No elogio fúnebre, aos políticos burgueses se atribui «longo percurso dedicado à causa pública»; aos políticos progressistas se atribui «grande coerência»; aos autores destas declarações se há-de atribuir grande falsidade, cinismo, hipocrisia.
Dedicados à causa pública foram, por excelência, aqueles que sacrificaram as suas comodidades mais elementares, a sua segurança pessoal, a sua vida, não poucas vezes, na luta contra um regime que oprimia o seu povo, e sobretudo aqueles que o fizeram sistematicamente e toda a vida.
Só para falar dos que tive a honra de conhecer pessoalmente, desde operários a intelectuais, de activistas anónimos até dirigentes políticos e sindicais, falta-me o tempo. Mas aqui fica, em sua representação, uma referência simbólica.
Dela me ficou para sempre na memória o discurso mais eloquente que eu ouvi. Foi proferido no primeiro ou num dos primeiros dias da Revolução Portuguesa de 1974.
Uma turba juntava-se a um pequeno estrado improvisado à frente do Quartel General do Porto e eu perdia-me entre todos no intuito de perceber o que se passava. Alguém disse umas palavras que, julgo agora, seriam para anunciar a presença de Virgínia Moura.
Pequena, magra, muito morena, dificilmente emerge da multidão apesar do palanque, e eu que mal a vi e que posso estar a trocar o dia e o local, não tenho dúvidas de lhe ouvir gritar, numa voz que arranhava as membranas da garganta com a violência da revolta:
«Morte à PIDE! Morte à PIDE! Morte à PIDE!».
Mais nada.
Essa voz, esse discurso, nunca mais me saiu da memória. Ele carregava uma vida de luta e de sofrimento às mãos dos carrascos salazaristas que são tão acarinhados nos nossos dias em alguns orgãos de informação. Essa voz sofrida e justa, ainda hoje reclama contra os abusos do Poder, nomeadamente o abuso da palavra e o abuso da repressão económica.
Foto original de busto de Virgínia Moura tendo o antigo edifício da PIDE/Porto, em fundo. As restantes fotos são também de Virgínia Moura.
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