29.4.10

Os abutres da crise

Quando procurava na ‘Net uma imagem para ilustrar este post e escrevi a palavra abutre, a última coisa que esperava encontrar era o que acabou por surgir: uma entrevista de Octávio Teixeira * em que ele compara os especuladores financeiros a abutres, tal como o título do meu post sugeria.

Sendo assim, mas sobrertudo pelo interesse da sua análise, aqui fica um excerto:

A finança internacional, os grandes bancos especuladores que há pouco tempo receberam dos estados cheques em branco para os salvar da “banca rôta”, voltam a ameaçar a estabilidade financeira e económica... O que eles visam é aumentar as taxas de juro dos empréstimos para aumentarem os seus lucros.

Mas para eles os custos do dinheiro não aumentaram, antes baixaram porque os bancos centrais, incluindo o Banco Central Europeu, os refinanciam a baixo custo.

Citando um artigo do El Pais, também disse: «O que está ferido não é este ou aquele país; é o euro!».

* O. Teixeira, economista e ex-deputado do PCP,
em entrevista para a Antena 1, em 22 de Abril


Quanto ao meu post, é apenas uma recolha de notícias do dia 27 de Abril, aquele em que a notícia da notação financeira de Portugal fez estremecer... os orgãos de informação nacionais. Era o ano da “desgraça” de 2010, quando...

AGÊNCIA DE RATING 16h33
A agência de notação financeira Standard & Poor's cortou o “rating” de longo prazo da dívida portuguesa, em dois níveis.
Esta decisão surge numa altura em que os mercados financeiros estão a penalizar Portugal, essencialmente devido às hesitações dos parceiros europeus quanto à finalização do apoio financeiro à Grécia.
(Na opinião de Bruno Costa, operador da sala de mercados da correctora GoBulling, os investidores estão a reagir "fugindo" do risco, devido ao mau desempenho português no mercado da dívida).

GOVERNO 18h14
Horas depois de o comunicado ter sido enviado, (o ministro) Teixeira dos Santos pronunciou-se sobre esta questão (dizendo) ser provável que os mercados continuem a sofrer a “turbulência” dos últimos dias devido ao ataque dos mercados internacionais e à revisão em baixa do ‘rating’ de Portugal pela Standard & Poor’s.

«Teixeira dos Santos diz que vai fazer tudo o que for necessário para assegurar a eliminação do défice»

PATRÕES 19h45
Os empresários afirmam-se disponíveis para combater a redução do défice, mas advertem que os sacrifícios têm de ser repartidos por todos.
António Saraiva lembrou o alerta da CIP, que considerou tímidas as medidas propostas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), mas assegurou que os empresários estão disponíveis «para ajudar».
Mas, acrescentou, os empresários exigem que “os sacrifícios sejam repartidos de igual modo”, porque “todos beneficiaremos com as medidas de alteração que têm de ser tomadas”.
Jorge Rocha de Matos, presidente da Associação Industrial Portuguesa (AIP), repetiu o apelo da concertação por parte de todos os agentes, desde políticos a empresários, frisando que “é preciso apertar o cinto”.

Entretanto, contactada pela TSF, a Associação Empresarial de Portugal (AEP) fez saber que aguarda com muita expectativa os resultados das diligências que certamente o Governo e o PSD irão desencadear face a uma situação tão delicada como esta.

PSD 19h13
O presidente do PSD, Passos Coelho, declara que «As diferenças entre o PSD e o Governo, não nos impedem de fazer a defesa do país, que está sob ataque especulativo » e adiantou que o PSD está disposto a analisar com o Governo a antecipação de medidas do Plano de Estabilidade e Crescimento, o PEC, altura em que não deixará de apresentar sugestões próprias. É conhecido o seu plano “B” que passa sobretudo por uma maior redução da despesa pública.

De seguida, o presidente do PSD pediu uma reunião de urgência com o Primeiro-Ministro para o dia seguinte. (A reunião foi combinada logo no dia 27).

CDS
Assunção Cristas, do CDS-PP, disse que o partido está solidário com o Governo e deu-lhe «alguma razão» quando diz que «não estamos numa situação análoga à da Grécia e que isto é um ataque ao euro».
No entanto, a democrata-cristã frisou que o que conta para os mercados é a «determinação, credibilidade e confiança nas contas públicas e na atitude no futuro» que Portugal demonstrar.
«Nós dissemos na altura do Orçamento do Estado que o orçamento era curto na compressão da despesa e apresentámos várias propostas no sentido de cortar mais na despesa.” Deu como exemplos de sectores em que se pode cortar, o consumo intermédio da administração pública e o Rendimento Social de Inserção.

