23.3.10

Pilotos e classes sociais


Notícia de 29/07/1975 : Conflito no seio da Comissão de Trabalhadores da TAP entre elementos moderados e radicais por causa das formas de luta a adoptar

Comentário actual de um trabalhador da TAP:
«Quando a Tap for à vida por VOSSA causa, Srs Comandantes, talvez nem 10% de vocês consiga emprego noutro lado. É que quem sabe apertar porcas na manutenção ou fazer reservas em Amadeus há-de arranjar trabalho, quem só sabe servir café a bordo ou pôr a máquina em piloto automático dficilmente conseguirá encontrar novo emprego».

E agora falo eu...

As greves dos pilotos das companhias aéreas, que fazem notícias nacionais e internacionais nestes dias, invocam o tempo das lutas revolucionárias de 1974/75, em que as greves dos pilotos nunca coincidiam com a agenda do movimento sindical em geral. Como se os seus interesses de classe fossem diferentes dos interesses gerais da “classe trabalhadora”.

Isto parecia explicar-se com o facto de os pilotos ganharem ordenados muito altos em comparação com o nível normal de remunerações. O que ficava sem explicação era a sua arrumação na teoria das classes que fundamenta o movimento comunista.

Com efeito, um dos problemas teóricos com que se confronta o PCP é o da definição actual de “classe operária”, tendo em conta que essa classe constitui a base social que o partido pretende representar.

No sentido de ampliar a base social que se vai restringindo na sociedade e no eleitorado, o “partido da classe operária” passou a ser o “partido da classe operária e de todos os trabalhadores” - como se o “todos” não incluisse a parte. Pelo sim, pelo não, também não ficam de fora os desempregados e os reformados que, como se sabe, vão sendo cada vez mais. Não todos, mas a maior parte, visto que há muito desempregado que não precisa de trabalhar e muito reformado que aufere e acumula rendimentos principescos, o que complica as coisas.

E pilotos da aviação? Ficarão de fora?

Fazendo fé na definição em vigor no PCP desde o XIV Congresso, não ficam de fora visto que não desempenham «funções superiores de direcção ou de mera vigilância no enquadramento de outros trabalhadores». Mas indo mais ao fundo (passe a infelicidade da expressão em matéria de aviação), eles até desempenham a sua actividade manobrando máquinas, o que os coloca a par dos maquinistas de caminho de ferro, dos condutores de camiões, autocarros, tractores e alfaias agrícolas, piscícolas e industriais, isto é, do que melhor define um operário – logo, são operários.

E cá estou eu a dar voltas à cabeça para tentar perceber que sentido faz dizer que um partido político, no contexto histórico em que vivemos, é “o partido da classe operária e de todos os trabalhadores”.

Mas isto sou eu que não sujo as mãos no carvão das minas e no óleo das máquinas, um intelectual confundido pela sua condição de burguês (ainda que mal pago). Vá lá, digamos que pertenço ás «camadas intermédias assalariadas» - seja isso o que fôr – o que já me dá um lugar nas fileiras recuadas da revolução socialista. Só porque não sou piloto de aviões... nem me chamo Álvaro Cunhal ou Albano Nunes, Lenine ou Karl Marx - todos operários em incerto sentido

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