29.12.11

Da bomba à mina nuclear (tese)

Agora que Cristina Kirchner, presidenta da Argentina, acaba de anunciar que lhe foi diagnosticado um "carcinoma papilar en el lóbulo de la glándula tiroides", Hugo Chavez, presidente da Venezuela, também ele a fazer tratamento a  um tumor canceroso detectado em Junho deste ano, confessou a sua estranheza pelo facto do cancro estar a atacar ultimamente vários dirigentes da América Latina. Nada que alguns jornais não tivessem assinalado já.
Chavez, Cristina e Dilma

Com efeito, além destes dois, já no Brasil, Dilma Rousseff detectou cancro com origem no sistema linfático, em 2009, quando era ministra da Casa Civil, sujeitando-se a um tratamento de quimioterapia quando já estava lançada a corrida presidencial, e Lula da Silva está a ser tratado a um cancro na laringe que lhe foi detectado em Outubro de 2010.

Além de Cristina, Chavez, Dilma e Lula, também Fernando Lugo, presidente do Paraguai, viu detectado em Agosto de 2010 um cancro linfático a que fez tratamento num hospital brasileiro de onde teve alta em 2011. E Álvaro Uribe, ex presidente da Colômbia, sofre de uma infecção pré-cancerosa da pele.

Será que as suspeitas de Chavez fazem mais sentido do que “parece”? Será que a nova arma secreta é um feixe de radiação tão invisível mas mais letal que os raios do Sol? A possibilidade existe e os interessados também…

Uma causa do cancro é a exposição prolongada a radiação. É por isso que as radiografias ou exames radiológicos são feitas com grandes precauções quanto ao tempo de exposição dos pacientes ao equipamento “fotográfico”, e os operadores desses exames trabalham com coletes ou aventais de chumbo. Logo, frequentar espaços com radioactividade – haja em vista as centrais nucleares – é expor-se a efeitos cancerígenos.
Nesta ordem de ideias, não admira que se possa usar este processo como arma, seja pela contaminação de um espaço de trabalho, por exemplo, seja pela emissão dirigida de feixes de radiação que afinal nem sequer são perceptíveis. É a passagem estratégica da bomba nuclear à mina nuclear. Não mais que isso. No lugar deles, eu usaria um detector de material radioactivo, que os há.

O que é que falta para que Hugo Chavez tenha mais razão do que ele próprio imaginará?

P.S.:
Espero nunca me arrepender de suscitar a ideia – passe a imodéstia da comparação com Einstein.  E prometo não falar dos equipamentos micro-ondas, para não assustar ninguém…

26.12.11

Descubra as diferenças

TEXTO A

«Durante os anos de ditadura (1966-1973), a Argentina foi regida pelo Estatuto de la Revolución Argentina, colocado no mesmo nível jurídico que a Constituição Nacional. As expectativas de um prolongado governo dos militares golpistas estavam reflectidas numa das suas mais repetidas frases, a que afirmava que a Revolução Argentina tem objectivos mas não prazos. Neste período, proibiram-se os partidos políticos, assim como todo o tipo de participação política da cidadania».

TEXTO B:

Durante os anos de intervenção alemã (2011- ...), através da “troica” - FMI, BCE e FEEF -, Portugal foi regido pelo "Memorando de Entendimento", colocado no mesmo nível jurídico que a Constituição Nacional. As expectativas de um prolongado governo estrangeiro estavam reflectidas numa das suas frases, a que afirmava que “ a solução para a crise financeira que a Europa enfrenta não será rápida, e que levará anos a ser concluída”. (FONTE)

Por outras palavras: a intervenção estrangeira tinha objectivos mas não prazos !

Neste período inibiram-se os partidos políticos de ter qualquer influência nas decisões, assim como todo o tipo de participação política da cidadania era apenas considerado como um respeitável direito democrático; passou-se de forma permanente ao estado-de-sítio financeiro e viram cortados direitos sociais e políticos, e votado ao desprezo ou atacado como “defesa de interesses corporativos”, todo o tipo de participação política da cidadania.

22.12.11

Humor com orçamento

O Parlamento interrompe os seus trabalhos durante a próxima semana. Antes disso, os representantes parlamentares foram apresentar cumprimentos de Boas Festas ao Presidente da República que gracejou, ao despedir-se:
- Podem descansar que nós ficamos aqui com o Orçamento.

No mesmo tom, respondeu-lhe Bernardino Soares, do PCP:
- Pode sempre devolvê-lo, senhor Presidente.

Há piadas que valem por discursos! - digo eu.

E agora, senhor Presidente? Agora que está nas suas mãos decidir, o que fará de uma proposta que vai contra as suas recomendações de "limites para o sacrifício", de "equidade" e outras piedosas declarações?
TSF10 Dez 2011
O Presidente da República diz que devemos ter vergonha por haver quem passe fome neste país.

Os portugueses devem sentir-se «envergonhados por estarmos no século XXI, Portugal ser uma democracia, ser um país que, apesar de tudo, está num desenvolvimento acima da média e, no entanto, alguns de nós sofrem de carência alimentar».


ACTUALIZAÇÃO em 30DEZ2011

Cavaco promulgou! LUSA / Diário de Notícias.
Afinal quem não tem vergonha?

19.12.11

Paradoxos cristãos

Somos muito pequenos diante da Alemanha? E daí? Em tempo de celebrar o nascimento de Jesus Cristo, vale a pena aprender, com a sua história, como isso do tamanho é uma desculpa para quem não tem coragem ou vontade. Está tudo na Bíblia.

Jesus é apresentado como descendente do rei David. Ora este é o tal que derrotou Golias apesar da grande desvantagem física do primeiro. Esclarecida esta relação entre a coragem e a resignação, vamos aos pormenores.

Um gigante chamado Golias desafiou o exército israelita a enviar um homem para enfrentá-lo. Os israelitas tiveram medo do gigante. David, indignando-se da vergonha que Golias trazia a Deus e a todo exército de Israel com suas palavras, decidiu enfrentá-lo, munido apenas de uma funda e algumas pedras. Logo no começo da batalha, David acertou na testa de Golias, com uma pedrada. Golias caiu e David arrancou-lhe a cabeça com sua própria espada.

Após esta vitória, David foi bem sucedido em todas as suas missões e ganhou fama entre o povo. Saul, o primeiro rei daquele povo unificado, passou a invejá-lo e temeu que o poder lhe escapasse a favor de David. Mas quando Samuel foi secretamente ungir o novo rei para Israel, foi David que ele escolheu apesar deste ser o mais novo de sete irmãos. Assim, e sempre “por vontade de Deus”, David sucede a Saul. (De tudo isto falam os livros de Samuel).

David conquistou Jerusalém, que transformou em capital do Reino Unido de Israel, de acordo com a Bíblia hebraica. No judaísmo, David, é o Rei de Israel e do povo judaico.

Depois de muitas gerações de homens com nome, e mulheres desconhecidas, anuncia-se o nascimento de Jesus. O anúncio é feito por um anjo. Mais tarde, com a criação dos Correios, Telégrafos e Telefones, mas sobretudo com a internet, os anjos deixaram de ser necessários, razão pela qual nunca mais houve notícia de aparições semelhantes.

Acho que a Virgem "ficou para a vida", espantada mesmo, respondendo ao S. Gabriel que ela nunca tivera relações com homem, que S. José era apenas namorado. Que isso não tinha importância, foi o que o anjo lhe respondeu, e que acreditasse no milagre de Deus. De tanto insistir o anjo, resignou-se a Senhora com estas palavras textuais: “Eis aqui a serva do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra”.

