19.10.14

O dia em que o bispo foi à merda

Esta é uma história verdadeira. É verdadeiro que ma tenham contado, pelo menos. E tendo sido minha avó a contá-la, senhora de fé e prática religiosa, temente a Deus e crente no Inferno, mais credível se torna. Além de que a minha avó não era pessoa com formação académica suficiente para inventar histórias.

O que ela contou a minha mãe e minha mãe a mim, foi que minha avó, em criança, era vizinha de um tal bispo que não vou mencionar porque toda a gente reconheceria atendendo ao elevadíssimo grau a que ascendeu na sociedade portuguesa no tempo de Salazar.

Sendo vizinhos, a minha avó e o tal bispo, quando nem ele era bispo nem minha avó sonhava ser avó, ainda crianças ambos, ajudavam os pais, lavradores e lavradeiras, em terras de Famalicão.

Quando digo terras é de terras mesmo que estou a falar, não de lugares. Dessas terras de que falava Jesus quando dizia que um homem lançou semente à terra e etc.. Dessa terra onde medram as cebolas, as batatas, as alfaces e as pencas, tanto mais quanto a água e o adubo ajudarem.

O adubo, àquele tempo, era o estrume, matéria orgânica resultante da defecação dos animais, excremento, fezes, bosta. Recolhia-se ao longo dos caminhos por onde andavam vacas ou cavalos ou mesmo outras bestas. Por isso era vulgar que os agricultores se encarregassem de recolher o produto onde ele abundava e para os fins a que se destinava, conforme já expliquei. Mas porque fosse fácil de fazer ou pouco dignificante, também era frequente que os agricultores encarregassem os filhos do mester. E é assim que ocorre o que a minha avó relata.

No dia em que o bispo foi à merda, mandado pelos pais agricultores, a minha avó viu e fixou para memória futura como se já soubesse a importância que esse testemunho haveria de ter para mim, para este conto ou até para a História de Portugal. 

Consta que minha avó, antevendo os frutos que haveriam de vir para o vizinho, ainda tentou seguir-lhe as pisadas mas foi logo avisada que há coisas que não estão destinadas às mulheres. E a maior importância que teve enquanto viveu, além de ser minha avó, foi ter visto um bispo ao adubo.

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