26.11.12
Olhos postos na América Latina
A democratização e o desenvolvimento que as forças progressistas da América Latina têm trazido à região, do Brasil à Venezuela, do Equador à Argentina, nomeadamente, estão a atrair nos últimos anos a atenção e o interesse dos países de outros continentes, promovendo relações económicas de novo tipo. Para trás ficam séculos de arrogância e exploração do “velho mundo” desenvolvido, sobre esses povos, sobre essas culturas, sobre essas economias.
É bem significativo dos novos tempos, que no plenário da recente cimeira ibero-americana os governantes latino-americanos criticassem unânime e abertamente as medidas adoptadas na Europa para fazer face à crise, advertindo que o excesso de austeridade impede o crescimento e pode causar o contágio ao outro lado do Atlântico – na verdade já está a causar.
A maioria dos dirigentes lembrou na cimeira como a sua região sacrificou uma “década perdida” para seguir políticas de ajustes ditadas pelos órgãos multilaterais com prazos difíceis de cumprir. Entretanto, o presidente do Peru, Ollanta Humala diria ainda que “a Europa é maior que os seus problemas”.
UM MERCADO ATRAENTE
Hoje a Espanha e Portugal, em diferentes escalas, confrontados com a crise económica e financeira na Europa, e com as políticas individualistas dos países que compõem a União, mas também confrontados com os avanços da China, da Rússia e de outras potências na América do Sul, sentem uma grande necessidade de aproximação à “Pátria Grande” de Simon Bolívar.
O mercado latino-americano vale quase 4,5 biliões de dólares e vai continuar a crescer - um espaço económico atraente em tempos de crise. São considerados países “com estabilidade”, com “expetativa de crescimento” nos próximos anos, ao contrário do que se verifica na zona euro.
Só no Brasil há 60 milhões de consumidores que têm maior poder de compra agora, após terem ascendido em termos socioeconómicos. No entanto as exportações ibéricas ainda são muito fracas para a América Latina, ao contrário dos investimentos.
PRESENÇA DE ESPANHA
A Espanha, além de uma forte presença nas telecomunicações, energia, infraestruturas tem mais de 20% do mercado bancário da região. Os dois maiores bancos e outras grandes empresas da América Latina são espanholas. Mas ainda assim esses investimentos representam uma parte muito pequena do capital investido por Espanha no exterior. Tanto mais quanto é sabido como a China tem sabido e conseguido aproveitar aquele espaço em franco desenvolvimento
PRESENÇA DE PORTUGAL
Da presença portuguesa na América Latina destacam-se empresas como a Lusiaves na Colômbia, a Sugalidal no Chile e a Sogrape na Argentina. Mas apenas 4,3% das exportações portuguesas se destinam à região.
O segundo mercado de Portugal na América Latina, depois do Brasil, é agora a Venezuela. Nos primeiros seis meses deste ano, as exportações de Portugal para a Venezuela alcançaram os 159 milhões de euros, mais do que em todo o ano de 2011 (152,8). A conta que apoia as nossas exportações para a Venezuela é “abastecida” com a nossa compra de petróleo.
CONCLUSÃO
Não estará na altura de trocar dois submarinos por dois navios mercantes?
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24.11.12
As pedras e as palavras
Até hoje, nenhum post inserido aqui teve tanto a ver com o título deste blogue - nome e imagem! Mas isto não é tanto um artigo, é mais um comentário a um artigo de JN.
Na comparação que faz entre o apoiante de Passos Coelho, provocador que apareceu num comício do PS, e os indivíduos que estiveram a atirar pedras à polícia, digo aos polícias, na sequência da recente manifestação de 14 de Novembro, JN deixa-me perplexo. A consideração que tenho por ele, se é quem penso que é, inibe-me de dizer mais!
Em todo o restante argumentário, no entanto, o JN prossegue numa lógica formal sobre teses “moralistas” e teses “militaristas” e sobre a diferença entre “os fins e os meios”, que me fazem duvidar das suas competências filosóficas, de tal modo se deixa levar pelas palavras – destas dizia Sartre, em "Les Mots", que são de tal modo fascinantes que por vezes nos fazem perder a noção da realidade – passe a citação de memória. Começo a duvidar, enfim, que o JN seja quem eu penso.
