Esta é a história de um chapéu que perdeu a cabeça. Não falo em sentido figurado, de perder o juízo; falo em perder a cabeça propriamente dita.
Trata-se de um chapéu que, pela estima que lhe tinha o dono ou pela forma como a cabeça se lhe ajustava, se afeiçoou àquele que o usava como eu só conheço na afeição dos apaixonados e dos cães.
Nisto do afecto escapou a obra ao criador, como tantas vezes acontece, porque quem faz chapéus não quer deles senão que tenham quem os compre e quem os pague, sendo-lhe estranho o valor afectivo.
Foi o que me fez pensar que há na mercadoria e no que se lhe compare, vida própria, e assim como um chapéu, uma cerejeira ou uma casa, podem ser muito mais do que coisas negociáveis ou “reestruturáveis”, dependendo da função que tiveram na vida dos seus usuários, assim uma praça, uma escola, um hospital, não podem ser entregues apenas ao arbítrio da Economia, mas também ao domínio da História e da Cultura, raízes, tronco e flores da nossa identidade, da nossa realidade e da nossa felicidade.
Este pode parecer um discurso conservador. Em algum sentido, talvez seja. Mas para que serve ao Homem um "progresso" que destrói o próprio Homem, convertendo-o em máquina, avaliando-o em bolsa?
Sacrificar o domínio financeiro ao domínio humano, no contexto do caos a que nos trouxe o liberalismo económico, isso sim é indispensável ao progresso. Quem não entender isto nunca entenderá as convulsões sociais que se desenrolam fora das sedes do poder político-económico.
O chapéu é de palha – não vale nada na Bolsa. Mas não sossegará enquanto não voltar à cabeça que lhe deu uma alma. E quando se perde a cabeça, tudo pode acontecer.
A imagem reproduz o autoretrato de Van Gogh, «O Chapéu de Palha».
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