11.9.13

O Porto está morto, viva o Porto

Escurece, e o Porto desaparece, foge do centro. As ruas principais vão-se tornando sombrias, ameaçadoras. Deserto, mais parece um cemitério. Quais mausuléus, também tem majestosos monumentos de granito trabalhado que se erguem para o céu e ali se perdem.

O Porto, à luz do dia, mostra-se esventrado e desfigurado; à luz da noite, é um labirinto de ruelas pardas e assustadoras por onde se arrastam vagabundos sombrios e prostitutas de carnes suadas.
O Porto foi entregue à indignidade.

Rua Sá da Bandeira

Senhores gestores do que resta da cidade: convido-os a descer as ruas da baixa, o ex-libris da cidade, ao que se diz. Desçam Santa Catarina de noite, quando o comércio está fechado. Mas não vão em cortejo porque assustam os fantasmas. Um hoje, outro amanhã, sem escolta, sem cão e sem BMW. A pé, abandonados à cidade que inventaram.

Se tiverem a coragem de seguir mesmo até ao fundo da rua que oferecestes aos vossos eleitores, ireis desaguar na Praça da Batalha onde dorme tudo quanto de dia é ouro: o café Chave d’Ouro, o cinema Águia d’Ouro e o mijadouro que existia por baixo da Igreja e já não há porque foi soterrado.

Era suposto ser o "hall" de entrada sul, da cidade que fizestes, a Praça da Batalha, mas nem o Cine-Teatro S. João lhe empresta respeitabilidade; está para ali, entre os tremoços e as cervejas das esplanadas terceiro-mundistas que rodeiam a praça. Experimentem sentar-se a uma mesa dessas chafaricas. E como prémio pelo esforço, ficam dispensados de conhecer o resto da cidade, a pé. Que, de carro, eu sei, conhecem tudo. Pode-se conhecer o mundo até de avião; viver lá é que não.
Depois, há aquelas duas zonas onde uma juventude estudantil se estuda, faz o seu curso nocturno para a vida adulta: entre o "Piolho" que não por acaso fica junto da Reitoria da Universidade, a Rua Galeria de Paris, José Falcão e Praça Filipa de Lencastre – um rodopio de gente linda e subsidiada que nos faz esquecer a outra gente, as outras famílias. Se não fossem os carros do lixo a importunar, limpando o que a gente linda suja, nem se dava por que há outra realidade. Mas "está-se bem": seja feliz quem pode e nos contagie com a sua alegria. "Do tipo. Tás a ver?"


A questão é que nada desta animação se deve aos autarcas do Porto. O que se lhes deve é a degradação das ruas centrais: Santa Catarina, Sá da Bandeira, Avenida dos Aliados…

Ah, sim, eu sei: a ribeira, a histórica e deslumbrante ribeira que embalou gerações de tripeiros e foi descoberta, finalmente, pelos estrangeiros. Aqui há algum mérito das Câmaras de Porto e Gaia no desenho das luzes que discretamente pontuam como estrelas, como luas, a paisagem sombria dos velhos casarios.

O resto, a animação, foi puxada pelo comércio local - com as virtualidades e as indigências locais. Animação que é feita mais uma vez pelos próprios frequentadores, um palhaço pobre, uma estátua humana e um cantor de bom gosto que à sua custa e do restaurante que o patrocina, entretém os circunstantes mais próximos.



Espanta-me, portanto, que um candidato a presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, venha declarar que não quer que o Porto se transforme numa Disneylândia para turistas. O que vale é que já ninguém quer saber o que pensa Moreira desde que Menezes vê legitimada a sua candidatura.

Nota:
A última foto é de Carlos Albuquerque e foi copiada de olhares.sapo.pt

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