Naquele tempo... uma mulher que engravidasse de homem com quem não fosse casada, seria condenada à morte. Seria esse o destino de Maria, noiva mas não casada com José, se as autoridades duvidassem da versão da rapariga ou se isso não estorvasse a narrativa cristã. Esteve bem, portanto, a Virgem - por assim dizer.

Diga-se de passagem que também José, o noivo de Maria, foi visitado em sonho, por um anjo, para o acalmar com estas palavras: “José, filho de David, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo". Qualquer de nós, se sonhasse com um anjo a dizer que não nos importassemos com a gravidez suspeita da nossa namorada, virava-se para o outro lado e continuava a dormir descansado. Assim terá feito José.

O que interessa é que a descendência do rei David, onde se insere de forma pouco clara o nascimento de Jesus, era a dinastia mais famosa de Israel, e o povo sonhava com aqueles tempos em que o rei David impunha respeito, tempos em que o seu país era uma nação temida e respeitada pelas demais, e não insultada e humilhada como seria a Grécia e Portugal dois mil e onze anos se passassem - isto não diz a Bíblia, digo eu.

Assim se compreende a necessidade de um descendente que tivesse a missão de libertar o povo massacrado e infeliz de Israel. E assim surgiu o Salvador, "Jesus Nazareno Rei dos Judeus" como seria designado por estes. Assim se explica a visita dos reis vizinhos, os "reis magos".

Incenso, mirra e ouro não é prenda que se dê a um menino pobre, não é o mesmo que dar uns carapins, umas fraldas, uma camisolinha. Logo por aqui se via, também, que se tratava de um grande líder para a região e só instrumentalmente para a religião.

Incoerência

O Novo Testamento qualifica Jesus como descendente de David e é nisto que acredita o Judaísmo Ortodoxo. Mas alguns detectam nesta história uma incoerência: se Jesus era filho de Maria e do Espírito Santo e nenhum dos dois era descendente de David, como podia sê-lo Jesus? ”. No meio de tantas outras incoerências, contradições e paradoxos a que os "escritos sagrados" nos habituaram, a coisa até passa despercebida. Mas é notório que o Salvador desiludiu os desígnios dos reis magos.

“Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacob, e o seu reino não terá fim”- diz o livro dos cristãos. Outra coisa seria dizer "o seu rei não terá fim". É a diferença entre um discurso político que se refere ao futuro de Israel, e um discurso religioso em sentido restrito. Falar de jacob remete novamente para o mito da vitória do mais fraco sobre o mais forte, mas o que nos interessa é chegar a Passos Coelho!


A questão política do reinado, portanto, é obsessiva na missão de Jesus. O que parece é que Ele não aceitou essa missão e se confinou às questões religiosas, deixando “a César o que é de César”, o que não lhe valeu de muito.

De resto, a sua Igreja fez e faz questão de se entender com César ao longo da História. Pena é que a Senhora de Fátima não gere um Salvador para Portugal, um David que se bata contra os vendilhões da Pátria.

16.12.11

A Europa de Noé

Conforme a tradição bíblica, o bom Deus decidiu... destruir o mundo! E como não tivesse sido ainda inventada a bomba atómica, ficou-se por um “tsunami” global – daqueles que afogam tudo e todos, incluindo governantes e economistas, advogados e até jornalistas e comentadores políticos.

É claro que Deus tinha uma razão. Afinal, se nem os capitalistas têm prazer em fazer sofrer os trabalhadores, muito menos prazer teria o Criador em sacrificar suas ovelhas por mais tresmalhadas que elas fossem. A razão de Deus para inflacionar a Terra com uma inundação colossal, era fazer que as criaturas pagassem as suas dívidas morais, era acabar com a perversidade que se havia instalado entre os humanos. (Para mais detalhes, leia-se Génesis 6-12)

Magnânimo como sabemos que é, quis Deus, porém, poupar a este terrorismo, um homem, e um só, por ser o único justo desta Terra. Desengane-se quem pense que era Passos Coelho. Era sim um tal Noé que nos nossos dias já ninguém sabe quem é, de tal modo a Justiça também perdeu... o crédito.

Disse o Senhor, em privado e em segredo, ao justo privilegiado: «Vem aí uma grande borrasca e nem a Angela Merkel se vai salvar. Portanto, tu constrói uma arca bué da grande (tradução para português actual), enfia lá o gado que tiveres à mão e põe-te ao largo até passar a crise.

Uma fuga de informação que está ainda a ser investigada, fez saber aos “pigs”, em português, porcos, o golpe que se estava a tramar, pelo que estes foram os primeiros a correr para a embarcação, armados em espertos.

Vendo Deus aqueles “bêbados” * encher de “lixo” a arca sagrada, ou vendo simplesmente o mal que ia causar às suas fracas criaturas, ou sendo persuadido pelo próprio Noé, arrependeu-se da infeliz decisão e “obrigou as águas a recuarem e as terras a secarem” e tudo o mais que adivinhar se pode.

A história termina com um tratado de paz que até hoje nunca foi revisto – é conhecido por Acordo da Aliança e tem o arco-íris por bandeira, cumprindo-se o que foi então assinado: "Sempre que houver nuvens sobre a terra e o arco aparecer nas nuvens, eu me lembrarei da eterna aliança entre Deus e todos os seres vivos de todas as espécies sobre a Terra".


Esta não é a única versão. Outros jornais de referência dizem que a missão destruidora se cumpriu e que apenas se salvou a arca com os animais e a família de Noé por ser "honrada e limpa" - para usar a linguagem da Santa Inquisição. Mas o que nos importa, tantos séculos passados, para que possa servir-nos de lição, é saber o que aconteceu aos porcos.

Nota *
O chefe máximo do Banco Central alemão (Bundesbank), sr. Jens Weidmann, disse há poucos dias que os países endividados estão viciados na dívida e, tal como não se deve dar mais álcool a um bêbado, também não se deve emprestar mais dinheiro a um endividado, porque isso só fará piorar o seu vício.

15.12.11

Ajudas financeiras (em construção)

«Portugal terá de pagar juros de 34,4 mil milhões de euros pelo salvamento de 78 mil milhões acordado este ano com o FMI, BCE & UE – ou seja, o total a ser devolvido aos ditos "salvadores" será de 112,4 mil milhões de euros (juros+principal). Um salvamento assim é como...» lançar uma boia de 112 kg de peso, a um náufrago de 78 quilos.

Minha adaptação do texto eloquente de resistir.info.

10.12.11

Cristina brilha na Argentina

Este texto recolhe, com adaptações, um artigo de ANSA
"Hoje temos um país que teve o maior período de crescimento nos seus 200 anos de história. Gerámos mais de cinco milhões de postos de trabalho e voltaram a existir as convenções colectivas de trabalho", disse Cristina Kirchner, hoje 2011-Dez-10, ao tomar posse para o seu segundo mandato como presidenta da Argentina.

Segundo ela, o país “deu um salto fenomenal” desde que seu ex-marido (Nestor Kirchner) assumiu a Presidência, em 2003. Falou ainda do crescimento dos postos de trabalho, da ampliação da indústria nacional, entre outros índices.

De notar que «a Argentina fez uma moratória da sua dívida internacional, em 2001, e a ligação do peso argentino com o dólar foi rescindida, causando uma maior depreciação do peso e um aumento da inflacção.