Finalmente o JN não percebeu que o que distingue aqueles indivíduos, de Gandhi, é que este estava verdadeiramente empenhado na revolução social e por isso, consciente da desproporção de forças com que contava, não se deixava entusismar com fogachadas contra forças bem armadas, arremetidas que duram apenas duas horas ou o tempo que as autoridades quiserem, e deixam um sabor a impotência, a frustração, a desistência, a divisão na base social de contestação. Definitivamente, este JN não é quem eu pensava que era.
Nem violência gratuita nem “abstenção violenta” à moda do PS. O que o país precisa é que os cidadãos reforcem a capacidade de intervenção da esquerda consequente nas instâncias do Poder, o que requer mais tempo do que duas horas, mais trabalho e mais coragem do que atirar pedras e incendiar caixas de lixo às escondidas.
Quem é o JN? Isso importa pouco. Há vários.
Na comparação que faz entre o apoiante de Passos Coelho, provocador que apareceu num comício do PS, e os indivíduos que estiveram a atirar pedras à polícia, digo aos polícias, na sequência da recente manifestação de 14 de Novembro, JN deixa-me perplexo. A consideração que tenho por ele, se é quem penso que é, inibe-me de dizer mais!
Em todo o restante argumentário, no entanto, o JN prossegue numa lógica formal sobre teses “moralistas” e teses “militaristas” e sobre a diferença entre “os fins e os meios”, que me fazem duvidar das suas competências filosóficas, de tal modo se deixa levar pelas palavras – destas dizia Sartre, em "Les Mots", que são de tal modo fascinantes que por vezes nos fazem perder a noção da realidade – passe a citação de memória. Começo a duvidar, enfim, que o JN seja quem eu penso.
Finalmente o JN não percebeu que o que distingue aqueles indivíduos, de Gandhi, é que este estava verdadeiramente empenhado na revolução social e por isso, consciente da desproporção de forças com que contava, não se deixava entusismar com fogachadas contra forças bem armadas, arremetidas que duram apenas duas horas ou o tempo que as autoridades quiserem, e deixam um sabor a impotência, a frustração, a desistência, a divisão na base social de contestação. Definitivamente, este JN não é quem eu pensava que era.
Nem violência gratuita nem “abstenção violenta” à moda do PS. O que o país precisa é que os cidadãos reforcem a capacidade de intervenção da esquerda consequente nas instâncias do Poder, o que requer mais tempo do que duas horas, mais trabalho e mais coragem do que atirar pedras e incendiar caixas de lixo às escondidas.
Quem é o JN? Isso importa pouco. Há vários.
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23.11.12
Imagens de arquivo
A PSP pediu à Direcção da RTP cópias de imagens gravadas nas manifestações de S. Bento.
Independentemente de Vítor Gonçalves ter diligenciado a satisfação desse pedido, em termos burocráticos, o que está por esclarecer é quem decidiu a entrega desse material à Polícia. Uma vez que Vitor Gonçalves é director-adjunto, pode ter recebido ordens superiores – pode e deve. Isto é o que se refere à legitimidade da decisão, que se confina à RTP e à PSP.
Outra coisa é saber se a PSP pediu ou exigiu e se esta foi a autora inicial do pedido ou se o fez a pedido do ministério que a tutela. Será que ainda vamos ter que acreditar que é o Ministro da Administração Interna que quer as imagens para apurar se houve violência desproporcionada da parte dos agentes da autoridade? Pelo caminho que o Governo leva em matéria de comunicação com os cidadãos, não seria de admirar.
Para o caso de ser essa a “explicação”, aqui fica um comentário "ab anteriori”. Quem de nós não ficaria enraivecido depois das provocações e agressões físicas, dos insultos e pedradas que os "soldados" da Polícia foram obrigados a suportar durante horas? É que, enquanto choviam pedras sobre os polícias que prestavam serviço na Assembleia da República, "nem uma agulha bolia na quieta melancolia" dos agentes do Governo.
É por esta conclusão que insiro no início deste post uma imagem das lutas de gladiadores, com seu público e seus governantes rejubilando nos balcões do circo romano. Uma imagem pedida ao arquivo da RTP...
Independentemente de Vítor Gonçalves ter diligenciado a satisfação desse pedido, em termos burocráticos, o que está por esclarecer é quem decidiu a entrega desse material à Polícia. Uma vez que Vitor Gonçalves é director-adjunto, pode ter recebido ordens superiores – pode e deve. Isto é o que se refere à legitimidade da decisão, que se confina à RTP e à PSP.
