Mostrar mensagens com a etiqueta Casamento. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Casamento. Mostrar todas as mensagens

2022/04/03

Porque hoje é domingo (117)

O “casamento” do direito civil com a doutrina religiosa seria, por si só, matéria para uma fecunda reflexão, mas não me quero afastar da questão concreta a que se refere a citação do Evangelho nas homilias de hoje: o episódio da “mulher adúltera” (Jo. 8:1-11).

Jesus perdoou “o pecado” pelo qual a mulher vinha acusada, mas não o fez em nome da liberdade individual, e sim por piedade. É isto que eu não perdoo ao Filho de Deus! – passe o atrevimento!

O adultério aparece como sendo a violação, transgressão da regra de fidelidade conjugal imposta aos cônjuges pelo contrato matrimonial, cujo princípio consiste em não se manterem relações carnais com outrem fora do casamento. Tal contrato matrimonial traduz-se de facto num contrato patrimonial em que uma pessoa prescinde do seu livre arbítrio em favor de outrem, em que alguém se faz propriedade de outra pessoa.

Esta minha reprovação da fidelidade contratual não interfere com a vontade livre dos cônjuges manterem uma relação exclusiva ditada por sentimentos genuínos mais ou menos duradouros, mas sim na fixação legal e social de tais comportamentos. Esta exclusividade voluntária é tão legítima quanto a abstinência amorosa. Que ela configure um compromisso e não uma circunstância, já me parece “adulterar” a verdade da relação, isso sim. E é uma pena...

2012/10/07

Porque hoje é domingo (25)

Apesar do desprezo institucional e da repugnância religiosa pela mulher, a Igreja Católica, invocando o Mestre, apropria-se do casamento e institui os moldes em que ele deve ser exercido – com muito amor e pouco sexo, todo motivado para a procriação e desviado do prazer sexual. É a palavra, uma vez mais, a contrariar a obra do Criador. É também o conceito de "camas separadas"!

Neste esforço de apropriação do casamento, Jesus teria proclamado: «O Homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne (…). Portanto, o que Deus uniu, o Homem não separe!».

Esta contradição de sentimentos, tão radical na condenação da carne como na sua defesa, não tinha outra razão de ser que não fosse a condenação do divórcio – o tal adultério. Dadas as circunstâncias históricas, qualquer coisa me diz que o lobie dos homens tinha interesse neste princípio para evitar que as mulheres lhes fizessem o que eles faziam a elas, já que eles facilmente escapavam ao cumprimento da regra.


Uma passagem dos evangelhos, atribuída a S. Marcos (Mc 10,2-16) refere que Jesus condenou o adultério nestes termos: "O homem que mandar a sua esposa embora e casar com outra, estará cometendo adultério contra a sua esposa. E, se a mulher mandar o seu marido embora e casar com outro homem, ela também estará cometendo adultério.


É o que a Igreja invoca neste domingo nos seus infinitos canais de comunicação, desde os púlpitos mais tradicionais até às transmissões satelitizadas.

Esperemos que ao menos alguns sacerdotes europeus, com verdadeiro sentido de justiça e fraternidade, se lembrem de condenar nesta oportunidade os maiores pecados que hoje se praticam contra as famílias: o empobrecimento, o desemprego, o trabalho precário, a emigração económica…

Entre nós, D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, e D. Jorge Ortiga, Bispo de Braga, já deram uma boa contribuição, mas é evidente que os nossos governantes gostam mais das homilias do cardeal Policarpo.

2010/01/04

A Família existe

Des-instituído o casamento, por força do meu post anterior – nem menos! – ficou a Humanidade suspensa da minha decisão sobre o destino a dar à família. É a isso que venho desta vez. Não o fiz ontem por ser o Dia do Senhor (Dominus dei) .