“Dissemos também que o Orçamento não dava sinais muito claros no que diz respeito ao endividamento e propusemos a paragem das grandes obras públicas, como o TGV e o aeroporto. Precisamente para dar um sinal aos mercados de que tínhamos percebido a gravidade da situação e que íamos actuar em conformidade”,

ESQUERDA
Pelo Bloco de Esquerda, José Gusmão afirmou que «a situação é grave», mas ressalvou que os pareceres das agências de “rating” não têm «nenhuma credibilidade».
Para o bloquista, as agências de “rating” são um instrumento de «ataque especulativo que está a ser conduzido contra o euro». Por isso, continuou, esta situação «exige da União Europeia a concertação de uma política económica anti-crise a a constituição de uma agência de “rating” pública à escala europeia».

«Pensamos que a reacção relativamente a estas notações que são atribuídas deve ser a de reafirmar a soberania do nosso país e a de exigir uma outra política» ao Governo que não a de «definhamento da economia nacional», defendeu, por seu lado, o comunista Vasco Cardoso.

PRIMEIRAS ANÁLISES
ALEXANDRA FIGUEIRA - JN/SAPO

Juros a subir, mais desemprego e menos ajudas do Estado. Será este o panorama previsível para o futuro próximo de Portugal, ainda que o país evite entrar num sistema de "dívida explosiva". Podem estar em causa novas medidas de "aperto de cinto".
(…) Teixeira dos Santos não especificou de que medidas falava, mas Abel Fernandes, da Faculdade de Economia do Porto, admite que passem por mais cortes: em apoios sociais, como o subsídio de desemprego ou o rendimento social de inserção; em obras públicas, como o comboio de alta velocidade ou estradas; na própria máquina pública. Admite até que parte dos vencimentos dos funcionários do Estado seja paga em títulos de dívida, como aconteceu nos anos 80 e que seria, diz, "uma medida mais inteligente do que o corte de salários" decidido por exemplo pela Irlanda e, agora, pela Grécia.
Miguel Beleza, que já ocupou a pastas das Finanças, ainda espera que as medidas do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) sejam suficientes para convencer os mercados de que Portugal é um país de confiança. "Mas não excluo a possibilidade de serem precisas mais", disse.
Vários pontos do PEC têm ainda que ser aprovados pela Assembleia da República, um assunto que será discutido (em 28/4) entre os líderes dos dois principais partidos, José Sócrates e Passos Coelho. Em todo o caso, novos cortes no Estado deverão prejudicar a economia, levando a mais desemprego, diz Abel Fernandes.
Já o cenário de juros mais altos não está em dúvida, será apenas uma questão de tempo. Miguel Beleza não arrisca: "Dentro de um período de tempo, não muito largo, os bancos terão que pagar esta taxa de juro [a agora suportada pelo Estado], que depois farão repercutir no crédito concedido" a famílias e empresas. Ontem, a mesma agência baixou a nota dada à dívida de cinco bancos e da REN.
Para quem tem empréstimos, o efeito das subidas dos juros será sentido à medida que vai subindo a Euribor que, recorde-se, é uma taxa europeia e não exclusiva de Portugal (o Banco Central Europeu já admitiu subir as suas taxas directoras este ano). Ainda assim, é de esperar que a Banca continue a aumentar as comissões, como forma de subir receitas.
Já para quem vai fazer novos contratos, é de esperar que os bancos sejam cada vez mais exigentes nas condições impostas, emprestem menos dinheiro (em comparação com o valor da casa, por exemplo) e cobrem "spreads" mais altos.
A atenção dada pelos mercados às contas de Portugal poderá ser exagerada, regressando a valores "normais" depois de algum tempo, espera Miguel Beleza.
(Para) Abel Fernandes, o crescimento da economia portuguesa será menor do que a subida dos juros a pagar, o que questiona a capacidade do país de, a prazo, cumprir os seus compromissos. "Estamos numa trajectória de dívida explosiva", disse.

Resumo por minha conta:
O processo capitalista de expropriação dos trabalhadores através de salários baixos, aumento de impostos e de juros, não pára de inventar artifícios. A natureza internacional deste processo é evidente. A culpa não é dos abutres que, segundo se sabe, só atacam porque têm fome.

("Itálicos" e realçados da iniciativa deste blogue)

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