31.8.14

Porque hoje é domingo (52)

O que mais me impressiona na narrativa deste domingo, da Igreja Católica, reportado por Mateus (16, 21-27), é a crueldade com que Jesus se dirige aos seus discípulos, nomeadamente a Pedro que será considerado o primeiro Papa.

Quando Jesus anunciou os sofrimentos que lhe estavam reservados por Deus-Pai (mais cruel ainda do que o Filho), Pedro teria tomado Jesus à parte e comentado: "Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!".

A resposta de Jesus teria sido esta: "Vai para longe, Satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!".

O resto é retórica com que os profissionais da religião se encarregam de valorizar de forma acrítica os santos paradoxos bíblicos, desenvolvendo-os e enfeitando-os. Mas é uma retórica perigosa que apela ao fanatismo.


Quando Jesus diz: "Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga, pois, quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la, e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”, em que é que isto é diferente do que dizem os combatentes do chamado Estado Islâmico (IS), por exemplo? Em que é que o suicídio de Jesus, em obediência aos "planos de Deus", é diferente do suicídio bombista dos terroristas islâmicos?

Além de que assentam ambos no medo e num negócio: “o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta".

Que Deus lhes perdoe – aquele outro heterónimo de Deus que proclama a caridade e a tolerância.

29.8.14

Isto é um assalto


Um filme de David Rebordão

27.8.14

Avante com a festa

Nascido como eu a 15 de Fevereiro (passe a ironia) mas de 1931, o jornal Avante tem a sua festa no fim do período normal de férias, seja porque nessa altura as instituições políticas retomam o seu funcionamento regular, seja porque essa é a mais favorável à construção da Festa e à adesão de visitantes.

A festa deste ano como acontece todos os anos, naturalmente, reflectirá nas participações artísticas e nas representações internacionais, nomeadamente, a capacidade financeira, a dimensão do prestígio e as simpatias internacionais do PCP.

De resto, é a revisitação da História, a actualidade política e os tradicionais pavilhões literários, artísticos e culturais, bem como as gastronomias regionais. Uma pluralidade de ofertas de géneros para uma pluralidade de públicos: desde os mais políticos aos mais apolíticos, dos mais degustativos aos mais festivaleiros.

Se não é possível conhecer a história da ditadura em Portugal, sem conhecer a história de resistência do PCP, o mesmo se pode dizer da importância do jornal Avante, órgão central do PCP, enquanto veículo de divulgação clandestina das verdades proibidas pelo fascismo português.

Quanto à festa em si, ela não só expressa os sentimentos e as lutas dos militantes do PCP como tem sido objecto, em si mesma, do combate partidário anticomunista, através de formas administrativas de boicote à realização do evento por parte dos governos. A interdição de usar espaços para a Festa, sob diversos pretextos, obrigou o Partido Comunista a uma aventura inimaginável: comprar um terreno próprio para a realização da Festa. E assim o conseguiu, no Seixal, através de uma campanha impensável de recolha de fundos.

Enquanto o combate político em Portugal não se fizer com bombardeamentos, vai ser difícil a certas forças políticas obrigarem novamente os comunistas do PCP a carregar a festa às costas. E ainda bem – no interesse destes, é certo, mas com benefício para todos.

CURIOSIDADE:
como assinavam os doadores no tempo da ditadura:

23.8.14

Porque hoje é domingo (51)

Alguém sabe quem foi esse a que chamam Jesus? Entre a visão, digo as visões religiosas, e as pesquisas históricas, perde-se num manto de espesso nevoeiro a figura desse profeta que se dizia filho de Deus e, ao contrário de outros concorrentes, continua a fazer grande sucesso.

Quem diz o povo que eu sou? - perguntou Jesus aos discípulos, segundo Lucas (9,18-24). Dois milénios depois, continuamos à procura da resposta.


'Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou...' – terão respondido aqueles que seguiam o Mestre.

´E vós, quem dizeis que eu sou?'- continuou ele. Ao que Pedro terá respondido que Jesus era “o Cristo de Deus”.

