20.4.10

Economia é soberania

Uma pergunta do PSD sobre as remunerações atribuídas ao Presidente do Conselho de Administração da EDP, levou o primeiro-ministro a afirmar-se contrário a “uma escalada gananciosa dos ordenados dos gestores” *

Era tudo o que faltava para se reunir uma unanimidade política acerca do assunto. No entanto, essa esmagadora unanimidade não teve a menor influência na matéria. O que diz muito sobre quem manda, se a democracia política, se a oligarquia económica.
Não é todos os dias que Karl Marx recebe uma demonstração tão clara da sua tese sobre a importância determinante do poder económico e, corolário disto, o imperativo político e democrático das nacionalização dos grandes meios estratégicos de produção.

Por outras palavras...

O enriquecimento ilícito e o enriquecimento escandaloso não são o mesmo fenómeno no plano da Justiça (institucional), mas já o são no plano da justiça (popular). Não são o mesmo fenómeno na moral dos ricos mas já são o mesmo fenómeno na moral dos pobres. Não são o mesmo fenómeno na ideologia capitalista e liberal, mas já são o mesmo fenómeno na ideologia socialista, desde a mais utópica à mais científica. Isto porque só há uma riqueza, tal como há só uma Terra – o que é plural são os cofres, as quintas, e os respectivos proprietários.

O lucro, a apropriação da riqueza social – porque é produzida pela sociedade – é não só um direito como até o motor do desenvolvimento económico, na perspectiva do sistema capitalista; mas já é um crime e um entrave ao desenvolvimento social, na perspectiva do sistema socialista.


Para que um gestor M. possa auferir rendimentos absurdos, são necessárias 3 condições: que os trabalhadores da empresa ganhem ordenados vulgares, que os consumidores paguem caro os produtos que a empresa vende e que o gestor partilhe dos lucros como os capitalistas e não dos salários como os trabalhadores que criam as mais-valias.
Por outro lado, para que os rendimentos escandalosos do senhor M. pareçam lícitos e necessários, é preciso manter, defender e proclamar o dogma capitalista, e diabolizar qualquer discurso ou medidas que o possam comprometer ou desconfortar. O anti-comunismo, por exemplo, joga aqui um papel histórico fundamental e recorrente. Mas afirmar simplesmente que os críticos são radicais e invejosos também funciona bem...

Pese embora a favor do argumentário capitalista, o rumo despótico dos países que se reclamam do comunismo, e a cumplicidade com eles por parte dos partidos comunistas em países capitalistas, nada disso desmente a análise marxista do caracter injusto e cruel da economia capitalista e o imperativo de um “novo modelo social” e económico, que apenas se cumpre com a reapropriação social da riqueza e do poder nacional. Isto que hoje parece anacrónico a muitos espíritos domesticados pelo discurso dominante, impor-se-à como inovador e imperativo se e no dia em que o agravamento das condições sociais – depois da crise financeira e da crise económica – atingir níveis insuportáveis para a população.

Tão inesperado como o 25 de Abril de 1974 ou como a implosão do bloco soviético, alguém acabará por abrir essa fenda vulcânica por onde as forças sociais anseiam explodir a sua indignação. Até lá, vai prevalecendo uma certa reserva de esperança, uma certa anestesia política que dá sinais de enorme fragilidade, aliás, quando ouvimos todos os partidos indignados, mas todos, tão indignados como impotentes para corrigir o que é incorrigível no seu quadro ideológico: os crimes socio-económicos do capitalismo.

* José Sócrates em RTP.PT em 16 de Abril

1 comentário:

Mar Arável disse...

Há muitos anos alguém pedia desculpa por esta democracia

sem propor alternativas
nesta terra que pisamos

todos