Eram cinco mulheres. Mulheres de seus maridos. Todos ricos. Todos grandes-empresários. Por sorte, os próprios filhos eram também ricos. Encontravam-se elas uma vez por mês.
Tudo começou por causa da Boazona que era uma delas e que ninguém se atrevia a identificar com aquele palavrão senão à socapa. Mas não se ponham já a imaginar um conto erótico porque a vantagem da senhora era apenas, para o que aqui nos trás, suscitar o mêdo do marido, de contrariá-la. O risco de perdê-la seria para ele, antes de mais e acima de tudo, perder uma vantagem sobre os seus pares que em tudo o resto eram iguais a ele em capitais fixos e flutuantes, casas, iates e talvez amantes – isto não está provado.
Um dia, uma noite em que o marido saía de casa para o encontro mensal dos cinco amigos, por assim dizer, a Boazona puxou discretamente a saia mais para cima e reivindicou: se eles podiam reunir-se sozinhos, então elas também podiam organizar um chá por mês, só para mulheres. Dadas as circunstâncias e a atenuante de pensar que o chá seria à tarde como é tradição, ele fez de conta que achava muito bem, que até já tinha pensado nisso, que era justo... E se havia homem justo, era ele. Aqui para nós, ele não levava muito a sério o que dizem as mulheres, pelo que levou aquilo à conta de queixume, uma pequena cena de ciúmes sem consequências.
Depressa as mulheres se organizaram – como é próprio das mulheres – e no mês seguinte, quando ele se preparava para sair para a tal reunião, a que os empregados do bar chamavam o G5, ela perguntou se ele podia levá-la para o chá das senhoras. Surpreendido, gaguejante, mas ponderando o mêdo de perder a mulher, ou a sua consideração, o que ia dar ao mesmo, fez uma ou duas perguntas inúteis e dispôs-se a dizer que sim, não sem conferir primeiro que a saia estava à altura conveniente.
Quando chegou ao bar, espaço discreto inserido nos bairros de vivendas da Boavista, a Boazona já encontrou uma das convivas, a Dona Constança, alta e magra como os eucaliptos que o seu marido transformava – mandava transformar – em pasta para papel. Esta combinação entre “pasta” e “papel” dominava a vida dele desde o primeiro dia em que tomou consciência da sua existência.
Dona Constança não era muito dada a falar do marido, se é que havia alguma coisa para dizer além do que eu próprio acabei de contar, mas aquela penumbra aluarada, aquele envolvimento dos arbustos à entrada do bar, puxava às confidências. Daqui a desabafar que o marido andava angustiado por causa do filho, foi o tempo de fumar um cigarro.
A questão era que o marido queria dar um Ferrari ao filho – para quem não souber, Ferrari é um automóvel para mais de duzentos mil euros - mas o filho não queria. Era fascinado por motas e achava isso dos Ferraris uma coisa de “cotas”, o ingrato. A Boazona nem precisou de perguntar porque é que o marido da Constança não dava antes uma mota ao filho, ele que lhe podia dar até a Mota-Engil. Era o único filho do G5 que não tinha ainda um Ferrari, esta a explicação. Entretanto vão chegando as outras senhoras e muda-se a conversa, de carros para vestidos, brincos e aneis - que por ser Verão não seria oportuno trazer à liça os casacos de peles.
Coincidência ou não, no bar dos empresários a conversa era sobre esta iniciativa das mulheres deles se encontrarem no seu próprio G, passe a expressão no que possa insinuar de ambiguidade. O marido de Constança, porém, era o mais apreensivo, a ponto de os outros comentarem: «Não te preocupes, homem. Vais ver que aquilo lhes passa. Não tarda muito que se zanguem e acaba-se o chá».
Ele exprimiu um sorriso da cor do seu whiski como se aceitasse por bom o que diziam. Mas, na verdade, não era nisso que pensava. Apenas fazia contas a quantos empregados teria que despedir para comprar uma mota e um Ferrari.
Era 28 de Setembro, a véspera das manifestações promovidas pela CGTP/Intersindical Nacional para Lisboa e Porto. Na Imprensa, na Rádio e na Televisão a opinião dos políticos, dos economistas e até dos jornalistas era unânime: "o país" precisava de medidas mais sérias de austeridade!
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