Logo aqui se apresenta uma curiosidade: Jesus era o nome; Cristo era a identidade, o título, digamos assim - é a designação grega do termo hebraico que significa “ungido” ou “messias”, em função dos mecanismos de tradução. De notar que a designação “Cristo” atribuída a Jesus é aceite apenas por uma parte dos judeus.

Os estudiosos da História não se satisfazem com as respostas dadas pelos discípulos. A ideia de que um homem seja filho de uma virgem, já não é razoável, mas que seja filho de Deus, ele próprio Deus no domínio da “Santíssima Trindade”, é demasiado fumo para os olhos dos historiadores.

Para ver claro, eles vasculharam e continuam a vasculhar os sinais da época, do local e das culturas contemporâneas de Jesus, sinais rigorosos ou razoáveis da sua vida, limpos da poeira que a religião foi derramando sobre ele. Além de algumas futilidades como a de não lavar as mãos antes das refeições (Marcos 7:1-23, Mateus 15:1-20) e muitas fantasias destinadas a engrandecer o seu prestígio, isto é, o prestígio do cristianismo, o que se sabe mesmo é decepcionante.

No ocurre con Cristo como con Augusto (na imagem) o con otros grandes "en la carne", de los que tenemos las fechas exactas del nacimiento y muerte, retratos en estatua y fiel narración de sus hazañas en el mármol. 

Nada sabemos de la figura terrestre de Jesús ni por la Escritura, que El mismo ha inspirado, ni por las estatuas o reliquias. Hasta su vida terrena, todavía no glorificada y envuelta en la debilidad de la carne, es ya un misterio; está ya completamente en el ámbito del Pneuma" (Hugo Rahner, Die Theologie des Lebens Jesu, en "Theologie der Zeit", 1938, II serie, 80; más tarde publicado en H. Rahner, Theologie der Verkundigung, 1939, pág. 98, citado por Joseph Ratzinger ).

Alguns defendem que Jesus foi membro do grupo do norte da Palestina, os Essénios, que se concentrava ao redor do Monte Carmelo, como de resto o tinha sido seu primo João Baptista. Curiosamente, o Papa emérito Bento XVI, actualmente em silêncio no Vaticano e já atrás citado, estabeleceu em 2007 uma relação entre Jesus e os Essénios. 

“Com jeito”, Joseph Ratzinger ainda nos vai surpreender com versões originais sobre a vida de Jesus, antes de deixar definitivamente o Vaticano.

21.8.14

Histórias de terrorismos

«No dia em que os leões também forem ouvidos, muitas surpresas teremos com as histórias de caça»

«»Ditado africano adaptado.

18.8.14

Ladroes de bicicletas

O desemprego que as estatísticas não mostram.

16.8.14

Argentina soberana

Para pagar a dívida pública da Argentina, a presidente do país apresentou aos credores uma renegociação.

A grande maioria deles aceitou as condições e uma pequena parte não aceitou.


O governo argentino, através do Banco de Nova Iorque, procedeu à transferência do valor acordado, de 539 milhões de dólares, para os credores signatários do acordo.

Entretanto, os fundos de investimento credores que não subscreveram o acordo, interpuseram uma acção judicial nos Estados Unidos da América, destinada a exigir o valor integral dos títulos da dívida argentina comprados a preços baixos, após a moratória de 2001. Ao mesmo tempo, o fundo Aurelius, que lidera esta exigência, faz declarações públicas que são verdadeiras ameaças contra o governo argentino.

Uma sentença a favor dos “fondos buitres” calcula que a Argentina deve àqueles credores 1.500 millões de dólares. O juiz Griesa do tribunal norte-americano, decidiu a favor destes fundos especulativos, para que cobrem US$ 1,33 bilhão em títulos argentinos em moratória desde 2001, e ordenou que o pagamento seja feito simultaneamente ao vencimento da dívida reestruturada por Buenos Aires em 2005 e 2010.

Com a decisão dos tribunais norte-americanos, o governo argentino foi impedido de pagar o valor já negociado com grande parte dos credores, ao mesmo tempo que foi obrigado a depositar a quantia em juízo. O valor acordado continua retido nas contas do banco por disposição do juiz.

