23.4.08

A bota de Itália


As eleições em Itália, que deram a vitória à coligação dirigida por Berlusconi em Abril de 2008, deixaram praticamente o mundo estupefacto. A esquerda política mundial, pelo menos. E esta, antes de mais, lançou sobre “a esquerda” italiana a acusação de irresponsabilidade por não ter evitado a catástrofe, por não se ter juntado numa frente de oposição à direita e áquela direita em especial.

Como se as diferenças e os conflitos não fossem uma realidade afecta às próprias contingências eleitorais. Como se as questões eleitorais, elas mesmas, não fossem causa mas apenas efeito das próprias divergências.

Se não “houve” unidade é porque não “havia” unidade. A unidade ideológica e estratégica forjada na resistência antifascista e no projecto de um mundo novo, socialista e comunista, enfim, o que se mantinha dessa unidade começou a quebrar-se desde o lançamento do projecto eurocomunista surgido na década de 70 em Itália com Berlinguer, em França com Geroge Marchais, em Espanha com Santiago Carrillo.


No caso italiano, o facto de Berlinguer fazer uma coligação com a Democracia Cristã, de Aldo Moro, para fazer face à grave crise económica que assolava o país e à perigosa instabilidade política em que algumas forças estavam a preparar um golpe de Estado na Itália, esse "Compromisso Histórico", acentuou a polémica.

Forças de extrema-esquerda, nomeadamente, opõem-se com grande violência ao PCI. As Brigadas Vermelhas assassinam Aldo Moro. A "política de alianças" joga um papel crucial nas divisões das forças que se reclamam de esquerda e comunistas.

Por outro lado, o eurocomunismo era ele próprio efeito de outra realidade anterior, uma reacção defensiva em relação ao desprestígio do modelo socialista tradicional ou clássico.

Neste contexto, uns viram no eurocomunismo a resposta desejada à modernização do projecto comunista, a adaptação aos novos tempos, a salvação de um projecto em vias de extinção; outros viram uma atitude oportunista ou cobarde, o abandono e destruição do património de ideias e de lutas que caracterizaram sempre o Partido Comunista - a seu ver, os dirigentes comunistas capitulavam perante as dificuldades da luta que lhes era exigida pela História e pela matriz marxista-leninista em que se fundavam.

Em 1989, já sem Berlinguer que entretanto faleceu, o PCI é extinto. E em 1991 é criado um novo partido em sua substituição: o PDS (Partido Democrático de Esquerda) que posteriormente mudou novamente o nome, para DS (Democráticos de Esquerda).

Muitos dos que militavam anteriormente no PCI, porém, não aderiram ao novo partido. Criaram outros partidos. É o caso do Partito della Rifondazione Comunista (PRC, Partido da Refundação Comunista) e o Partito dei Comunisti Italiani (PdCI, Partido dos Comunistas Italianos). Estes dois, juntamente com Democratici di Sinistra (DS) e os Verdes viriam a integrar a Esquerda Arco-Íris que se propunha integrar o governo de Prodi a partir destas eleições. A coligação Arco-Íris (Sinistra Arcobaleno) veio a obter resultados insignificantes.

Se o PRC (Refundação Comunista) representava na sua origem, em 1991, a ala de esquerda dos dissidentes da DS, a sua adesão ao Arco-Íris suscitou descontentamentos da sua própria esquerda que se constituiu em novo partido em 2008, o Partido da Alternativa Comunista (Pd’AC) – mais um !

DS, PdCI e PRC, constituindo a esquerda Arco-Íris; PdAC, afirmando-se intransigente contra cedências; Sinistra Crítica e PCL formadas também à esquerda de Arco-Íris e ainda o PD de que fazem parte ex-pc’s de Veltroni juntamente com católicos de Prodi – aqui está a imensa esquerda... derrotada nas eleições de 2008!

Em suma: aqui está um imenso trabalho a realizar para que alguma desta esquerda fragmentada se reencontre num projecto e numa voz que sejam credíveis e mobilizadoras. Certos de que esse edifício partidário não nascerá de costas para o processo eleitoral como não pode vingar de costas para as classes que é suposto representar.


Como irá a esquerda italiana descalçar esta bota, só ela saberá.
Para já, os comunistas que integraram o Arco-Íris lembram que «I Comunisti sono fuori dal Parlamento, ma non dalla società» e os comunistas do PdAC apontam a imperiosa necessidade de... «construir um novo partido comunista ligado às lutas». . .

1 comentário:

Anónimo disse...

Acho essa tua ideia de estudares o comunismo italiano uma ideia muito interessante.
Devias publicar o que já concluíste e o que vais pesquisando.
Um abraço.
António Silva