21.10.08

A minha crise económica


O meu avô, trabalhador ferroviário, conseguia amealhar uns tostões que mais provinham de uns biscates que fazia na loja de um vizinho do que do seu salário magro como um carril de comboio.

Amealhar era, não pouca vezes, esconder no forro do colchão. Mas se disso sabia toda a gente, a minha avó também. E bem depressa, numa inspecção periódica a que não faltaria, haveria de tomar o que houvesse, por empréstimo a fundo perdido e sem juros, ávida como estava de ir às compras, fosse por uma saia que não tivesse vergonha de levar à missa, fosse por uma sertã, a que no sul se chama frigideira, de que estava precisada há vários anos... Por uma flores esperaria ainda uma jarra vazia, que o tempo não era para luxos.

Das humildes poupanças, pois, do meu avô, e dos parcos lucros do vizinho, se juntava no banco um "pé de meia" que, mais juntando de uns e outros, ia enchendo o papo do banqueiro e o seu guarda-fatos, as suas jarras de flores e ainda sobrava para emprestar a juros ao Ti Manel Tijolo que apesar do nome era um tipo esperto, dedicado desde cedo à construção do que mais tarde se viria a chamar de imobiliário.

Vai meu avô penando e aforrando à custa da barriga, vai minha avó cozinhando as tripas, e Ti Manel Tijolo acumula negócios que já é mais conhecido na Banca do que minha avó na mercearia.

De tantas voltas darem o mundo e os comboios, chegou a minha vez de entrar nesta história. Vou ter com o filho de Ti Manel, herdeiro da arte e do negócio do Tijolo, para comprar uma casa para mim e para a família que de mim vier. Negócio puxa conversa e lá se acertou o preço ao que se seguiria o pedido de empréstimo.

No dia D, vá-se lá saber se é de Deus ou de Diabo, fui eu à banca pedir emprestado aquele dinheiro, afinal, que o meu avô lhes havia anteriormente confiado. Com grande relutância aparente, mais arrogância do que convicção, abriu o banco os cordões ao cofre, virtualmente, claro, e fechou-se o negócio nos termos que se seguem.

O banco emprestava-me os 20.000 contos e eu reembolsava-o a prestações ao longo dos anos. Do valor daquelas prestações não havia conta certa; certo era apenas que o banco ganhava aquilo que eu perdia.
Passam mais uns comboios, mais uns anos, e vão-se-me as poupanças para a inflacção dos preços e o congelamento do salário, ficando sem poupança e quase sem colchão, minha mulher e eu aprendendo a cozinhar açorda, meus filhos à espera de nascerem e a banca, cada vez mais mais gorda, batendo à porta de recibo na mão. Não tarda, é a Polícia: "Operação Hipoteca ! Abra e saia!".

Saia?... Se ao menos minha avó tivesse comprado a saia, o meu avô não emprestava à banca as suas poupanças e esta, sem dinheiro, não me endividava.

É isso! Assim que esta crise for ultrapassada, o que eu vou fazer é comprar um colchão de palha.

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