O país teve que lidar com uma crise financeira e sócio-económica, com uma taxa de desemprego de 25% no fim de 2002 e com o menor salário real em sessenta anos. A crise acentuou a desconfiança do povo nos políticos e nas instituições. Depois de um ano abalado por protestos, a economia começou a estabilizar-se no final de 2002, e as restrições sobre os levantamentos bancários foram suspensas em Dezembro desse ano.

Beneficiando-se de uma taxa de câmbio desvalorizada, o Governo implementou novas políticas com base em re-industrialização e substituição de importações, e as exportações aumentaram e começaram a ter consistentes saldos comerciais e fiscais positivos.

O então governador Néstor Kirchner, um peronista social democrata, foi eleito em Maio de 2003. Durante a sua presidência, a Argentina reestruturou sua dívida com um grande desconto (66%) na maioria dos títulos, pagou as dívidas com o Fundo Monetário Internacional, renegociou contratos com concessionárias e nacionalizou algumas empresas anteriormente privatizadas. Nestor Kirchner e seus economistas, também prosseguiram com uma política de rendimentos e vigoroso investimento em obras públicas.

Argentina desde então tem se aproveitado de um crescimento econômico, mas com inflação alta.

A crise financeira global, desde então, fez com que Cristina Kirchner intensificasse a política de seu marido de intervenção do Estado em setores conturbados da economia. A pausa no crescimento económico e erros políticos ajudaram a levar o "kirchnerismo" e seus aliados a perderem a maioria absoluta no Congresso, após as eleições de 2009.

No passado dia 23 de Outubro, Cristina Kirchner foi reeleita à primeira volta, com 54,11% dos votos.

8.12.11

Sair ou não sair do euro,
eis a questão!

Se a UE tivesse soluções, há muito que as teria tomado.

A Alemanha não pode ajudar ninguém e dificilmente se ajuda a ela própria. Os elevados recursos de que precisa para sustentar o seu grau de competição com os EUA e o Japão na corrida das tecnologias avançadas, com taxas de retorno muito reduzidas no curto prazo, exigem-lhe recursos de capital que não se compadecem com políticas generosas ou solidárias.

O que a Alemanha precisa é que os seus bancos transformem em capital real o capital fictício de que estão atulhados, e precisam de mão-de-obra barata de países empobrecidos e controlados na UE.

Por outro lado, fora da Europa a UE não tem aliados.

Os EUA transformaram a Europa num satélite: ao mesmo tempo que se servem dela para a sua política de dominação territorial global, movem-lhe uma guerra financeira na competição do dólar contra o euro.

Os BRIC, por seu lado, já demonstraram que ignoram os problemas do euro. A China e a Rússia não têm qualquer interesse estratégico em fortalecer à sua custa os que estão incondicionalmente do lado dos Estados Unidos da América.

Os custos da nossa saída da zona euro seriam temporários, ao passo que os custos de permanecermos serão inultrapassáveis pois apenas aprofundaremos a situação a que chegámos – sem riqueza, sem emprego e sem soberania.

Dizer que passaríamos a viver com 25 ou 40% menos é errado. É confundir o valor dos bens com a sua expressão monetária. Os bens transaccionáveis manteriam o seu valor expresso em euros ou noutra moeda. Põe-se o problema, sim, de como pagar as importações, que se reduziriam. Mas como pagá-las, estando na zona euro? Endividando-nos sem fim.

Ficando no euro, a dívida em 2013 será superior à de 2010 e em 2012 os juros atingem 8 800 M€. Daqui a tal promessa (ou antes, ameaça) de Markel de que dentro de 10 anos…

A questão é, pois, produzir bens transaccionáveis. Ora, com o euro não o conseguimos, como está mais que provado; a única forma de o fazer é de facto negociar a saída da zona euro.

Adaptação e resumo de “Ficar ou sair da zona euro”,
de Daniel Vaz de Carvalho, publicado em resistir.info
Recomendo do mesmo autor: EURO E ESCOLHAS

3.12.11

Novo rumo na América Latina

É preciso ir à imprensa e aos sítios electrónicos brasileiros para encontrar notícias, em língua portuguesa, sobre a cimeira da “Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños”, CELAC, que se reuniu em 2 e 3 de Dezembro. Afinal estão em causa “apenas” 550 milhões de habitantes e um PIB global de uns seis biliões de dólares...
Esta comunidade de estados prossegue um velho objectivo de tornar mais autónomos e desenvolvidos os países da região, libertando-os da tutela das grandes potências americanas e europeias. "Estamos aqui a pôr a pedra fundamental da unidade, a independência e o desenvolvimento", disse Chávez no início da cerimónia.

A CELAC que a “comunicação social” portuguesa ignora, reuniu os mais altos representantes de 33 estados, independentemente da sua diversidade cultural e política.
Desde as figuras consensuais de Dilma Rousseff, pelo Brasil, e Cristina Fernández, pela Argentina, até às mais polémicas como Hugo Chavez e Raul Castro; desde o presidente Santos, da Colômbia (na foto abaixo, ao lado de Raul Castro!), até ao conselheiro Luis Almagro, do Uruguai, desde Sebastian Piñera, do Chile, até Rafael Correa, do Equador, o sentimento de que o futuro da região depende da sua união, foi manifesto. E tanto bastaria para justificar o encontro.

Num processo federador que já passou por outras iniciativas congéneres como MERCOSUL, fundado em 1991, ALBA, em 2004, ou UNASUR em 2008, «el nuevo foro es considerado como una pieza clave en la arquitectura de la integración regional».

Alguém disse numa outra cimeira, que a América Latina devia aprender com a União Europeia, verificando o que ela fez de bem... e de mal. Talvez estivesse a pensar no caracter antidemocrático como se processam as decisões na comunidade europeia, de que o Tratado de Lisboa ou o papel de Merkel e Sarkozy são bem representativos.

Além do mais, a CELAC emerge com entusiasmo numa região que floresce economicamente, enquanto a UE imerge actualmente com sofrimento numa região que apodrece economicamente. A primeira, caminha da miséria para o desenvolvimento, enquanto a segunda caminha do desenvolvimento para a miséria. A primeira quer afastar-se do garrote liberal e imperialista; a segunda submete-se à tortura – submete o seu povo, entenda-se.

Quem não está a gostar da “brincadeira” é a administração norte-americana e a “sua” Organização de Estados Americanos, OEA, hostilizada por alguns na cimeira deste fim-de-semana, o que outros tentaram contrariar com a afirmação de que «a CELAC não está contra ninguém». O valor político desta última posição, enfim, será equivalente à declaração norte-americana de que a nova organização «é um sócio» na região.

A História, portanto, não acaba aqui. Os rumos tradicionais destas regiões, talvez. Sobre isto vale a pena registar a declaração de Felipe Calderón, segundo o qual nasceu uma "nova América". Se assim foi, a comunicação social portuguesa há-de dar por isso, mais cedo ou mais tarde...

1.12.11

disparates orça-mentais

São muitos e muito divertidos os disparates que lemos e ouvimos todos os dias nos jornais, rádio e televisão.
orça, mamífero marinho, carnívoro, muito agressivo.

Já lá vai o tempo em que era preciso saber ler e escrever para ser jornalista num grande jornal ou numa grande estação de rádio ou televisão. E, afinal, desde que se “perceba a ideia”, que importância tem que se diga “aumentos do leite” em vez de “aumentos do preço do leite”, que se diga “subida da gasolina” em vez de “subida do preço da gasolina”, que se diga “Transferência de fundos da banca assegurada” (banca assegurada é o quê?) em vez de “Assegurada a transferência de fundos da banca”...

