Esta delegação de poderes acaba por ser, nesta medida, não o exercício de soberania do Povo mas sim o exercício de alienação de poder e responsabilidade em relação ás políticas concretas. É aqui que reside a a insatisfação dos cidadãos que se absteem de participar nos actos eleitorais.
Mas isto não justifica a campanha anti-partidos que tem alastrado nos últimos tempos. A abolição dos partidos é uma opção que vigora em Cuba, na China ou na Coreia do Norte e que vigorou no Portugal de Salazar, na Itália de Mussolini ou na Alemanha de Hitler, sem que o sistema seja recomendável.
Se o papel dos partidos na organização política é criticável, não é porque eles não representem as diferentes vontades dos eleitores em matérias essenciais como a configuração do Estado, e não é também porque eles não tenham mecanismos de selecção, de apuramento dos melhores cidadãos do ponto de vista dessas questões políticas essenciais, é porque os escolhidos são investidos de poder para decidir sobre todas as outras matérias da política corrente - votar num partido é votar num pacote de opções políticas, umas desejadas e outras não.
Além disso, escolhemos um partido e os seus dirigentes em função de grandes objectivos, de razões ideológicas, digamos, mas alienamos o controlo e a decisão sobre as políticas concretas. Quem escolhe um partido democrata-cristão, por exemplo, não controla se as leis que o partido propõe ou aprova, são democráticas ou cristãs e muito menos se elas são conformes aos ideais e à vontade dos apoiantes partidários. António Costa contra A. José Seguro, Manuela Ferreira Leite contra Passos Coelho ou Bagão Felix contra Paulo Portas, são alguns dos exemplos mais visíveis deste problema – quer tomemos por genuínas as suas posições públicas, quer reflictam elas, apenas, os sentimentos dos seus correligionários.
Organizações recentes e antigas, como a Associação dos Pensionistas e Reformados ou a Associação de Inquilinos, entre tantas outras, exprimem esta necessidade de criar formas de representação de interesses específicos que atravessam os espaços ideológicos dos partidos. Não é porque estas organizações não possam ser contaminadas por estratégias partidárias ou até sindicais, mas são-no muito menos, devido à sua composição politicamente transversal. Penso que é mesmo sua função dialogar com outras organizações e poderes.
A questão, portanto, é saber se a organização política através do sistema eleitoral pode, ou como pode, fazer representar a vontade concreta dos cidadãos no poder político e não os deixar na dependência da filtragem partidária. A grande questão, em última análise, é saber como eleger os políticos e as políticas, nominal e especificamente, em vez de assinar cheques em branco. E como removê-los do poder, por iniciativa dos cidadãos, sem ter que recorrer à violência.
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