19.12.11

Paradoxos cristãos

Somos muito pequenos diante da Alemanha? E daí? Em tempo de celebrar o nascimento de Jesus Cristo, vale a pena aprender, com a sua história, como isso do tamanho é uma desculpa para quem não tem coragem ou vontade. Está tudo na Bíblia.

Jesus é apresentado como descendente do rei David. Ora este é o tal que derrotou Golias apesar da grande desvantagem física do primeiro. Esclarecida esta relação entre a coragem e a resignação, vamos aos pormenores.

Um gigante chamado Golias desafiou o exército israelita a enviar um homem para enfrentá-lo. Os israelitas tiveram medo do gigante. David, indignando-se da vergonha que Golias trazia a Deus e a todo exército de Israel com suas palavras, decidiu enfrentá-lo, munido apenas de uma funda e algumas pedras. Logo no começo da batalha, David acertou na testa de Golias, com uma pedrada. Golias caiu e David arrancou-lhe a cabeça com sua própria espada.

Após esta vitória, David foi bem sucedido em todas as suas missões e ganhou fama entre o povo. Saul, o primeiro rei daquele povo unificado, passou a invejá-lo e temeu que o poder lhe escapasse a favor de David. Mas quando Samuel foi secretamente ungir o novo rei para Israel, foi David que ele escolheu apesar deste ser o mais novo de sete irmãos. Assim, e sempre “por vontade de Deus”, David sucede a Saul. (De tudo isto falam os livros de Samuel).

David conquistou Jerusalém, que transformou em capital do Reino Unido de Israel, de acordo com a Bíblia hebraica. No judaísmo, David, é o Rei de Israel e do povo judaico.

Depois de muitas gerações de homens com nome, e mulheres desconhecidas, anuncia-se o nascimento de Jesus. O anúncio é feito por um anjo. Mais tarde, com a criação dos Correios, Telégrafos e Telefones, mas sobretudo com a internet, os anjos deixaram de ser necessários, razão pela qual nunca mais houve notícia de aparições semelhantes.

Acho que a Virgem "ficou para a vida", espantada mesmo, respondendo ao S. Gabriel que ela nunca tivera relações com homem, que S. José era apenas namorado. Que isso não tinha importância, foi o que o anjo lhe respondeu, e que acreditasse no milagre de Deus. De tanto insistir o anjo, resignou-se a Senhora com estas palavras textuais: “Eis aqui a serva do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra”.

Naquele tempo... uma mulher que engravidasse de homem com quem não fosse casada, seria condenada à morte. Seria esse o destino de Maria, noiva mas não casada com José, se as autoridades duvidassem da versão da rapariga ou se isso não estorvasse a narrativa cristã. Esteve bem, portanto, a Virgem - por assim dizer.

Diga-se de passagem que também José, o noivo de Maria, foi visitado em sonho, por um anjo, para o acalmar com estas palavras: “José, filho de David, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo". Qualquer de nós, se sonhasse com um anjo a dizer que não nos importassemos com a gravidez suspeita da nossa namorada, virava-se para o outro lado e continuava a dormir descansado. Assim terá feito José.

O que interessa é que a descendência do rei David, onde se insere de forma pouco clara o nascimento de Jesus, era a dinastia mais famosa de Israel, e o povo sonhava com aqueles tempos em que o rei David impunha respeito, tempos em que o seu país era uma nação temida e respeitada pelas demais, e não insultada e humilhada como seria a Grécia e Portugal dois mil e onze anos se passassem - isto não diz a Bíblia, digo eu.

Assim se compreende a necessidade de um descendente que tivesse a missão de libertar o povo massacrado e infeliz de Israel. E assim surgiu o Salvador, "Jesus Nazareno Rei dos Judeus" como seria designado por estes. Assim se explica a visita dos reis vizinhos, os "reis magos".

Incenso, mirra e ouro não é prenda que se dê a um menino pobre, não é o mesmo que dar uns carapins, umas fraldas, uma camisolinha. Logo por aqui se via, também, que se tratava de um grande líder para a região e só instrumentalmente para a religião.

Incoerência

O Novo Testamento qualifica Jesus como descendente de David e é nisto que acredita o Judaísmo Ortodoxo. Mas alguns detectam nesta história uma incoerência: se Jesus era filho de Maria e do Espírito Santo e nenhum dos dois era descendente de David, como podia sê-lo Jesus? ”. No meio de tantas outras incoerências, contradições e paradoxos a que os "escritos sagrados" nos habituaram, a coisa até passa despercebida. Mas é notório que o Salvador desiludiu os desígnios dos reis magos.

“Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacob, e o seu reino não terá fim”- diz o livro dos cristãos. Outra coisa seria dizer "o seu rei não terá fim". É a diferença entre um discurso político que se refere ao futuro de Israel, e um discurso religioso em sentido restrito. Falar de jacob remete novamente para o mito da vitória do mais fraco sobre o mais forte, mas o que nos interessa é chegar a Passos Coelho!


A questão política do reinado, portanto, é obsessiva na missão de Jesus. O que parece é que Ele não aceitou essa missão e se confinou às questões religiosas, deixando “a César o que é de César”, o que não lhe valeu de muito.

De resto, a sua Igreja fez e faz questão de se entender com César ao longo da História. Pena é que a Senhora de Fátima não gere um Salvador para Portugal, um David que se bata contra os vendilhões da Pátria.

2 comentários:

Mar Arável disse...

Excelente texto

Para si tudo pelo melhor neste inverno prolongado

e descontente

antónio m p disse...

Muito obrigado pelos votos e pela apreciação, Eufrásio Filipe.

Tanto mais importante para mim quanto eu duvidava que alguém se desse ao trabalho de ler "tantas palavras". Mas desde que o amigo Urbano Tavares Rodrigues me entusiasmou a escrever prosa quando lhe mostrei os meus versos, nunca mais me contive.

Aceite um abraço.