhos azuis do Senhor do que tenha substituído a palavra “amarelo” pela palavra “azul” na declaração – logo, se diz azul é porque é azul.

A fidelidade da fotografia ao objecto fotografado depende das condições de resistência do suporte da informação, a película ou o papel fotográfico. A fidelidade da reprodução digital depende apenas de um código que tenha o mesmo significado ao longo do tempo, como é o caso da palavra que o designa.

A fotocópia a cores é uma reprodução analógica de uma fotografia a cores, por exemplo. Mas a verdadeira cor da fotografia será melhor transmitida se dissermos qual é a luz, a intensidade e o brilho de cada ponto da imagem. É assim que, para o caso da cor, o código #900 no sistema RGB (red, green, blue) significa “vermelho”, visto que as outras cores têm valor zero. E este código não se confunde com #996 daqui a dois mil anos…

Outra vantagem do registo digital é a sua possibilidade de transmissão. Não é possível enviar uma folha azul pelo ar, de Lisboa para Pequim, sem arriscar a vida de um pombo-correio, mas é possível enviar um sinal eléctrico que seja lido como #009 e daqui descodificado no destino para uma impressão azul.

Se não percebeu, não se preocupe porque não é por isso que o céu deixa de ser #009.

3 comentários:

Mar Arável disse...

Um texto muito belo e esclarecido

para mim que penso azul

Sensualidades disse...

prefiro digital para fotografias fieis, mas prefiro analogico para fotografias com alma, que nao teem de necessariamente ser fieis

Beijos
Paula

antónio m p disse...

Paula, o teste da fidelidade, nas fotografias como na vida, faz-se com a passagem do tempo...

Em todo o caso e como tentei explicar em artigo anterior, "Imagem mente sempre" (http://antonio-mp.blogspot.com/2010/01/imagem-mente-sempre.html) a foto analógica é sempre mais rigorosa enquanto não é degradada. E é esse rigor, essa "alta definição" que lhe permite transmitir todas as subtilezas da imagem original.