A adesão dos magistrados portugueses à Greve Geral de 24 de Novembro, no seguimento da sua greve de Outubro de 2005, revela uma realidade nova no contexto das lutas sociais: a proletarização cada vez mais ampla dos trabalhadores.
Karl Marx previu este fenómeno na forma de passagem dos profissionais independentes a assalariados, mas acresce a isto, se não é o mesmo, a ampliação do caracter hostil do capitalismo (ou dos governos que o suportam) a profissões que até agora pareciam ou estavam protegidas pelo sistema.
Parece inserir-se neste caso, pois, a adesão dos magistrados à Greve Geral de 24 de Novembro, associando as suas reclamações à reclamação geral dos trabalhadores, isto é, revelando a consciência de que o estatuto privilegiado que o sistema lhes oferecia para lhes ganhar a cumplicidade, era hipócrita e efémera.
Para o capitalismo, todo o independente deve ser recrutado para o seu exército e todo o assalariado deve ser explorado a favor do lucro – seja ao nível da remuneração ou do tempo e condições de trabalho, o que vai dar ao mesmo.
De notar que as greves de magistrados não são uma originalidade portuguesa nem europeia sequer.
Mas é claro que isto fere os sentimentos classistas de quem exerce o poder acima da sociedade real – uma sociedade que é una como um navio apesar de serem diversas as funções dos seus tripulantes, e cuja divisão em castas perde sentido quando se trata de salvar a embarcação em que todos estão metidos.
Que este sentimento classista seja partilhado e expresso por aqueles que assimilaram o conceito mesmo sem terem o Poder, é tão velho quanto o argumentário. Cito um exemplo actual:
«Da mesma maneira que não tem qualquer utilidade social haver uma princesa que se comporta precisamente como a nossa vizinha badalhoca do 5º Esquerdo, também se torna difícil conferir dignidade a uma classe de magistrados que se comporta colectivamente da mesma forma que o pessoal da estiva…»
Neste texto*, como se vê, a classe trabalhadora, especialmente retratada no “pessoal da estiva”, é uma “vizinha badalhoca” da qual a elite social deveria evitar o contágio – além do cheiro.
Para manter o nível da conversa, cito Brecht:
«Para quem tem uma boa posição social, falar de comida é baixo. É compreensível: eles já comeram».
Historicamente, a greve, antes de ser um facto regulado por lei, já era um facto regulado pela vontade dos seus actores, os trabalhadores, no exercício da sua liberdade natural. Ao contrário do que pensam alguns, não são as leis que fazem a sociedade; é a sociedade que faz as leis.
* Consulta integral do texto citado, AQUI.
Relacionado com este tema publiquei aqui em Março um artigo a propósito da greve dos pilotos: «Pilotos e Classes Sociais»
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