Será que as lições tiradas da experiência latino-americana podem fornecer um «modelo» para os EUA e a Europa? É este «modelo», na totalidade ou em parte, transferível para o Norte ou são as duas regiões tão diferentes que tais lições não são aplicáveis?
Esta questão é analisada por James Petras * num artigo que reproduzo parcialmente a seguir.
Os países da América Latina experimentaram durante os anos 80 uma época de crises persistentes, que se materializou num crescimento negativo, num aumento dos níveis de pobreza e num grande endividamento que permitiu aos credores (tais como o FMI) impor medidas de austeridade duras e agressivas juntamente com políticas de "ajustamento estrutural", que ficaram conhecidas pelo termo de "neo-liberalização".
Nelas se incluíam a privatização das mais estratégicas e lucrativas empresas públicas, assim como o fim de qualquer estratégia estatal de industrialização. Para os camponeses, a classe operária e a classe média, o curto boom neoliberal dos anos 90 foi a continuação da "década perdida" dos anos 80. As políticas neoliberais dos anos 90 baseavam-se na destruição dos fundamentos estruturais da economia e em enormes transferência das receitas e das despesas públicas para o capital enquanto se cortavam nos salários e na segurança social.
Os regimes neoliberais entraram numa crise profunda em 2000 provocando grandes contestações sociais. O resultado foi um novo enquadramento político e uma nova equação social que culminaram em novos regimes pós-neoliberais na maior parte dos países da América Latina.
Por outro lado, e em parte devido às oportunidades lucrativas que surgiram com a crise da dívida e com a neoliberalização da América Latina nos anos 90 (assim como na ex-União Soviética, Europa de Leste e Balcãs), os Estados Unidos e a UE prosperaram. Na América Latina, mais de 5000, bastante lucrativas, indústrias de extracção de recursos, bancos, telecomunicações e outras passaram para as mãos das multinacionais privadas estrangeiras e para as do capital local. Os grandes lucros derivados das acções, empréstimos e rendas das transferências de tecnologia enriqueceram os capitalistas do Norte, na mesma medida em que a pobreza se multiplicava pelo Sul.
Os anos 90 foram a "idade de ouro" do capital Ocidental que conheceu um crescimento dos seus lucros, enquanto os partidos de esquerda e os sindicatos pareciam incapazes de fazer frente a esta "onda" de conquista da economia por parte do capitalismo predatório.
A primeira década do novo milénio foi a "década perdida" do Norte. Ao longo dos últimos onze anos o Norte conheceu a estagnação e a recessão, que não permitiram qualquer recuperação económica. Os estados capitalistas salvaram temporariamente os bancos, mas demonstraram-se impotentes para relançar o crescimento económico.
A classificação da economia norte-americana foi cortada pelas agências de notação. O desemprego e o emprego precário dispararam para um quinto da força de trabalho, números só comparáveis com os dos países do terceiro mundo. Os programas sociais sofreram graves cortes nos Estados Unidos e nos países da União Europeia, destruindo décadas de conquistas sociais. Os défices orçamental e da balança comercial tornaram-se crónicos, enquanto os credores públicos e privados ficavam cada vez mais preocupados com as tendência recessivas da economia.
O sector financeiro dos Estados Unidos e União Europeia está ferido pela corrupção em larga escala, pelas fraudes, gestão negligente e contas falsificadas, algo que antes encontrávamos na América Latina. A União Europeia enfrenta cortes brutais nos salários, pensões e empregos que afectam milhões de trabalhadores e os jovens desempregados da Grécia, Portugal, Espanha e Itália tomaram as ruas.
As greves gerais ameaçam a estabilidade de regimes cada vez mais isolados e lembram as rebeliões populares que levaram a mudanças de regime na América Latina no final dos anos 90 e princípio dos anos 2000. Nos Estados Unidos, os protestos públicos reflectem um crescente descontentamento: mais de 75% da população tem uma visão negativa do Congresso e, 60%, da Casa Branca. O aprofundamento da alienação do eleitorado norte-americano é já comparável à perda de fé nos governos latino-americanos durante as "décadas perdidas" de 1980-2000.
Tanto os Estados Unidos como a União Europeia sofreram transformações radicais durante a "década perdida" do presente século. Económica, política e socialmente, o "Norte" foi latino-americanizado: instabilidade social, estagnação económica, alienação política, crescimento das desigualdades entre as classes e pobreza, tudo isto liderado por elites políticas corruptas.
Petras é sociólogo e analista político norte-americano, professor jubilado em Nova Iorque.
Esta passagem foi recortada por mim a partir do texto integral em português, publicado em resistir.info
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