O maior inconveniente destes disparates constantes é deixarmos de perceber as piadas do Ricardo Araújo Pereira ou do Herman José, de tal modo se confundem com os textos “sérios” da informação jornalística.

Mas o que eu queria mesmo comentar era esta notícia fresquinha: «Governo quer acabar com Corpo de Deus, 15 de Agosto, 5 de Outubro e 1 de Dezembro».

Acabar com os dias 15 de Agosto, 5 de Outubro e 1 de Dezembro faz com que o ano passe a ter menos três dias o que apressa o envelhecimento da população. Parecendo que não, sempre são menos 240 dias numa vida de 80 anos, o que é muito cruel.

Mas o pior de tudo é acabar com o Corpo de Deus. Pilatos lavou as mãos desse crime com uma espécie de referendo ad-hoc. Passos Coelho quer também lavar as mãos, invocando umas vezes que está mandatado pelo povo, outras vezes que está mandatado pela “troica”. Mas as vítimas invocarão sempre o nome dele.

27.11.11

Porque hoje é domingo (11)

A passagem do Evangelho invocado neste dia pela Igreja Católica (Marcos 13, 33-37) apela à vigilância: «Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento».

Manifestamente, estas palavras são dirigidas aos banqueiros e capitalistas em geral, no sentido de preveni-los para o juízo final em que terão de responder por todas as malfeitorias que fizeram ou mandaram os governantes de direita fazer.

Mas também há quem interprete de outra maneira. A mensagem seria dirigida aos espoliados para que estejam atentos à oportunidade que tanto desejam de “mudar de paradigma” e não se deixem adormecer pelos comentadores nem se deixem embriagar pelos políticos no poder.

Mas é o próprio Jesus que esclarece:
- O que vos digo, digo a todos: Vigiai!

Que as razões de uns e outros sejam diferentes, não é preciso que Deus perca tempo a dizê-lo. Que a oportunidade seja aquela ”em que estejam reunidas as condições objectivas e subjectivas necessárias”, já esclareceu Karl Marx.

Mas porque nem um nem outro sobreviveram à “esperança de vida” do seu tempo, não tenho que ser eu a completar a tese. As condições objectivas estão aí todos os dias nas páginas dos jornais, nos noticiários da rádio e da televisão.

As condições subjectivas, isto é, o grau de descontentamento e a vontade de arrasar o muro, a gota de água que fará transbordar a taça dos sacrifícios, aquele grau de calor que fará a água em vapor, há-de resultar da força de cada um de nós em gestos consequentes.


Voluntários, precisa-se! Para encher a taça, para aquecer a água... e para iluminar o caminho. É preciso gente de coragem porque “o espírito está pronto, mas a carne é fraca”, como se lê neste domingo (Mc 14,17). Isto é, porque a razão pede acção mas o medo impede.

Este é o primeiro Domingo do Advento – diz a Igreja cristã. Tempo de expectativa com a vinda do “Salvador”. Que Deus a ouça!

26.11.11

FMI segundo Mário Branco

Para "consolidar" umas ideias trazidas agora sob a forma de notícia vamos ao que dizia (ena, há tanto tempo!) José Mário Branco. É por causa da crise, tás a ver? Os juros. E tal. Afinal, se acaba a dívida, acaba a mama....

24.11.11

Mais greve e menos conversa

Se a situação política e social em que nos encontramos não é sufuciente para convencer alguém da necessidade da Greve Geral que se realiza neste dia 24 de Novembro em Portugal, não há situação alguma que convença. Por isso, e depois de ter abordado o tema noutro artigo, a única coisa que vale a pena trazer aqui é informação prática:

22.11.11

Comadres e verdades

Paulo Morais, antigo vereador do Urbanismo na Câmara do Porto, apareceu na TVI24 * a denunciar extensa e intensamente a corrupção que mina o país e que assenta muito na promiscuidade entre os deputados dos maiores partidos, autarcas dos mesmos e empresários privados, sendo muitas vezes as mesmas pessoas a assumir os dois papeis.

Paulo Morais já tem feito denúncias neste sentido, noutras oportunidades. A título de exemplo, dizia em Julho deste ano, segundo recorte em LUSA/JN:

«Cerca de um terço dos deputados que exerceram mandato na última legislatura pertencia, simultaneamente, a empresas que mantinham negócios com o Estado. Dos 230 deputados que integravam o anterior Parlamento, cerca de sete dezenas eram também administradores, gestores ou consultores de empresas que tinham directamente negócios com o Estado (...)»

Como também já dissera noutra oportunidade, insistiu que "a margem de lucro do urbanismo em Portugal só é equivalente à do tráfico de droga".

Manifestamente, a jornalista Judite de Sousa que conduz o programa, não estava a gostar da conversa e no final rematou com este comentário esclarecedor do seu incómodo:«Dr. Paulo Morais, o senhor é um desiludido da política. Foi o que eu registei destes 50 minutos de entrevista».


E eu pergunto: quem é Judite de Sousa? E a pergunta leva-me até ao marido, Fernando Seara, cuja biografia vale a pena consultar AQUI ou AQUI.

Enfim, o que eu registei desta entrevista foi que Judite de Sousa não se desiludiu ainda da política.

* Programa "Olhos nos Olhos" de 21/Nov./2011

18.11.11

Televisões públicas e vícios privados

Muitas vezes me deparei com a dificuldade de pesquisa, sobretudo na produção de documentários, devida à insuficiência de registos e ao tempo de processamento do material pesquisado, visto que o filme antigo precisa de um tratamento prévio de limpeza em laboratório, antes de ser transcrito para vídeo.

Mesa de montagem de filme e áudio (moviola)

Muitos anos depois da Televisão abandonar definitivamente o suporte “filme” nos registos de imagem (acompanhado do registo magnético autónomo do som em “klang”), os serviços de arquivo da RTP continuavam a debater-se com a dificuldade de transcrever todo aquele material para vídeo a fim de ser utilizado pelos novos meios tecnológicos.

Claro que não é impossível proceder a essa conversão, e disponibilização pública, “tal como” fazem as bibliotecas que disponibilizam jornais antigos microfilmados, mas os custos em pessoal, laboratório e suportes, envolvidos nessa tarefa, foram avaliados? E quem os suportaria?

E em relação ao material arquivado que teve já a produção original em vídeo e não em filme, o que imaginam eles que permanece registado? Lembro-me de material importante das cassetes vídeo - já nem falo dos registos em bobines -, que era apagado num abrir e fechar de olhos para gravar uma treta qualquer porque não havia cassetes novas nem orçamento para comprá-las! Lembro-me também do que alguns de nós sofríamos com o apagamento definitivo desses registos de que sabiamos os custos envolvidos na sua produção ou o seu valor histórico. Mas a reutilização das cassetes vídeo era e ainda continua a ser em grande parte, imposta por razões económicas.

Desenganem-se pois acerca da recuperação de grande parte do material exibido, os comissários nomeados pelo Governo para definir o conceito de serviço público de comunicação social. E não se iludam com a viabilidade de passar a convertê-lo genericamente para suporte informático e publicado na internet.

Eu sei que não se iludem; querem iludir-nos, isso sim, para esconder a sua estratégia de destruição dessa outra “gordura do Estado” que é a Televisão Pública, a bem dos interesses pessoais e políticos dos seus próximos. Mas isso não é Televisão, é a sua visão! É o seu vício.