Outra coisa é saber se a PSP pediu ou exigiu e se esta foi a autora inicial do pedido ou se o fez a pedido do ministério que a tutela. Será que ainda vamos ter que acreditar que é o Ministro da Administração Interna que quer as imagens para apurar se houve violência desproporcionada da parte dos agentes da autoridade? Pelo caminho que o Governo leva em matéria de comunicação com os cidadãos, não seria de admirar.
Para o caso de ser essa a “explicação”, aqui fica um comentário "ab anteriori”. Quem de nós não ficaria enraivecido depois das provocações e agressões físicas, dos insultos e pedradas que os "soldados" da Polícia foram obrigados a suportar durante horas? É que, enquanto choviam pedras sobre os polícias que prestavam serviço na Assembleia da República, "nem uma agulha bolia na quieta melancolia" dos agentes do Governo.
É por esta conclusão que insiro no início deste post uma imagem das lutas de gladiadores, com seu público e seus governantes rejubilando nos balcões do circo romano. Uma imagem pedida ao arquivo da RTP...
19.11.12
"Ainda" há homens com
«Este portal destinava-se a ajudar os alunos do segundo ano de uma licenciatura de escola pública universitária, numa disciplina com o nome de História do Presente. Acabei hoje, dia 10 de Maio, por ter que renunciar à respectiva coordenação e regência, por questões de dignidade pessoal e brio académico. Vou tentar utilizar o investimento feito noutras unidades orgânicas onde haja ideias de obra, manifestações e cumprimento das regras do Estado de Direito. E mais não digo. Porque tenho vergonha».
Quem fala assim é José Adelino Maltez, licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra e com o grau de doutor em ciências sociais, na especialidade de ciência política, pela Universidade Técnica de Lisboa . Alguém que nos habituámos a ouvir com atenção na Televisão, menos vezes do que gostariamos.
E de cujo “Cosmopolis” transcrevo, quase aleatoriamente, esta referência desempoeirada e certeira, ao ano de 1991:
«O Expresso elege como homens do ano um tal sindicalista Torres Couto, um tal intelectual Mega Ferreira, um tal secretário de Estado Santana Lopes e um tal tarimbeiro da política laranja, chamado Luís Filipe Meneses. Todos ilustres homens de sucesso sem obra-prima mas com muitas promessas de obra feita e, sobretudo, detentores daquele eficaz sentido de oportunidade que lhes permite saber apostar no vencedor».
Para "não citar" este seu comentário na Televisão, ele próprio uma invocação: «Nem tudo o que é lícito é honesto!».
Quem fala assim é José Adelino Maltez, licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra e com o grau de doutor em ciências sociais, na especialidade de ciência política, pela Universidade Técnica de Lisboa . Alguém que nos habituámos a ouvir com atenção na Televisão, menos vezes do que gostariamos.
E de cujo “Cosmopolis” transcrevo, quase aleatoriamente, esta referência desempoeirada e certeira, ao ano de 1991:
«O Expresso elege como homens do ano um tal sindicalista Torres Couto, um tal intelectual Mega Ferreira, um tal secretário de Estado Santana Lopes e um tal tarimbeiro da política laranja, chamado Luís Filipe Meneses. Todos ilustres homens de sucesso sem obra-prima mas com muitas promessas de obra feita e, sobretudo, detentores daquele eficaz sentido de oportunidade que lhes permite saber apostar no vencedor».
Para "não citar" este seu comentário na Televisão, ele próprio uma invocação: «Nem tudo o que é lícito é honesto!».
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17.11.12
Merkel dá mais pica
Na passada segunda-feira, dia 12, dona Angela Merkel era a estrela de S. Julião da Barra, trazendo no regaço um cesto de promessas, esclarecendo, porém, que a “ajuda financeira” não era de sua autoria mas sim da “troica” – talvez para acalmar a investida sedutora de Passos Coelho. Nem pão, nem rosas, mas palavras:«Farei tudo para que Portugal tenha um futuro feliz».
Como se nós não o soubessemos já…
Deste concurso de mentiras vale a pena acrescentar a “convicção” de Passos Coelho de que as “reformas estruturais” que estão a ser levadas a cabo em Portugal irão transformar o país «numa das economias mais dinâmicas da Europa».
Quem duvida?!
Entre as reformas em curso está, como se sabe, a alienação do património nacional (e dos próprios portugueses), onde se inclui a venda da TAP. Interessado nesta companhia aérea e em promover “o comércio, o investimento e o turismo”, também andou por aí um outro visitante com igual peso diplomático mas não económico apesar de ser a 3ª maior economia da América Latina: Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia.
