Quando um regime de excepção se eterniza,
já não é excepção, é o regime.
Foi assim na União Soviética, como é assim em Cuba ou na Coreia do Norte. E na Síria.
Lá onde as liberdades cívicas são suspensas e os dirigentes são nomeados ou herdeiros, onde se instala a censura de imprensa, a repressão dos opositores políticos, a subordinação de todas as instituições, ao Governo, em nome da Felicidade, o que se oferece às populações não é a Felicidade, é a ditadura com toda a sua violência.
Apesar destas coincidências e ainda do conceito de "governo forte" e parlamento irrelevante, distingue-se uma ditadura de esquerda de uma ditadura de direita? Sim, há diferenças. Desde logo porque
a negação da democracia formal é para uns uma questão de princípio e para outros uma questão de meio, embora dê o mesmo, no fim. Mas também se distinguem, de facto, porque
a primeira extingue a anterior classe dominante, “a burguesia” e generaliza o acesso aos serviços essenciais: de saúde e de ensino.
Mas saem os cidadãos mais livres em resultado daquela extinção? A substituição de uma oligarquia financeira por uma oligarquia partidária auto-proclamada "representante da classe trabalhadora", traz diferenças escassas ou perversas aos súbditos do Estado.
E sobre os benefícios aparentes há que perguntar: são realmente gratuitos os serviços, como apregoa o regime? Pois não é a riqueza do país, a riqueza produzida pelos cidadãos que paga esses serviços? Ou é dos bolsos dos governantes que sai o dinheiro para adquiri-los? E quanto custa a um cidadão daqueles estados, sair para outro país por sua iniciativa? Em grande parte das vezes, custa a própria vida!
Dir-se-á que apesar de tudo a distribuição dos bens e serviços à população é mais igualitária. Sem dúvida que sim. Mas que significa isso num regime de ditadura? Significa que o poder instaurado, a nova oligarquia, compra o silêncio e as liberdade cívicas dos cidadãos, que compra a dignidade das pessoas, tal como o cliente paga à prostituta para ela se submeter aos seus caprichos.
Pode também ser analisado à luz destas considerações, o percurso histórico da Síria desde que o Partido Baath, socialista e nacionalista tomou o poder em 1963 e empreendeu uma série de profundas reformas sociais e económicas, constituindo-se em República Popular da Síria em 1964.
Os confrontos com Israel e a posição de apoio activo à causa palestina, reforçam o caracter anti-imperialista da política dos Assad (pai e filho, na foto, á direita). O caracter "socialista" do Partido Baath e sua relação de amizade com a Rússia, nomeadamente o tratado de cooperação com a União Soviética em 1980, revelam sem reservas o seu enquadramento ideológico e geoestratégico. E com isto, a que se juntam relações mais amplas e complexas no plano internacional e no âmbito interno, o papel dos EUA e aliados joga os seus interesses muito acima da defesa dos Direitos Humanos - aproveitando o pretexto da oposição política interna.
De notar que o actual presidente Bashar al-Assad sucedeu em 2000 ao seu próprio pai, através de um referendo e num regime de partido único! Em Maio de 2007 seria reconfirmado nas mesmas condições.
Em 2011, no contexto das lutas populares que decorreram nos países Árabes, a pressão da oposição no seu próprio país levou Bashar al-Assad a prometer mudanças democráticas que não levou à prática e gerou-se assim uma série de protestos que reclamavam o derrube do Presidente. A resposta foi violenta e prossegue.
Há no processo sírio, enfim, todos os tiques políticos do “socialismo real”, como se vê, desde a designação dos dirigentes até à política de alianças internacionais. Que a Rússia continue a ser o principal aliado da Síria, na Europa, apesar da ruptura ideológica que sofreu com a extinção da União Soviética, é bem significativo da importância que desempenham as estratégias nacionais, sobrepondo-se às ideologias. De resto, toda a evolução da Rússia neste quadro confirma a regra.
Nada que legitime o pendor imperial dos Estados Unidos da América e dos seus porta-vozes, neste âmbito, entenda-se. Mas que deveria levar muito radicalista ideológico a ponderar, digo a moderar, digo a racionalizar alguma exaltação clubista.
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