30.9.18

Carlos Alexandre perdeu no casino

O processo da Operação Marquês, que envolve muitos milhares de documentos e uma trama muito complexa, sai do juiz que o elaborou desde 2014, para um juiz que nunca trabalhou naquele processo e vai, portanto, ter que inteirar-se dele pela primeira vez. A condução do processo que sempre esteve nas mãos de Carlos Alexandre é agora atribuída ao juiz Ivo Rosa na fase de pré-julgamento.

Diga-se o que se disser, e a gente sabe como o Direito é fértil em argumentação, esta atribuição é absolutamente contrária a qualquer  racionalidade. Fazê-lo por sorteio, então, é uma monstruosidade.

Mais: que tenha sido usado um sistema electrónico de sorteio cujo rigor é confiado a um técnico de informática, um sistema que se demonstrou tão falível que só funcionou ao fim da terceira tentativa, deixa fundadas dúvidas sobre a sua fiabilidade. Como alguém argumentava há momentos (noite de 29 Set.) na TVI24, “o sorteio nunca seria concluído enquanto não ditasse a mudança de juz de instrução”.

Eu lembrei-me, inevitavelmente, do sistema “aleatório” com que funcionam os jogos electrónicos dos casinos, lá onde está sempre assegurado um resultado lucrativo para o estabelecimento – coisas que os técnicos informáticos sabem fazer. Não era mais simples e fiável o processo de bola-branca e bola-preta, por exemplo, quando se sabe que a escolha era entre duas pessoas apenas?!


Resta-me acrescentar que a atitude inédita de chamar os orgãos de Informação a “assistir ao sorteio”, eles que não têm qualquer forma de confirmar a rectidão do processo, longe de conferir maior fiabilidade, denunciam preocupação com ela!

23.9.18

Porque hoje é domingo (97)

O tema trazido neste dia à homilia da Igreja Católica invoca uma reunião secreta de Jesus com os discípulos ali para os lados da Síria, do Líbano ou de Israel. Mais propriamente, a Igreja invoca uma discussão entre os participantes sobre qual deles é o mais importante!


No domínio pessoal, a ambição de prestígio social é uma característica humana que não só se manifesta na política e no futebol mas também na religião como a História demonstra. Dirigir um clube, um partido ou uma ceita, é um objectivo que mobiliza, muitas vezes, métodos inconfessáveis como a conspiração, a corrupção, a violência pessoal ou de estado.

O Papa Francisco já tem denunciado a corrupção existente no próprio Vaticano, dizendo que na estrutura da Igreja pode encontrar-se "uma atmosfera mundana e principesca" e acrescentando que os religiosos "têm de contribuir para destruir este ambiente nefasto".

Jesus, que não conheceu pessoalmente este Papa, alertou também os seus discípulos nesta matéria (Marcos cap.30,v.33-35):
- O que é que vocês vinham a discutir no caminho?
Mas eles guardaram silêncio, porque no caminho haviam discutido sobre quem era o maior.
Sentando-se, Jesus chamou os Doze e disse: "Se alguém quiser ser o primeiro, será o último, e servo de todos"
.

Convenhamos que há alguma ambiguidade neste discurso, quer pensemos em Ronaldo, em Patrícia Mamona ou em Fátima Carneiro que acaba de ser eleita a patologista mais influente do mundo... Mas há que atender ao contexto. No contexto e no sentido oculto dos discursos é que está a verdade! Por isso é que foram inventados os “comentadores” a quem Deus conferiu o poder interpretar os factos. E não falo só dos comentadores que interpretam "as palavras de Deus", os sacerdotes, falo também dos comentadores generalistas, por assim dizer, que fazem carreira nos jornais e nas estações de televisão nem sempre com rigorosas intenções.

9.9.18

Porque hoje é domingo (96)

“Ele até põe os surdos a ouvir e os mudos a falar" – disseram aqueles que assistiram ao milagre de Jesus (Marcos 7, 31-37). Em rigor, Jesus não pôs os surdos a ouvir e os mudos a falar; apenas terá posto um surdo a ouvir e um mudo a falar – o que não é pouco, reconheço, embora muito menos do que fazem os médicos.

Desta vez vou perfilhar a homilia da Igreja Católica tal como ela interpreta as palavras de Jesus. Sim, também acho importante denunciar a incapacidade mental para ouvir, essa surdez voluntária que nos inibe de compreender o pensamento dos outros, os sinais da Natureza e até outros, quem sabe.