Santos esteve cá dois dias, 15 e 16 de Novembro, um dos quais coincidiu com a Greve Geral da CGTP, o que obrigou o presidente português a furar a greve para recebê-lo. O presidente que em boa hora sucedeu a Álvaro Uribe - o “implacável exterminador” de sindicalistas e opositores políticos – foi recebido com simpatia e honras protoculares, mas os nossos orgãos de informação, ignorantes ou pouco sensíveis à América Latina que extravasa o Brasil, mal deram por quem nos convidava “a participar no grande programa de construção, ampliação e manutenção de infra-estruturas que Bogotá quer concretizar”.
Esta aproximação ou estreitamento de relações económicas de Passos Coelho e Paulo Portas, com a Colômbia social-democrata, parece rivalizar com as negociações económicas de José Sócrates e Manuel Pinho, a seu tempo, com a Venezuela socialista. Mas é manifesta a diferença de vantagens entre a venda da TAP e a venda dos computadores Magalhães – passe o exemplo a título simbólico.
Santos promove negociações de paz com as FARC, em Cuba; Santos abraça o projecto “integrador” da América Latina e Caribe, promovido pela Venezuela para a descolonização económica da região; Santos respeita a soberania dos outros países; Santos não anda cá para nos tramar como frau Merkel… E isso não dá pica.
Como se nós não o soubessemos já…
Deste concurso de mentiras vale a pena acrescentar a “convicção” de Passos Coelho de que as “reformas estruturais” que estão a ser levadas a cabo em Portugal irão transformar o país «numa das economias mais dinâmicas da Europa».
Quem duvida?!
Entre as reformas em curso está, como se sabe, a alienação do património nacional (e dos próprios portugueses), onde se inclui a venda da TAP. Interessado nesta companhia aérea e em promover “o comércio, o investimento e o turismo”, também andou por aí um outro visitante com igual peso diplomático mas não económico apesar de ser a 3ª maior economia da América Latina: Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia.
Na foto, os dois presidentes e suas Marias
Santos esteve cá dois dias, 15 e 16 de Novembro, um dos quais coincidiu com a Greve Geral da CGTP, o que obrigou o presidente português a furar a greve para recebê-lo. O presidente que em boa hora sucedeu a Álvaro Uribe - o “implacável exterminador” de sindicalistas e opositores políticos – foi recebido com simpatia e honras protoculares, mas os nossos orgãos de informação, ignorantes ou pouco sensíveis à América Latina que extravasa o Brasil, mal deram por quem nos convidava “a participar no grande programa de construção, ampliação e manutenção de infra-estruturas que Bogotá quer concretizar”.
Esta aproximação ou estreitamento de relações económicas de Passos Coelho e Paulo Portas, com a Colômbia social-democrata, parece rivalizar com as negociações económicas de José Sócrates e Manuel Pinho, a seu tempo, com a Venezuela socialista. Mas é manifesta a diferença de vantagens entre a venda da TAP e a venda dos computadores Magalhães – passe o exemplo a título simbólico.
Santos promove negociações de paz com as FARC, em Cuba; Santos abraça o projecto “integrador” da América Latina e Caribe, promovido pela Venezuela para a descolonização económica da região; Santos respeita a soberania dos outros países; Santos não anda cá para nos tramar como frau Merkel… E isso não dá pica.
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12.11.12
Porque hoje é domingo (27)
Jesus fala das diferenças de classes. Opps.
Observando o comportamento dos cidadãos que se dirigiam ao balcão das Finanças, passe a adaptação livre, Jesus comentou a diferença entre o que davam os ricos para a comunidade e o que davam os pobres.
Chamou os discípulos, como Dom Januário faria se fosse um verdadeiro representante de Cristo, e lhes disse: Eu vos asseguro que esta gente com menores recursos "dá mais do que todos os ricos pois todos eles deram do que lhes sobrava; ela, porém, na sua indigência, deu tudo que tinha, todo o seu sustento”.
Por estas e por outras se moveram as forças do Poder com a ajuda de alguns analistas e comentadores públicos, no sentido de difamar o Salvador e condená-lo.