Pormenor da pintura de El Greco - "A Sagrada Família"
Ao contrário do casamento, a família não depende de qualquer convenção pessoal, cultural ou jurídica. Existe como a Humanidade; é uma realidade objectiva e natural. É um elemento estrutural – materialmente estrutural – da Humanidade como a água é estruturante do vinho (mais do que alguns desejariam) e o açúcar é estruturante da maçã (principalmente da maçã assada!).

Enquanto um casamento se faz e se desfaz – legal ou factualmente – já a família, uma vez criada, persistirá até à morte dos seus membros. No casamento está-se (está-se casado); na família, é-se (é-se familiar). O casamento junta; a família nasce. Nasce com uma criança.

Pais e filhos são uma realidade e uma relacionalidade objectiva e material independentemente das circunstâncias e dos vínculos afectivos e jurídicos existentes entre os membros.

Talvez não seja alheio a esta noção que o cristianismo se desinteresse tanto pelo casamento de José e Maria ao mesmo tempo que sacraliza a Sagrada Família. Diga-se de passagem que a falta de coito entre os pais de Jesus deve ser levada à conta de metáfora bíblica, como tudo o resto segundo explicações recentes das autoridades eclesiásticas a propósito do livro Caim!

É sobre esta realidade natural – tão natural como o mel das abelhas e o veneno das serpentes – que a organização política tem que assentar ao parir as suas leis. Diferentemente do que parecem pensar alguns políticos e economistas, não é a família que deve obediência à organização política e económica, é o contrário. E qualquer tentativa de inverter este sentido estará condenada ao desastre. É a vida.

Sobre esta problemática muita tinta correu entre os pensadores antes de mim – embora sem a minha qualidade, claro!... Há até quem fale numa “Ciência da família” – no mesmo sentido em que se fala da História como ciência. Ali está o casamento como aspecto central, do monogâmico, do poligâmico, do poliândrico... Mas é nítido que em todas as formas, o que é determinante é a procriação e não o facto de duas ou mais pessoas viverem mais ou menos juntas e partilharem mais ou menos bens. Sobretudo quando se trata dos ancestrais acasalamentos entre familiares directos.

Engels* procura, com base nos estudos de Morgan sobre os iroqueses** (...) caracterizar os sistemas de parentesco e formas de matrimónio que levaram à formação da família, descrevendo as suas fases, bem como os modelos criados ao longo do processo de desenvolvimento humano. A invenção do incesto é o passo decisivo na organização da família propriamente dita, mas como, neste estágio primitivo, as relações carnais eram reguladas por uma promiscuidade tolerante ao comércio sexual entre pais e filhos e entre pessoas de diferentes gerações, não havendo ainda as interdições e barreiras impostas pela cultura, nem relações de matrimónio ou descendência organizadas de acordo com sistemas de parentesco culturalmente definidos, não é possível falar em família nesse período.
(Recortado de Luciana Marcassa, doutoranda em Educação pela UNICAMP)

“Não é possível falar...” quer dizer, para mim, que não se inscreve no nosso conceito cultural, não quer dizer que não estabeleçam de facto entidades familiares.

Um casal homossexual – já que vinhamos falando do assunto - não acrescenta nem diminui nem verte nem subverte nada do que venho dizendo. Se um elemento de tal casal é pai, a sua família é constituída por si com o filho e a mãe, independentemente de alguma vez terem vivido juntos e partilhado alguma coisa mais que o sangue. O companheiro ou companheira que vive com a pessoa homossexual não constitui família com ela.



A família inscreve-se na árvore genealógica; a partilha de vida (incluindo a vida sexual) inscreve-se na rêde social.


Num sentido extenso e deturpado diz-se que Paulo Portas pertence à mesma família de Ribeiro e Castro ou Telmo Correia – a “família política”. Mas no sentido rigoroso ele pertence à família de Miguel Portas, isso sim. E a prova de que este conceito de família é usado sem propriedade, é o facto de Zita Seabra ter deixado de pertencer à “família” de Jerónimo de Sousa – o que não pode acontecer numa família real. Eu disse família real ?!