Não levarão a mal que foque a minha homilia no domínio político, seja para criticar a surdez intelectual, seja para silenciar aquilo que se ouve, nomeadamente nos orgãos de informação (vulgo: Comunicação Social). E, tal como Jesus – passe a presunção! – aproveite um pretexto da actualidade.

O pretexto do dia é a notícia do The New York Times
segundo a qual «A Administração norte-americana reuniu secretamente com militares rebeldes da Venezuela no sentido de discutir planos de um golpe de Estado contra o Presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

Sim, a Venezuela atravessa uma grave crise social, política e económica, que já levou à fuga de mais de dois milhões de venezuelanos para o estrangeiro, desde 2015. Sim, o regime e nomeadamente o presidente tem uma enorme responsabilidade nesta situação. Mas fica mal ao jornalismo audiovisual português emudecer sobre o assunto, ele que assim faz de nós surdos e mudos sobre a complexa realidade venezuelana.

2.9.18

Porque hoje é domingo (95)

 As mãos sujas da Igreja

O Papa pediu perdão pelos casos de abuso sexual de crianças e adolescentes cometidos por padres e pediu “à Nossa Senhora” que ajude o clero na reparação de “tanta violência”.

Muito teria a Igreja que pedir perdão pela violência com que trata a Humanidade desde sempre, a quem acusa de estar contaminada desde o nascimento pelo que chama “pecado original”.

A Igreja tem vergonha do corpo humano. Para os cristãos, e não só, Deus criou as almas e o demónio criou os corpos que importa sacrificar até ao desespero para salvação do espírito. A Igreja humilha constantemente os seres humanos que considera pecadores por natureza – o seu deus lá saberá o que fez...

Em nome do combate à heresia, a Igreja Católica, quando pôde, promoveu falsos julgamentos, queimou “bruxas” e livros proibidos, torturou e matou. Não, a hierarquia católica não encobriu apenas entre 1975 e 2004 as denúncias para evitar o escândalo. Ela promove a violência desde sempre, antes do mais, na consciência dos crentes. É o papel das religiões em geral.

Para reparar os males futuros, a Igreja, que tem na sua história um cortejo interminável de vítimas,  teria que deitar o fogo aos paramentos, libertar as suas bibliotecas secretas, devolver aos crentes a riqueza extorquida, libertar o seu imenso património, fechar as caixas das esmolas e as portas do Vaticano. Só assim poderia “lavar as mãos” - para usar a metáfora central da homilia de hoje (Mc 7,1-8.14-15.21-23). 

Os poderes mais reaccionários deste mundo, porém, nunca lho perdoariam, de tal modo precisam do seu trabalho na repressão física ou psicológica dos povos. Para já não falar nas conveniências dos seus “bondosos” profissionais, a começar pelo próprio Papa. 

1.9.18

Paz, liberdade e mitos

Aquela ladainha em que se diz que os homens procuram a paz ou que os homens procuram a liberdade, mereceu em 1931 um reparo pertinente de Miguel Unamuno. Escrevia ele (1) que «os homens procuram a paz em tempo de guerra e a guerra em tempo de paz; procuram a liberdade sob a tirania e procuram a tirania sob a liberdade».

Sem pretender colocar-me ao nível daqueles que interpretaram já o sentido completo desta tese, e muito menos ao nível do próprio autor, invoco apenas a autoridade que me advém de ser humano, racional e interessado no assunto para exprimir a minha própria opinião. A minha única vantagem é ter mais noventa anos de História, passe a ironia.

Não perfilho a opinião do autor em sentido literal e menos ainda a interpretação de Fernando Savater – no que me estou a meter...! Este, além de aceitar a tese, acrescenta que se trata duma necessidade psicológica de mudança (palavras minhas). (2) 

Necessidade de mudança, sim, no sentido em que o cidadão vive sempre insatisfeito. Mas sendo verdade que atribui a culpa disso ao regime vigente, trata-se em última análise da natureza humana ou, afinal, de toda a Natureza. Doutro modo o mundo e as espécies viveriam imutáveis, isto é, não viveriam. A vantagem dos homens é ter alguém a quem culpar com maior ou menor razão e alguém a quem apelar, deuses e santos incluídos.

Basta ver um noticiário, um jornal de qualquer dia, para encontrar movimentos sociais obstinados na restrição das liberdades (repúdio das migrações, p. e.) e povos obstinados na morte de outros povos (guerras “patrióticas”, p. e.). 

Os gritos de guerra que a ficção reportava aos índios americanos são o dia-a-dia de Donald Trump e Benjamim Natanyau de formas mais sofisticadas, é certo, e para citar apenas “os maus” da fita...  mediática.  

(1) A Agonia do Cristianismo
(2) A Arte do Ensaio.