Parece que alguns tomaram a decisão elegante... de se demitir da “sábia” comissão. É que há gente que tem vergonha.

13.11.11

Sobre tempos inúteis

“Cheira-me” a truque esta medida anunciada pelo Governo, de aumentar em meia-hora por dia a duração dos horários de trabalho do sector privado.

Não é só pelos aspectos negativos que comporta, como o caracter duvidoso da legalidade, o aumento do desemprego e a irrelevância económica. É porque, renunciar a esta medida, não é o que pode “pôr em causa nem em risco a meta de 4,5% para o défice” nem o “esforço de consolidação entre receitas e despesas».

Isto é, renunciar a esta medida no âmbito das negociações com o PS, serviria ao PSD para dar uma imagem de “abertura às sugestões da Oposição”, mantendo os compromissos declarados, e serviria ao PS para dar a impressão de que teve um papel importante no desagravamento das medidas anti-sociais da proposta governamental.


A propósito: não poderiam as centrais sindicais promover uma greve anual com duração equivalente ao somatório dessas meias-horas acrescentadas ao período laboral? Em que base horária é que seria descontado esse período de greve, uma vez que os trabalhadores tinham cumprido o tempo legal completo?

Eu sei que esta minha pergunta é sobretudo especulativa, mas como ponto de partida para uma reflexão sindical criativa, talvez não seja despicienda.

12.11.11

As greves, que chatice

Nos dias de greve não faltam “comentadores” dispostos a substituir o protesto geral pelas suas opiniões “especiais”, para desvalorizarem a dimensão da adesão dos trabalhadores e para realçarem os inconvenientes que trazem aos utilizadores dos serviços, esses dias de paralisação. Os inconvenientes da supressão definitiva de serviços a título de reestruturações, e dos aumentos dos preços que os utilizadores pagam, é-lhe menos caro.

Não se apercebem da figura que fazem, lá no refúgio das suas cadeiras de onde não saem para o mundo real, assustados com a possibilidade de verem os assentos ocupados, no regresso. O medo geral, o terrorismo económico afecta os contestatários das greves como aos outros, só que àqueles de um forma patética.

Pois, as greves, que chatice!... Mas afinal não “são os empresários que fazem andar a Economia”? Que importância têm as greves?

Quando a indústria prospera, os capitalistas obtêm grandes lucros e não pensam em reparti-los com os trabalhadores, mas durante a crise tratam de despejar os prejuízos sobre os ombros dos cidadãos.

Quando o tesouro público suporta os desmandos dos governantes, é um fartote de lugares e privilégios para a família política, mas quando a dimensão dos gastos e da corrupção se torna insuportável, não são os amigos que pagam, são os outros e os serviços públicos prestados à população.


O fortalecimento da economia não é feito pelos investidores na bolsa; é feito pelos braços e os cérebros dos trabalhadores. É feito pelos que cultivam as terras, extraem os minerais, produzem mercadorias, embalam, transportam, constroem...

Os investidores – na verdade devedores à banca – o que fazem é apropriar-se das máquinas para exigirem o rendimento do trabalho e impor as condições – os horários, os salários... O medo de perderem este privilégio de controlar os meios e condições de produção é o que os move contra o Estado e em especial os estados mais interventivos.

Quando os trabalhadores se negam a trabalhar, todo esse mecanismo ameaça paralisar-se. Cada greve lembra aos capitalistas e aos seus representantes políticos, que os verdadeiros actores do desenvolvimento económico não são eles, e sim os trabalhadores. E os trabalhadores estão dispostos a pagar os custos pessoais da greve quando percebem que já nada mais faz parar a ganância dos agiotas.

Nota para alguns espíritos mais sensíveis:
Claro que há greves injustas, greves injustificadas e trabalhadores egoistas e "calaceiros" assim como há camelos capazes de passar pelo buraco de uma agulha, mas eu falo dos conceitos normais. Além disso, a própria greve serve para questionar os seus actores e a população em geral, sobre todas estas questões, trazê-las para o espaço de participação que lhes compete.

9.11.11

Paradoxos do capitalismo

Os banqueiros portugueses estão em pé de guerra com o Governo, devido às regras para o acesso à linha de capitalização do sector, prevista no acordo da ‘troika'. A Associação Portuguesa de Bancos enviou mesmo uma carta à Comissão Europeia a acusar o Governo de pretender nacionalizar o sector financeiro. Os banqueiros chegam ao ponto de comparar a política do Executivo às nacionalizações do PREC, em 1975.

Recortado em Diário Económico (on line).

Seria também disto que Karl Marx falava quando dizia que o capitalismo transporta no seu seio os germes da sua própria destruição? Ou estamos perante uma outra contradição, entre capitalismo e democracia? Ou as duas teses são equivalentes?

8.11.11

Cobradores de impostos

De Sócrates para Passos Coelho, de Zapatero para Rajoy, de Papandreou para Samaras ou de Berlusconi para Bersani a Europa não substitui as políticas desastrosas que prossegue, substitui os cobradores de impostos.

6.11.11

Testamento de Berlusconi

«È terribile – afirmou Silvio Berlusconi - assistere impotenti alla televisione al dramma di Genova.
Vediamo se ci sarà il modo di intervenire per evitare che quello che è successo non possa succedere più in futuro».

Parece uma metáfora, o primeiro-ministro italiano a assistir, impotente, à tragédia que se abate sobre o seu país. «Impotente», porém, fica fora da metáfora, para que não se tome por inocente.

A Itália é nada menos que a oitava economia do mundo e a terceira da zona euro. A sua dívida pública representa 120% do PIB.

Os juros da dívida italiana já chegaram aos 6,4% nos prazos de cinco e dez anos, e as acções dos bancos italianos caíram a pique.  O país só resiste à pressão especulativa graças ao Banco Central Europeu, que, por sua vez, exige a aplicação de medidas de austeridade.

As autoridades europeias anunciaram a intenção de reduzir em 2 ou 3 pontos as taxas de juro que exigem à Grécia, à Irlanda e a Portugal, e que a duração dos empréstimos da Troika ia ser alongada. É o reconhecimento de que as condições do acordo de 21 de Julho são impraticáveis e que o risco de contágio a outros países, da insolvência, seria desastroso para toda a Europa.

Por outro lado, a função dos estados ricos e do FMI na gestão das taxas de juro agrava todas as dificuldades dos países endividados: estados como a Alemanha, a França e a Áustria pedem emprestado a 2% nos mercados e emprestam à Grécia a 5% ou 5,5%, à Irlanda a 6%. Assim como o FMI empresta aos seus membros a baixas taxas de juro e empresta à Grécia, à Irlanda e a Portugal a taxas nitidamente superiores.

As medidas sociais e políticas não são conhecidas inteiramente e em detalhe mas sabe-se que incluem o aumento da idade da reforma para 67 anos e a facilitação dos despedimentos. A imprensa avança ainda outro tipo de medidas, nomeadamente a liberalização das profissões regulamentadas, o relançamento de infra-estruturas e a simplificação dos procedimentos administrativos.

Vai ser lançado também um plano de venda de activos públicos, de pelo menos cinco mil milhões de euros por ano, durante um período de três anos, e as regiões deverão definir um programa de privatizações das empresas que controlam.

Durão Barroso já manifestou a satisfação da Comissão Europeia com estas medidas mas o presidente francês Nicolas Sarkozy disse recentemente que, embora tivessem tomado conhecimento, com interesse, das medidas tomadas pelo governo italiano “a questão não é o conteúdo do pacote, mas saber se ele será aplicado”. Como dizia Merkel “o que conta são os actos”.