*“A Família”, capítulo II do livro “Estágios Pré-Históricos de Cultura";
** Morgan desenvolveu estudos sobre os laços de parentesco entre as tribos indígenas localizadas no Estado de Nova York na pré-história.

2010/01/02

CONTRA O CASAMENTO...

A propósito da discussão e votação dos projectos de lei sobre "igualdade no casamento", dia 8 de Janeiro. Casamento homossexual, sim ou não? Eu sou contra. Sou contra todas as formas de casamento.

Porque não é a questão homossexual que está em causa, ao contrário do que se salienta na polémica em curso. É mesmo a questão do casamento. É a questão de saber se ainda faz sentido contratualizar uma relação que é de natureza sentimental e não mais de natureza económica, agora que a mulher deixou de ser economicamente dependente do marido.

É sabido que os conceitos de casamento e de família não são eternos nem imutáveis, têm uma história que vem a ser contada desde 1861, pelo menos, em O direito Materno, de Bachofen, e que recebeu contributos não menos importantes de Morgan e de Engels, para falar apenas de notáveis “clássicos”. É sabido que o casamento teve formas culturalmente aceites que hoje seriam consideradas doentias e repugnantes... Não deveriam ir por aí os que invocam uma “natureza”, uma “essência” de tais relações. Abordarei a questão, portanto e apenas, no contexto civilizacional em que vivemos.

A relação entre o casamento e a procriação é meramente cultural e é factualmente inconsistente - haja em vista os filhos de mães solteiras e os casais sem filhos, por exemplo, que não são aberrações da natureza mas produtos de circunstâncias tão aleatórias como grande parte dos nascimentos de casais convencionais. Os seres humanos nascem do coito heterossexual e não do casamento heterossexual - são realidades autónomas.

A relação entre casamento e amor é outro sofisma bem identificado na História, como os casamentos desde criança até aos casamentos entre desconhecidos, a que se juntam os modernos casamentos de conveniência para legalização de migrantes, por exemplo. As pessoas que se casam sem amor e as pessoas que se amam e não casam, são esmagadoramente mais do que aquelas que se casam por amor. Amor e casamento são também realidades autónomas, portanto.

O casamento vincula uma relação económica conjugal e paternal, isso sim. Regula juridicamente a partilha e a herança de patrimónios. E não há casamento que o não faça. As eventuais cláusulas restritivas ou revogatórias deste vínculo inerente ao casamento só confirmam a sua natureza coerciva real.

Com a vulgarização da opção “comunhão de adquiridos” ou “separação de bens”, e com a faculdade de designar herdeiros por testamento, além da igualdade de acesso a rendimentos por parte dos dois géneros, devido à entrada generalizada a mulher no mercado de trabalho, para que serve de facto o casamento?

Desaparecidas as razões económicas que estiveram na sua origem e as funções de compromisso e dominação pessoal entre os cônjuges, estas eliminadas pelo direito ao divórcio, o casamento faz tanta falta à sociedade como a aliança faz falta ao dedo – é um ritual, e como ritual, não pertence mais à regulação específica do estado moderno. Em que é que o casamento homossexual carece mais desta regulação do que o casamento tradicional? Em nada. Logo, acabe-se com todas as formas institucionais de casamento.

Acresce a tudo isto, a meu ver, que o casamento serve para tornar mais dramática e humilhante uma eventual separação futura. É o sentido de posse e autoridade pessoal, não o sentimento de afecto, que o casamento acrescenta à relação dos parceiros.

(Entendamo-nos: não foi de família que estive a falar; foi só de casamento; não foi de uma realidade natural, foi de uma instituição jurídica).

Pode consultar: Proposta de lei do Governo ; Projecto de Lei do BE ; Proposta de Os Verdes ; Movimento pela Igualdade