Tanto mais que Jesus acusava os escribas - advogados com funções políticas, talvez deputados dos partidos do Poder, em adaptação livre aos nossos tempos – dizendo (Evangelho - Mc 12,38-44): “Tomai cuidado com os escribas. Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser saudados nas praças públicas, de ocupar as primeiras cadeiras nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes”. Traduzindo: Eles gostam de andar em automóveis de luxo, de ser elogiados nas televisões, de ocupar os espaços do Poder e os lugares de direcção das grandes empresas.
E também dizia Jesus sobre os escribas: “Devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Eles terão sentença mais severa”. As “casas das viúvas” são, para os novos escribas, as famílias empobrecidas a quem os tais deputados e governantes fazem longos discursos demagógicos.
E mais não digo eu para que se não perca a expectativa do que se dirá neste domingo por esse mundo fora onde a Igreja Católica faz a sua propaganda. Aviso apenas, pela minha parte, que nalgumas capelas haverá quem confunda o elogio dos pobres com o elogio da pobreza.
Observando o comportamento dos cidadãos que se dirigiam ao balcão das Finanças, passe a adaptação livre, Jesus comentou a diferença entre o que davam os ricos para a comunidade e o que davam os pobres.
Chamou os discípulos, como Dom Januário faria se fosse um verdadeiro representante de Cristo, e lhes disse: Eu vos asseguro que esta gente com menores recursos "dá mais do que todos os ricos pois todos eles deram do que lhes sobrava; ela, porém, na sua indigência, deu tudo que tinha, todo o seu sustento”.
Por estas e por outras se moveram as forças do Poder com a ajuda de alguns analistas e comentadores públicos, no sentido de difamar o Salvador e condená-lo.
Tanto mais que Jesus acusava os escribas - advogados com funções políticas, talvez deputados dos partidos do Poder, em adaptação livre aos nossos tempos – dizendo (Evangelho - Mc 12,38-44): “Tomai cuidado com os escribas. Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser saudados nas praças públicas, de ocupar as primeiras cadeiras nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes”. Traduzindo: Eles gostam de andar em automóveis de luxo, de ser elogiados nas televisões, de ocupar os espaços do Poder e os lugares de direcção das grandes empresas.
E também dizia Jesus sobre os escribas: “Devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Eles terão sentença mais severa”. As “casas das viúvas” são, para os novos escribas, as famílias empobrecidas a quem os tais deputados e governantes fazem longos discursos demagógicos.
E mais não digo eu para que se não perca a expectativa do que se dirá neste domingo por esse mundo fora onde a Igreja Católica faz a sua propaganda. Aviso apenas, pela minha parte, que nalgumas capelas haverá quem confunda o elogio dos pobres com o elogio da pobreza.
6.11.12
Os caminhos do capitalismo
Imaginemos uma sociedade em que os consumidores param de comprar! O resultado é que o comércio pára, a indústria pára, os empréstimos bancários às empresas e às famílias, param, e com isso param os lucros e os juros, e o capitalismo sucumbe. Aquilo que mantém o capitalismo “de pé” é a dinâmica imparável de acumulação de capital (entendido como riqueza reprodutiva).
Esta regra tem sido comparada a uma bicicleta:
só se equilibra enquanto estiver em movimento;
se pára, cai.
A geração de capital, por sua vez, depende da procura, e esta depende do poder de compra da população – é o consumo que alimenta o capital. Se o poder de compra é asfixiado pela subida dos preços, pela descida dos rendimentos ou pelo agravamento de impostos, o consumo retrai-se, o comércio retrai-se, a produção retrai-se, as empresas fecham, os trabalhadores caem no desemprego sobrecarregando as despesas do Estado que cai na insolvência. Os mesmos efeitos acontecem quando o nível de produção, de que se alimenta o capital, excede a capacidade normal de consumo – é a crise de sobreprodução.
O que gerou a crise global que estamos a viver não foi apenas o incentivo artificial ao consumo, foi a sobreprodução desacompanhada da capacidade de compra dos cidadãos – a precariedade laboral, o congelamento de salários, o desemprego, a subida dos preços e dos impostos fizeram com que o crescimento da produção se tornasse não só inútil como prejudicial à economia porque manteve os custos de produção sem escoamento no mercado ao mesmo tempo que agravava a retracção desse mercado. Mais: acelerava os mecanismos de concorrência entre as empresas e entre as pessoas, com efeitos desastrosos de insolvências e endividamentos progredindo em círculo vicioso.