Supervisão e subversão

O Fundo Monetário Internacional vai participar, junto com a Comissão Europeia, na supervisão dos planos de austeridade da Itália. A decisão foi tomada durante a cimeira do G20, em Cannes, França. Uma fonte da Comissão afirma que “temos de assegurar-nos que os objectivos da Itália são credíveis e que vai conseguir atingi-los. No clima actual, cada pequeno problema amplifica-se e os mercados perdem a confiança”.

O governo italiano já aceitou a supervisão do FMI. Mas será que este governo ainda estará lá quando essa subversão de competências se cumprir, ou isto não é senão o testamento político de Silvio Berlusconi?

2.11.11

Resgatemos a Democracia

A Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou por esmagadora maioria a entrada da Palestina como membro pleno da UNESCO – agência da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura. Poucas horas depois, o governo dos Estados Unidos anunciou a imediata suspensão de suas obrigações financeiras com a Unesco.

Papandreou propôs um referendo destinado a saber se os gregos concordam ou não com o  segundo pacote do plano de resgate financeiro, conhecidas e vividas que são as exigências que acompanham os empréstimos da “troica”. A União Europeia insurgiu-se contra esta consulta ao povo grego e ameaça bloquear o empréstimo de oito mil milhões de euros ao país, que estava previsto.

Vale a pena invocar quantos mais exemplos de conflito entre as instituições “democráticas” e a Democracia, que revelam a fraude em que assentam essas instituições? Lembram-se da forma como foi “aprovado” o Tratado de Lisboa... depois de rejeitado?

Se as instituições não confiam nos métodos democráticos e nos cidadãos, como se pode esperar que os cidadãos confiem nas instituições?

Não é a Palestina, a Grécia ou a União Europeia que estão em causa, é a Democracia. Porque não faltarão alternativas quando esta perder a credibilidade que ainda lhe reste. E não faltarão os apoiantes de uma “nova ordem” baseada no autoritarismo, entre desiludidos ingénuos e oportunistas perigosos.

29.10.11

Crise... de vocações


A imagem aqui reproduzida é cabeça de um blogue de conteúdos religiosos cujo autor se diz “bacharel e mestre em Teologia”. Com ela, porém, o que eu pretendo é ilustrar o papel dos ateus convidados a participar numa cimeira inter-religiosa, tal como aconteceu no dia 27 em Assis, Itália.

Encontros ecuménicos ficam sempre bem, e quando se trata de rezar pela paz no mundo, a coisa ganha uma importância transcendente... Mas deixam-me confuso: então é preciso pedir a Deus para que o mundo viva em paz? O próprio Deus nunca se terá lembrado disso ou lembrou-se mas não quis ou simplesmente exige um quórum tão grande de requerentes que até os ateus fazem falta para atingi-lo?

A verdade parece-me ser outra mas receio que seja demasiado fastidiosa para expôr aqui. Em todo o caso, vou tentar.

Deus e o Demónio justificam-se mutuamente perante os homens. O Demónio cujo papel consiste em desviar o Homem dos caminhos de Deus, não teria qualquer papel sem Deus. E Deus, se não existisse o Demónio, seria dispensável para a Humanidade. Se o Demónio não existisse, tudo estaria normal, pacífico, estável; logo, nem o poder nem a bondade de Deus fariam qualquer falta ao Homem.


É por isto que a invenção do Demónio é indispensável à invenção de Deus, insisto. Além de resolver outra questão mais prática: sustenta a razão de ser dos “representantes de Deus", e dá a estes a autoridade de que precisam para “explicar” os mistérios sagrados - os quais, sendo mistérios, não é da vontade do Criador que sejam explicados!

Se a Humanidade poderia bem viver sem Deus nem Diabo, sem medo nem pecado, portanto, já os profissionais da religião não poderiam... Será que agora também os ateus vão ter os seus sacerdotes a cobrar uma dízima aos seus discípulos? Ao que chegou a crise... de vocações.

O encontro inter-religioso reuniu representantes de 300 religiões!  Bem poderia chamar-se a cimeira dos 300.

26.10.11

Três perguntas bastam

Ao sr. Ministro das Finanças

1. Sendo que a “troica” ofereceu os empréstimos a Portugal contra determinadas exigências, para que decidiu você, unilateralmente, agravar essas exigências? Eles emprestaram mais dinheiro, por isso? Reduziram os juros, por isso? Alargaram os prazos de pagamento, por isso?

2. Acha que eles ficaram tão satisfeitos consigo que vão contratá-lo para o FMI quando deixar de ser ministro ou, pelo contrário, ficaram a pensar que você é burro e os portugueses são todos uns carneiros?

3. Você tem consciência de que vive muito acima das possibilidades... dos cidadãos comuns?


P.S.:
O deputado do PS, Carlos Zorrinho, sugeria ontem - talvez com razão - que a estratégia do PSD era fazer agora o máximo das malfeitorias para depois aparecer mais simpático na véspera das próximas eleições. Andará Zorrinho a ler O Príncipe, de Maquiavel, ou a História do Partido Socialista? 

23.10.11

Porque hoje é domingo (10)

O ministério da Santíssima Trindade

NOTÍCIA
«Maioria rejeita proposta do PCP para aumento do salário mínimo nacional porque a situação económica não aconselha atualização»

PERGUNTA:
A situação económica de quem?

Eles não vivem do salário mínimo nem fazem parte do milhão e meio de portugueses que recebem menos de 485 euros de reforma por mês; eles não fazem parte sequer dos 2,5 milhões que ganham 700 a 800 euros; eles não vivem acima das suas possibilidades; eles são portugueses de primeira. Mais que isso, são governantes e deputados dos maiores partidos – dos que ganham eleições à custa de falsas promessas e do domínio dos mecanismos de propaganda... legítimos, claro!

Eles têm mais que fazer do que atender aos problemas ingentes das pessoas; sentem que o seu poder emana do FMI e da União Europeia, tal como o poder de Marcelo Caetano emanava de Deus. Eles são Passos Coelho e José Seguro, Paulo Portas e Maria de Belém, José Relvas e Ferro Rodrigues, Aguiar Branco e Basílio Horta, João Almeida e António Galamba e e e

«Aumentar o salário mínimo nacional de 485 para 500 euros é da mais elementar justiça» propôs o deputado Jorge Machado, do PCP. «Se o aumento do salário mínimo nacional acompanhasse os aumentos do índice de preços ao consumidor - acrescentou - o salário mínimo já seria de 500 euros em 2005».

Com este Governo, os ricos ficam cada vez mais ricos e quem vive do seu trabalho ou pensão fica cada vez mais pobre. Com este Governo e com este PS – entenda-se. Com esta santíssima trindade, enfim.

21.10.11

Pela boca morre o ...


é A Arte de Ganhar Eleições

18.10.11

Espelhos da crise (II)

Continuação do texto de James Petras na parte
que aborda a experiência da América Latina

Recentemente, o ministro das Finanças brasileiro levantou a possibilidade de os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) tomarem parte num "plano de resgate" para fazer frente às crises económicas da Europa. Tal declaração teve mais importância simbólica que real, mas reflecte no entanto uma certa realidade: enquanto o Norte mergulha numa profunda crise sem fim à vista, as economias latino-americanas estão com relativa boa saúde.

