22.9.14

Marxistas e cristãos

Continuação do assunto tratado em
“Porque Hoje é Domingo (55)”


Aquilo que o proprietário distribui pelos trabalhadores não é a sua riqueza – a sua terra. Esta permanecerá integralmente nas suas mãos. O que ele distribui é a riqueza que os trabalhadores produzem, fazendo uso dos meios do proprietário. São os trabalhadores, eles sim, colectivamente, que acrescentam riqueza! São eles os reais produtores

Portanto, o que o proprietário distribui em forma de “retribuição”, é aquilo que não lhe pertence e, ainda assim, só uma parte disso, visto que se apropria de outra parte para si.

Nesta distribuição da riqueza produzida pelo trabalho, entre os trabalhadores, o proprietário (dos meios de produção) e o Estado (através de impostos que supostamente voltam para a comunidade em forma de serviços e bens públicos), o que distingue o sistema socialista é que o propietário-capitalista não faz parte do sistema, logo a riqueza produzida reverte toda ela para os trabalhadores, de forma directa ou indirecta.

O socialismo assim entendido como o entendem os marxistas, não pode ignorar que há proprietários e há trabalhadores que escapam a esta lógica. Isto é: há proprietários que têm um papel positivo também na economia socialista, e há trabalhadores que não trabalham ou não o fazem em proporção com os seus rendimentos.

A primeira questão tem sido respondida caso a caso, país a país e de forma diferente em épocas diferentes. Por exemplo: actualmente, em Cuba, promove-se o trabalho por conta própria, "los cuentrapropistas" em alguns sectores de actividade que antes estavam interditos.

Talvez se possa dizer que o socialismo moderno tende a consentir na propriedade privada dos meios de produção conforme a dimensão destes e a sua importância estratégica para a economia nacional. Água, electricidade, comunicações e banca, muito dificilmente se enquadram no grupo de actividades privadas no sistema socialista.


A segunda questão, a retribuição dos trabalhadores, é a que se prende com a parábola de Jesus que invoquei no artigo anterior “Porque Hoje é Domingo (55)”! É a questão de saber os critérios de distribuição da riqueza produzida.

O critério subjectivo do proprietário, apresentado na parábola e aprovado por Jesus, é completamente injusto e incoerente, porque beneficia os que trabalham menos, com o esforço dos que trabalham mais – é uma forma de exploração de uns trabalhadores por outros trabalhadores.

O critério subjectivo de classe, segundo o qual há sub-classes privilegidas que auferem rendimentos desproporcionados em relação a outras – administrativos em relação a operários, p. e. – é também considerado injusto e é contrariado no critério marxista. Voltando a Cuba como exemplo, um professor ou um médico ganha ao nível de um empregado sem qualificações académicas relevantes. Escusado será dizer que este “critério subjectivo de classe” que vigora nos países capitalistas, se encontra frequentemente na prática de países socialistas de forma perversa.

Curiosamente, o marxismo apresenta um critério de distribuição da riqueza produzida, que não é, também ele, objectivo. Isto é: não se trata de atribuir a cada um segundo o seu trabalho. A máxima é: "de cada um segundo as suas possibilidades, a cada um segundo as suas necessidades" . E isto conciliaria Karl Marx com Jesus e o proprietário na parábola, se este, na sua distribuição desproporcionada do dinheiro, a fizesse em razão das necessidades de cada um. Mas nada indica que fosse o caso.

Este critério marxista, em todo o caso, não é praticado na fase de retribuição directa do trabalho (no salário) mas sim no âmbito das responsabilidades sociais do Estado (nos preços dos serviços). E a social-democracia burguesa, ela própria, tem sido obrigada a aplicá-lo em certa medida, por força das exigências populares. É o caso dos apoios do Estado aos cidadãos mais carenciados, em matéria de saúde, ensino, transportes, etc.

A Venezuela, um país capitalista com um governo socialista de inspiração marxista, desenvolve desde 2003 campanhas de apoio material e efectivo às camadas mais desfavorecidas da população, através das chamadas “misiones”: misión vivienda, misión barrio adentro, misión mercal, etc., etc.


E enquanto a acção política prossegue a sua missão de promover a exploração ou a justiça social, a religião apela… às orações. É a apologia do imobilismo, da rendição ao poder constituído, justificado com aquela sentença de Jesus “politicamente correcta”: a César o que é de César…

Como se a Igreja não soubesse que Jesus estava “entalado” quando teve que dar aquela resposta. Como se a riqueza de César não fosse resultado da exploração desenfreada e dos saques perpetrados nas sanguinárias guerras imperiais.

2 comentários:

antónio m p disse...

Uma parte do trabalho incluído na mercadoria é trabalho remunerado; a outra parte, trabalho não remunerado. O capitalista (mais vulgarmente os seus intermediários) vende não só o que lhe custou o trabalho incorporado na mercadoria pelo trabalhador, e outros custos reais de produção, como também o que não lhe custou nada.

O custo da mercadoria para o capitalista e o custo real da mercadoria são coisas inteiramente distintas.

antónio m p disse...

«El trabajo por cuenta propia está representado a través por numerosas actividades, y las más representativas son trabajador contratado, elaboración y venta de alimentos en el domicilio, agente de telecomunicaciones, carretillero, productor y vendedor de artículos varios y del hogar, elaboración y venta de alimentos de forma ambulatoria».

http://www.radiohc.cu/noticias/economy/34444-aumenta-cifra-de-cuentapropistas-en-provincia-oriental-cubana