Para que a bicicleta não caia, há a técnica do empurrão: os estados financiam os bancos para estes financiarem as empresas (*) para estas sustentarem o emprego para este dinamizar o consumo que alimenta o capital... Esta cadeia, porém, tende a quebrar-se nos bancos e nas empresas porque estas se apropriam dos apoios recebidos, para benefício pessoal dos grandes accionistas. “Políticas de controlo” dos financiamentos públicos virão encher os discursos oficiais enquanto os oficiantes repartem na realidade com os capitalistas os beneficios da crise.
Mas a crise continua a roer o tecido social, a gerar descontentamento, protesto, exigência de políticas económicas e sociais correspondentes às necessidades do país. E então, sem a confiança dos cidadãos nem os lucros do capital, os poderes políticos e económicos serão obrigados a dar de comer aos seus escravos para que estas possam continuar a encher-lhes o frigorífico – quem prescinde de criados tem que assumir as suas tarefas!
Por razões de sobrevivência do sistema, portanto, os próprios mentores do capitalismo chegarão a acordo entre eles para reduzir o caudal de lucros, na estricta medida em que isso seja necessário para manter a fonte a jorrar. “O perdão das dívidas” de que tanto se fala actualmente, segue esta lógica.
É a baixa da taxa geral de lucro e outras coisas de que falava Karl Marx. É a necessidade do socialismo económico.
*Actualização em 7 Nov 2012
"Precisamos de dar crédito. Eu imploro. (...) Nós precisamos de dar crédito para ter receitas", disse o presidente do BPI, no X Fórum da Banca promovido pelo Diário Económico.
Esta regra tem sido comparada a uma bicicleta:
só se equilibra enquanto estiver em movimento;
se pára, cai.
A geração de capital, por sua vez, depende da procura, e esta depende do poder de compra da população – é o consumo que alimenta o capital. Se o poder de compra é asfixiado pela subida dos preços, pela descida dos rendimentos ou pelo agravamento de impostos, o consumo retrai-se, o comércio retrai-se, a produção retrai-se, as empresas fecham, os trabalhadores caem no desemprego sobrecarregando as despesas do Estado que cai na insolvência. Os mesmos efeitos acontecem quando o nível de produção, de que se alimenta o capital, excede a capacidade normal de consumo – é a crise de sobreprodução.
O que gerou a crise global que estamos a viver não foi apenas o incentivo artificial ao consumo, foi a sobreprodução desacompanhada da capacidade de compra dos cidadãos – a precariedade laboral, o congelamento de salários, o desemprego, a subida dos preços e dos impostos fizeram com que o crescimento da produção se tornasse não só inútil como prejudicial à economia porque manteve os custos de produção sem escoamento no mercado ao mesmo tempo que agravava a retracção desse mercado. Mais: acelerava os mecanismos de concorrência entre as empresas e entre as pessoas, com efeitos desastrosos de insolvências e endividamentos progredindo em círculo vicioso.
Para que a bicicleta não caia, há a técnica do empurrão: os estados financiam os bancos para estes financiarem as empresas (*) para estas sustentarem o emprego para este dinamizar o consumo que alimenta o capital... Esta cadeia, porém, tende a quebrar-se nos bancos e nas empresas porque estas se apropriam dos apoios recebidos, para benefício pessoal dos grandes accionistas. “Políticas de controlo” dos financiamentos públicos virão encher os discursos oficiais enquanto os oficiantes repartem na realidade com os capitalistas os beneficios da crise.
Mas a crise continua a roer o tecido social, a gerar descontentamento, protesto, exigência de políticas económicas e sociais correspondentes às necessidades do país. E então, sem a confiança dos cidadãos nem os lucros do capital, os poderes políticos e económicos serão obrigados a dar de comer aos seus escravos para que estas possam continuar a encher-lhes o frigorífico – quem prescinde de criados tem que assumir as suas tarefas!
Por razões de sobrevivência do sistema, portanto, os próprios mentores do capitalismo chegarão a acordo entre eles para reduzir o caudal de lucros, na estricta medida em que isso seja necessário para manter a fonte a jorrar. “O perdão das dívidas” de que tanto se fala actualmente, segue esta lógica.
É a baixa da taxa geral de lucro e outras coisas de que falava Karl Marx. É a necessidade do socialismo económico.
*Actualização em 7 Nov 2012
"Precisamos de dar crédito. Eu imploro. (...) Nós precisamos de dar crédito para ter receitas", disse o presidente do BPI, no X Fórum da Banca promovido pelo Diário Económico.