Com excepção dos países latinos que estão ainda sob domínio dos EUA, especialmente o México e a maior parte da América Central, a América Latina não somente evitou as crises que afligem o Norte, mas tem crescido de forma saudável, três vezes mais que os EUA ao longo da década. O novo milénio, especialmente entre 2003 e 2011 (excepto durante um breve interlúdio em 2009) tem sido um período de crescimento elevado, prosperidade generalizada, explosão das exportações, aumento das importações, aumento da cooperação inter-regional e redução da pobreza a larga escala.

O Brasil, por si só, reduziu o número de pobres em 30 milhões. Eleições normais, relativamente honestas e competitivas, resultaram em transferências estáveis e legitimadas do poder político. Exceptuando o golpe, apoiado pelos EUA, nas Honduras e a intervenção no Haiti e na Venezuela, as tomadas violentas do poder desapareceram durante a década passada. A construção de instituições regionais prosperou com o advento da UNASUL e do banco regional da América Latina.

Graças ao controlo fiscal e à regulação do sector bancário, resultados de lições aprendidas durante a crise das décadas perdidas (1980-2000), a América Latina foi apenas ligeiramente afectada pelo crash financeiro europeu e estado-unidense de 2008-2011. O comércio latino-americano duplicou, especialmente com a Ásia, ajudado pelo crescimento a dois dígitos da China. A procura de recursos agro-minerais triplicou. A chave deste crescimento baseado no aumento das exportações é a crescente independência económica da América Latina, que levou a que esta diversificasse os seus mercados, aproveitando as novas oportunidades e reduzindo a dependência em relação aos EUA.

(...) Graças à corrente estabilidade política e crescimento económico da América Latina, chovem investimentos institucionais e empresariais na região. Pelo contrário, os EUA e a UE sofrem com o desinvestimento e o declínio do investimento privado. Por outras palavras, o desenvolvimento da América Latina é o outro lado da moeda do subdesenvolvimento do eixo EUA-UE.


(Fim de citação)

O autor desenvolve depois uma análise sobre contradições sociais neste contexto de desenvolvimento da América Latina, nomeadamente as que decorrem do processo de distribuição da riqueza em países da região.

O artigo completo encontra-se AQUI e foi recolhido em português em resistir.info

17.10.11

Espelhos da crise (I)

Será que as lições tiradas da experiência latino-americana podem fornecer um «modelo» para os EUA e a Europa? É este «modelo», na totalidade ou em parte, transferível para o Norte ou são as duas regiões tão diferentes que tais lições não são aplicáveis?

Esta questão é analisada por James Petras * num artigo que reproduzo parcialmente a seguir.

Os países da América Latina experimentaram durante os anos 80 uma época de crises persistentes, que se materializou num crescimento negativo, num aumento dos níveis de pobreza e num grande endividamento que permitiu aos credores (tais como o FMI) impor medidas de austeridade duras e agressivas juntamente com políticas de "ajustamento estrutural", que ficaram conhecidas pelo termo de "neo-liberalização".

Nelas se incluíam a privatização das mais estratégicas e lucrativas empresas públicas, assim como o fim de qualquer estratégia estatal de industrialização. Para os camponeses, a classe operária e a classe média, o curto boom neoliberal dos anos 90 foi a continuação da "década perdida" dos anos 80. As políticas neoliberais dos anos 90 baseavam-se na destruição dos fundamentos estruturais da economia e em enormes transferência das receitas e das despesas públicas para o capital enquanto se cortavam nos salários e na segurança social.

Os regimes neoliberais entraram numa crise profunda em 2000 provocando grandes contestações sociais. O resultado foi um novo enquadramento político e uma nova equação social que culminaram em novos regimes pós-neoliberais na maior parte dos países da América Latina.

Por outro lado, e em parte devido às oportunidades lucrativas que surgiram com a crise da dívida e com a neoliberalização da América Latina nos anos 90 (assim como na ex-União Soviética, Europa de Leste e Balcãs), os Estados Unidos e a UE prosperaram. Na América Latina, mais de 5000, bastante lucrativas, indústrias de extracção de recursos, bancos, telecomunicações e outras passaram para as mãos das multinacionais privadas estrangeiras e para as do capital local. Os grandes lucros derivados das acções, empréstimos e rendas das transferências de tecnologia enriqueceram os capitalistas do Norte, na mesma medida em que a pobreza se multiplicava pelo Sul.

Os anos 90 foram a "idade de ouro" do capital Ocidental que conheceu um crescimento dos seus lucros, enquanto os partidos de esquerda e os sindicatos pareciam incapazes de fazer frente a esta "onda" de conquista da economia por parte do capitalismo predatório.

A primeira década do novo milénio foi a "década perdida" do Norte. Ao longo dos últimos onze anos o Norte conheceu a estagnação e a recessão, que não permitiram qualquer recuperação económica. Os estados capitalistas salvaram temporariamente os bancos, mas demonstraram-se impotentes para relançar o crescimento económico.

A classificação da economia norte-americana foi cortada pelas agências de notação. O desemprego e o emprego precário dispararam para um quinto da força de trabalho, números só comparáveis com os dos países do terceiro mundo. Os programas sociais sofreram graves cortes nos Estados Unidos e nos países da União Europeia, destruindo décadas de conquistas sociais. Os défices orçamental e da balança comercial tornaram-se crónicos, enquanto os credores públicos e privados ficavam cada vez mais preocupados com as tendência recessivas da economia.

O sector financeiro dos Estados Unidos e União Europeia está ferido pela corrupção em larga escala, pelas fraudes, gestão negligente e contas falsificadas, algo que antes encontrávamos na América Latina. A União Europeia enfrenta cortes brutais nos salários, pensões e empregos que afectam milhões de trabalhadores e os jovens desempregados da Grécia, Portugal, Espanha e Itália tomaram as ruas.

As greves gerais ameaçam a estabilidade de regimes cada vez mais isolados e lembram as rebeliões populares que levaram a mudanças de regime na América Latina no final dos anos 90 e princípio dos anos 2000. Nos Estados Unidos, os protestos públicos reflectem um crescente descontentamento: mais de 75% da população tem uma visão negativa do Congresso e, 60%, da Casa Branca. O aprofundamento da alienação do eleitorado norte-americano é já comparável à perda de fé nos governos latino-americanos durante as "décadas perdidas" de 1980-2000.

Tanto os Estados Unidos como a União Europeia sofreram transformações radicais durante a "década perdida" do presente século. Económica, política e socialmente, o "Norte" foi latino-americanizado: instabilidade social, estagnação económica, alienação política, crescimento das desigualdades entre as classes e pobreza, tudo isto liderado por elites políticas corruptas.


Petras é sociólogo e analista político norte-americano, professor jubilado em Nova Iorque.

Esta passagem foi recortada por mim a partir do texto integral em português, publicado em resistir.info

15.10.11

O protesto e o resto


São cada vez mais esmagadoras as percentagens de abstencionistas nos actos eleitorais, exprimindo a falta de confiança num sistema político que gere a riqueza, o poder e a informação com desprezo total pelos interesses, a vontade e a opinião dos cidadãos. E que rasga as promessas eleitorais assim que toma assento no Poder.

As manifestações de indignação que ganham corpo, cada vez mais, nas ruas das grandes cidades do mundo "liberal" convocam cada um de nós a assumir a sua responsabilidade no protesto activo e global, convocam-nos para o grande parlamento da representação directa.