“No existe la figura jurídica de retener; o se embargan o se distribuyen los fondos como dice su sentencia”, afirmou a presidente Cristina.

O governo argentino apresentou à Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda, uma queixa contra os Estados Unidos, invocando que estas decisões adoptadas por tribunais norte-americanos a respeito da reestruturação da dívida argentina violam a soberania de Buenos Aires e criam inconvenientes para o processo de reestruturação da dívida pública argentina.

O governo argentino atribui responsabilidade internacional aos Estados Unidos pela violação das obrigações de respeitar a soberania de outras nações, e de não aplicar ou estimular medidas de carácter económico e político a fim de forçar outros estados a decidir o que quer que seja, já que esta decisão surge principalmente da acção de um de seus órgãos de Estado, o Poder Judiciário.


Fontes:
El Mundo, Paginapopular.net, Folha de S. Paulo, Globo.com e outros.

14.8.14

Dívida pública
é uma questão de Estado

« El problema de Argentina con los fondos buitres no es económico. En realidad, ese país no solo depositó el dinero que correspondía a los bonistas sino que además la semana pasada canceló la primera cuota de la deuda que tiene con el Club de París.

Entonces, no é cuál es el default al que se refieren los especuladores. Inventarán algún érmino al respecto, de hecho ya se habla de “default parcial”. Y aunque creo que Griesa (*) no está en sus plenas facultades para ser juez, la parcialidad de sus sentencias así lo dictaminan, el asunto tampoco es jurídico.

El conflicto es político: es entre los representantes de la economía de las finanzas - de esa que finalmente no genera riqueza sino que se la apropia - y quienes creemos en un modelo económico basado en la producción, en el consumo popular, en el ahorro interno, en la industria nacional y en los capitales propios. »


Excerto de um artigo de Alfredo A. Repetto Saieg, em paginapopular.net


Espero desenvolver este assunto, no próximo artigo.

nota
* Juiz que se opõe a que a Argentina pague aos credores de acordo com a forma negociada.

13.8.14

Joaquim Namorado



Estava eu com os meus pais a passar férias na aldeia de Murtede, de onde o meu pai era natural, quando me apercebi que havia qualquer coisa a acontecer na Casa do Povo. Mais para conhecer a casa onde nunca tinha entrado, do que para ver o que se passava dentro e em relação ao qual não tinha quaisquer expectativas, entrei.

O que eu presenciei era de todo inusitado. Naquela terra onde eu pensava que as pessoas apenas se interessavam pela agricultura, por leitão e chanfana, e por bicicletas, uma sala cheia de gente atenta, interessada, ouvia o poeta Joaquim Namorado que ainda hoje não sei porque foi ali parar.

Eu sei que quase ninguém conhece o Joaquim Namorado, mas para mim era um mito. De tal modo que tinha decorado o seu poema "Port Wine" que conheci pela voz de Mário Viegas, e que termina assim:

O rio Douro é um rio de sangue
por onde o sangue do meu povo corre.
Meu povo, liberta-te, liberta-te.
Liberta-te, meu povo. Ou morre!


Mais tarde tive o prazer de inserir este seu poema num documentário que fiz para a RTP sobre a poesia de resistência à ditadura salazarista: eu chamei ao documentário "Versos e Reversos".

NOTA PARA EVITAR CONFUSÕES:
Alguém alheio ao programa mas com poder burocrático para o efeito, resolveu abusivamente registá-lo e anunciá-lo com o nome "Palavras de Abril" mas este título é tão obvio que reaparece noutras iniciativas tal como aconteceu nas comemorações recentes dos 40 anos.

Mas agora o que me importa é divulgar a exposição a que se refere o folheto acima.

10.8.14

Sebastião Salgado além do fotógrafo

«Alguns dizem que sou fotojornalista. Não é verdade. Outros, que sou militante. Também não é verdade. A única verdade é que a fotografia é a minha vida. Todas as minhas fotos correspondem a momentos que vivi intensamente. Todas essas imagens existem porque a vida, a minha vida, me levou até elas. Porque havia uma raiva dentro de mim que me levou àqueles locais.