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4.11.12
Os caminhos do socialismo
Em tempo de preparação do XIX Congresso do PCP mas também em tempo da VIII Convenção Nacional do BE e, já agora, do congresso do PCC - da China, não de Cuba - é oportuno reflectir sobre o que trouxe a experiência soviética à reflexão das organizações leninistas mais ou menos assumidas, nacionais ou internacionais.
Em 1985, Mikhail Gorbachev ascende a Secretário Geral do PC da União Soviética e proclama dois conceitos radicalmente novos na política da URSS: a “Glasnost” (transparência) e a Perestroika (reestruturação). Além disto, liberta da soberania russa as repúblicas integrantes da União. Porque é que o secretário-geral do Partido Comunista da URSS envereda por este caminho de que acabaria por perder o controlo?
A crise económica mundial dos anos oitenta apresenta-se na União Soviética de forma particularmente grave. Enquanto as economias capitalistas desenvolvidas registam os primeiros sinais de enfraquecimento do seu ritmo de crescimento industrial, na transição dos anos 60 para os anos 70, as economias periféricas registam, nesse momento, uma aceleração só travada depois do primeiro choque petrolífero, e as economias do leste conhecem uma desaceleração igualmente tardia mas mais profunda (passando o seu ritmo anual tendencial de 8,9%, em 1960-74, para 6,6%, em 1975-77, e para 4,7%, em 1978-81).
(Fonte: CEPII – citado por Augusto Mateus ).
Na União Soviética, à crise de energia e de produção na siderurgia e no petróleo, junta-se a falta de actualização e de manutenção em instalações de geração e linhas de transmissão, avarias associadas, grandes investimentos no sector agrícola sem correspondência no aumento de produção, depauperamento irremediável de equipamentos de produção neste sector, falta de capacidade de distribuição de grande parte das culturas básicas, estragando-se ou atrasando a sua chegada aos consumidores que eram obrigados a fazer grandes filas para aceder aos bens escassos que iam chegando, condições ecológicas desastrosas mesmo sem contar com Chernobil em todas as suas implicações.
Esta era a situação com que a direcção de Gorbachev se confrontava. Já não era possível continuar a fingir que o sistema tinha soluções e que o Partido tinha uma direcção visionária. Confrontada com a necessidade de fazer face a uma crise insustentável, a União Soviética tinha que procurar uma resposta séria e, para isso, era preciso partilhar com a sociedade os problemas e os caminhos a percorrer. Mas a necessária mobilização colectiva tinha que resolver uma questão prévia: a liberdade de informação e de crítica, a democratização política. É assim e por isso que o critério da transparência emana no projecto de reestruturação política.
Neste diálogo aberto com a sociedade civil, o mentor da nova política assumia que o socialismo apresentava erros na aplicação prática que teriam que ser corrigidos para preservar e melhorar o próprio sistema. Entretanto, para fazer face a questões concretas, Gorbachev assinala os gastos com a política internacional de defesa, nomeadamente a intervenção no Afeganistão e o apoio ou controlo das repúblicas socialistas da região. Isto mostra bem como era o problema económico a questão central desta reestruturação, não tanto as questões ideológicas ou sociais.
Porém, se a “Glasnost” surge como um elemento instrumental da reforma económica, ela gera consequências incontornáveis no sentido da democratização política e da libertação de correntes ideológicas alternativas. Estava aberto o caminho para questionar o sistema e o regime – que Gorbachev defendesse o Socialismo ou não, isso deixava de ser determinante num contexto em que a sua opinião estava sujeita ao escrutínio público ou ao confronto com outras correntes de opinião e de poderes facticos.
A manobra de Gorbachev para reencaminhar a URSS na direcção do socialismo autêntico pela via democratizadora, digamos assim,descontrolou-se porque expôs perigosamente o sistema aos ventos fortes que sopravam contra ele - esta é a única conclusão que muitos partidos comunistas, no poder ou na oposição dos seus países, extrairam com mais ou menos convicção. Uma lição simplista, incompleta, parcial, amputada, mais medo do que coragem, mais oportunismo do que coerência, que esconde a necessidade incontornável de reestruturação dos seus programas.
Se a política de Gorbachev acabou por trazer a recuperação económica às repúblicas, é outro capítulo desta história. A sê-lo, porém, poderia dizer-se que Gorbachev, depois de vencido politicamente, foi bem-sucedido no objectivo económico que prosseguiu. Este é o seu paradoxo. No mínimo, é o que os cristãos designam “escrever direito por linhas tortas”. Sobretudo se dermos de barato que não foi o “verdadeiro socialismo” o que saiu derrotado.