“As palavras que hão-de salvar a humanidade há muito
que foram escritas, só falta agora uma coisa, salvar
a humanidade” - disse Almada Negreiros. Mas no contexto actual eu penso que faltam as palavras, as mensagens e os mensageiros portadores de uma nova arquitectura e uma nova engenharia social. Ser radical - lembrava Karl Marx - é resolver os problemas na sua raiz. É este aprofundamento que os movimentos de indignados reclamam.

Entretanto, não é demais denunciar a ruína do sistema. De uma forma ou de outra . Ou de outra...

19.9.11

Os antigos amigos


Entre os que defendem ou consentem o regime autoritário e os que reclamam liberdade política e democracia, Cuba divide-se cada vez mais.

Pesa de um lado o papel histórico da revolução de 1959 e o odioso do inimigo norte-americano com as suas tentativas de interferir violenta e economicamente na vida interna do país, por razões ideológicas; pesa do outro lado a traição que o próprio regime exerce contra os seus proclamados ideais libertadores, impondo o autoritarismo, a censura e a repressão políticas e também a incapacidade para implementar soluções económicas adequadas.


No recrudescimento deste conflito reprimido, as novas tecnologias de comunicação abrem uma brecha parcialmente incontrolável no silêncio imposto - os cubanos retidos e os exilados usam agora a internet e as mensagens via telemóvel, os blogues, o facebook e o twitter. Os que podem e na medida em que podem.

Apesar de tudo, porém, nada se compara à força afectiva da canção. Nós, os portugueses, sabemos quanto nos inspiraram e ainda inspiram as vozes de Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, José Mário Branco e Sérgio Godinho, Jorge Letria, Fanhais, Cília, Samuel... E quanto desprezámos - os poucos que assumiam o lado da "desordem" - nomes consagrados no altar do conformismo e que a História se encarrega de esquecer.

“A cantiga é uma arma”, por isso os cubanos vão tentando arrumar entre os seus cantores, os amigos e os “inimigos”. E neste contexto vamos assistindo a fenómenos dramáticos para o nosso imaginário, como aquele que separa Sílvio Rodriguez e Pablo Milanés, esses dois magos da canção que o continuam sendo, juntos ou separados.


Mais triste do que esta diferença, só mesmo a divergência entre o Fidel das últimas décadas e o revolucionário de 1959. Ou é tudo o mesmo assunto?

14.9.11

O LIVRO NEGRO
da “União Europeia”

Angela Merkel afirmou há dias que a sua «missão central é solucionar a crise europeia». Nada menos! E que «O futuro da Alemanha é inseparável do futuro da Europa».

Tal ambição é de fazer inveja ao Führer do III Reich – mutatis mutandis. Tal presunção faz-nos pensar o que estão a fazer e a gastar as centenas de deputados no Parlamento Europeu e representantes na Comissão Europeia, mais os funcionários e infra-estruturas de apoio respectivo. Já para não perguntar o que faz o Conselho Europeu.

Na UE os direitos dos cidadãos são secundarizados pelos direitos dos grandes credores, as soberanias nacionais são secundarizadas pela dominação formal das grandes potências do continente, a própria paz é secundarizada pelas “intervenções humanitárias” militares... A propósito: se o preço da paz é prescindir da soberania, porque não se evitaram todas as guerras até hoje?

Todos os mitos vão ruindo e a própria invocação dos EUA como exemplo de prosperidade assente num sistema de estados federados, esconde que amanhã a Federação Europeia, isto é, os "Estados Unidos da Europa", terá uma Nova York para a Alemanha e para a França, mas terá também vários “Mississipis” espalhados pelo sul. As recentes notícias sobre a pobreza nos Estados Unidos da América desdizem a tese de que o desenvolvimento e a equidade social dos países dependam da rendição das suas soberanias. Mais de 46 milhões de pobres, correspondendo a mais de 15 % da população, na maior potência mundial, é arrasador.

Alguém há-de escrever a História da União Europeia, não dos seus projectos e tratados mas dos seus sucessos e fracassos. E então é bem provável que se pareça muito com O Livro Negro da Europa Contemporânea.

Nota:
O governo central em Washington considera por definição como pobres os  indivíduos com rendimentos abaixo de 11.140 dólares anuais ou as famílias de 4 pessoas que obtenham menos de 22.300 dólares ao ano. Acrescente-se que não existe um Serviço Nacional de Saúde e que mais de 46 milhões de norte-americanos não têm qualquer Plano de Saúde.

9.9.11

Desacordo ortográfico

Acabo de ouvir Vasco da Graça Moura (na foto) dizer que os brasileiros devem escolher se querem falar português ou não. Com esta frase, ele exprime com simplicidade e com rigor, o que é não só o pensamento da esmagadora maioria dos académicos portugueses como também a esmagadora maioria se não a totalidade dos cidadãos. Nisto, como na poesia, Vasco Graça Moura é admirável. (Pena é que se perca na política).

Numa sincera homenagem, aqui invoco um excerto do seu poema "lamento para a língua portuguesa"

não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nós fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que só ruínas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como é realidade
a relação da língua com a morte,
o nó que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.
mais valia que fossem de outra sorte
em cada um a força da vontade
e tão filosofais melancolias
nessa escusada busca da verdade,
e que a ti nos prendesse melhor grade.
bem que ao longo do tempo ensurdecias,
nublando-se entre nós os teus cristais,
e entre gentes remotas descobrias
o que não eram notas tropicais
mas coisas tuas que não tinhas mais,
perdidas no enredar das nossas vias
por desvairados, lúgubres sinais,
mísera sorte, estranha condição,
mas cá e lá do que eras tu te esvais,
por ser combate de armas desiguais.
matam-te a casa, a escola, a profissão,
a técnica, a ciência, a propaganda,
o discurso político, a paixão
de estranhas novidades, a ciranda
de violência alvar que não abranda
entre rádios, jornais, televisão.
(continua)

NOTA:
De acordo com a resolução n.º 8 do Conselho de Ministros, de 25 de Janeiro de 2011, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entra em vigor no sistema educativo português no ano letivo de 2011/2012.

1.9.11

A crise da crise

De cépticos a cínicos
por: Emir Sader
O cepticismo parece um bom refúgio em tempos em que já se decretou o fim das utopias, o fim do socialismo, até mesmo o fim da história. É mais cómodo dizer que não se acredita em nada, que tudo é igual, que nada vale a pena. O socialismo teria dado em tiranias, a política em corrupção, os ideais em interesses. A natureza humana seria essencialmente ruim: egoísta, violenta, propensa à corrupção.

Nesse cenário, só restaria não acreditar em nada, para o que é indispensável desqualificar tudo, aderir ao cambalacho: nada é melhor, tudo é igual. Exercer o cepticismo significa tratar de afirmar que nenhuma alternativa é possível, nenhuma tem credibilidade. Umas são péssimas, outras impossíveis.
(...)
Ser optimista não é desconsiderar os graves problemas de toda ordem que o mundo vive, não porque a natureza humana seja ruim por essência, mas porque vivemos em um sistema centrado no lucro e não nas necessidades humanas – o capitalismo, na sua era neoliberal. Desconhecer as raízes históricas dos problemas, não compreender que é um sistema construído historicamente e que, portanto, pode ser desconstruído, que teve começo, tem meio e pode ter fim. Que a história humana é sempre um processo aberto de alternativas (...)
31 de Agosto de 2011

* De origem libanesa, Emir Sader é sociólogo e cientista político brasileiro e membro do conselho editorial do periódico inglês New Left Review.

Escreve no blogue CARTA MAIOR


As imagens foram acrescentadas