Por vezes fui levado por uma ideologia, outras, simplesmente pela curiosidade ou pelo desejo de estar em determinado local. A minha fotografia não é nada objectiva. Como todos os fotógrafos, fotografo em função de mim mesmo, daquilo que me passa pela cabeça. Daquilo que estou a viver e a pensar no momento. E assumo-o.»

Excerto do livro “Da Minha Terra à Terra”, de Sebastião Salgado.

Talvez este post devesse ficar por aqui, pelas palavras do autor citado. Mas não resisto a observar a seriedade corajosa com que Sebastião Salgado assume que a fotografia, toda a fotografia, é subjectiva. Afinal não é subjectiva toda a informação? Não escolhe o jornalista o assunto, o enquadramento, as testemunhas, os comentários ou os comentadores…? Sobretudo: não escolhe o jornal, os jornalistas? Ó se escolhe! Ora o problema é fingirem que não, fingirem que são objectivos, os que fingem.


A foto a preto e branco, de S. Salgado, foi recolhida em http://obviousmag.org/

5.8.14

PS bom e PS mau

É inevitável fazer uma leitura do que se passa no Partido Socialista português, à luz do que se passa no Banco Espírito Santo.  A ideia de que existe um BES BOM e um BES MAU pode ser comparado à percepção que os "socialistas" têm do seu partido.

Neste sentido existe um PS BOM e um PS MAU - a ideia de um NOVO PS não é totalmente descartável mas a História desaconselha-a.

Sim, existe um PS Seguro e um PS Costa, ou vice-versa, para contentar a populaça. Mas de uma coisa não se livrará o PS que vingar nas eleições internas: a contaminação das suas bases predominantemente conservadoras.

Os comportamentos políticos de Mário Soares na história da nossa democracia, são talvez a forma mais simbólica de representar a ambivalência do Partido Socialista, em que um certo pragmatismo, digamos assim, rivaliza despudoradamente com as pulsões revolucionárias, em desfavor destas.
Soares em 1975, com Frank Carlucci (director da CIA)

Soares em 2014, nas comemorações não-oficiais do 25 de Abril

P.S. (post-scriptum):
Ao falar do "pragmatismo" de Mário Soares, é justo sempre lembrar o seu papel na resistência à ditadura, para evitar confusões com outros pragmatismos.

3.8.14

A guerra da Informação sobre Gaza

Hora e meia após o início do cessar-fogo, Israel fez bombardeamentos na área de Rafah que causaram a morte de mais de 60 pessoas e ferimentos em centenas. Quanto ao ataque palestiniano, terá causado dois militares mortos  segundo o próprio porta-voz de Israel.

Considerando o espaço temporal entre o rompimento de um e a resposta do outro, a ser assim, e considerando os efeitos provocados por cada um dos ataques, ficamos na dúvida se é Gaza ou “gansa” o que faz falar as autoridades de Israel e os seus porta-vozes entre políticos e jornalistas.

As atrocidades provocadas por Israel foram de tal modo explosivas que o próprio presidente norte-americano se sentiu obrigado a reprová-las ainda que num fraseado ambíguo.

Mas ainda não arrefeciam os corpos das dezenas de mortos, ainda não tinham sido assistidas as centenas de feridos, ainda agonizavam homens, mulheres e crianças atingidos pelos ataques israelitas, e já Netanyahu, essa fonte “insuspeita”, fornecia a Obama e este às agências de notícias e estas aos jornais de todo o mundo, que «o Hamas foi o primeiro a romper as tréguas acordadas». 

Servil e irracional, a comunidade jornalística, lambendo o sangue que escorria das mãos  do primeiro-ministro de Israel, subscreveu a sua versão remendada.

O número dois do Hamas, disse que “qualquer operação que o Hamas tenha feito ocorreu antes do início do cessar-fogo”? Esquece! O papel da comunidade informativa “ocidental” é o de contar a versão “ocidental”. Missão cumprida.

Última hora:
A ONU revelou que já morreram neste conflito cerca de 300 crianças palestinianas. E eu, sabe-se lá porque sentimento pueril, não tenho coragem de inserir aqui a imagem de uma “só” que seja.


Foto inicial recolhida em aljazeera.com