Em 1985, Mikhail Gorbachev ascende a Secretário Geral do PC da União Soviética e proclama dois conceitos radicalmente novos na política da URSS: a “Glasnost” (transparência) e a Perestroika (reestruturação). Além disto, liberta da soberania russa as repúblicas integrantes da União. Porque é que o secretário-geral do Partido Comunista da URSS envereda por este caminho de que acabaria por perder o controlo?
A crise económica mundial dos anos oitenta apresenta-se na União Soviética de forma particularmente grave. Enquanto as economias capitalistas desenvolvidas registam os primeiros sinais de enfraquecimento do seu ritmo de crescimento industrial, na transição dos anos 60 para os anos 70, as economias periféricas registam, nesse momento, uma aceleração só travada depois do primeiro choque petrolífero, e as economias do leste conhecem uma desaceleração igualmente tardia mas mais profunda (passando o seu ritmo anual tendencial de 8,9%, em 1960-74, para 6,6%, em 1975-77, e para 4,7%, em 1978-81).
(Fonte: CEPII – citado por Augusto Mateus ).
Na União Soviética, à crise de energia e de produção na siderurgia e no petróleo, junta-se a falta de actualização e de manutenção em instalações de geração e linhas de transmissão, avarias associadas, grandes investimentos no sector agrícola sem correspondência no aumento de produção, depauperamento irremediável de equipamentos de produção neste sector, falta de capacidade de distribuição de grande parte das culturas básicas, estragando-se ou atrasando a sua chegada aos consumidores que eram obrigados a fazer grandes filas para aceder aos bens escassos que iam chegando, condições ecológicas desastrosas mesmo sem contar com Chernobil em todas as suas implicações.
Esta era a situação com que a direcção de Gorbachev se confrontava. Já não era possível continuar a fingir que o sistema tinha soluções e que o Partido tinha uma direcção visionária. Confrontada com a necessidade de fazer face a uma crise insustentável, a União Soviética tinha que procurar uma resposta séria e, para isso, era preciso partilhar com a sociedade os problemas e os caminhos a percorrer. Mas a necessária mobilização colectiva tinha que resolver uma questão prévia: a liberdade de informação e de crítica, a democratização política. É assim e por isso que o critério da transparência emana no projecto de reestruturação política.
Neste diálogo aberto com a sociedade civil, o mentor da nova política assumia que o socialismo apresentava erros na aplicação prática que teriam que ser corrigidos para preservar e melhorar o próprio sistema. Entretanto, para fazer face a questões concretas, Gorbachev assinala os gastos com a política internacional de defesa, nomeadamente a intervenção no Afeganistão e o apoio ou controlo das repúblicas socialistas da região. Isto mostra bem como era o problema económico a questão central desta reestruturação, não tanto as questões ideológicas ou sociais.
Porém, se a “Glasnost” surge como um elemento instrumental da reforma económica, ela gera consequências incontornáveis no sentido da democratização política e da libertação de correntes ideológicas alternativas. Estava aberto o caminho para questionar o sistema e o regime – que Gorbachev defendesse o Socialismo ou não, isso deixava de ser determinante num contexto em que a sua opinião estava sujeita ao escrutínio público ou ao confronto com outras correntes de opinião e de poderes facticos.
A manobra de Gorbachev para reencaminhar a URSS na direcção do socialismo autêntico pela via democratizadora, digamos assim,descontrolou-se porque expôs perigosamente o sistema aos ventos fortes que sopravam contra ele - esta é a única conclusão que muitos partidos comunistas, no poder ou na oposição dos seus países, extrairam com mais ou menos convicção. Uma lição simplista, incompleta, parcial, amputada, mais medo do que coragem, mais oportunismo do que coerência, que esconde a necessidade incontornável de reestruturação dos seus programas.
Se a política de Gorbachev acabou por trazer a recuperação económica às repúblicas, é outro capítulo desta história. A sê-lo, porém, poderia dizer-se que Gorbachev, depois de vencido politicamente, foi bem-sucedido no objectivo económico que prosseguiu. Este é o seu paradoxo. No mínimo, é o que os cristãos designam “escrever direito por linhas tortas”. Sobretudo se dermos de barato que não foi o “verdadeiro socialismo” o que saiu derrotado.
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